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Letícia Sabatella é a grande estrela do elenco de O Colar de Coralina (2018), longa-metragem inspirado no poema O Prato Azul-Pombinho, da poetisa Cora Coralina. Ela interpreta Jacintha, mulher à frente do seu tempo, mãe da protagonista, que no fim do século XIX arregaça as mangas e traça planos para sustentar uma casa repleta de mulheres e dívidas. Além de sua atuação na dianteira do lar, Jacintha se destaca em momentos lúdicos, como no sonho da filha, um baile repleto de figuras fantasiosas em clima onírico. Conversamos com Letícia por telefone, diretamente do Rio de Janeiro, para falar um pouco sobre as particularidades de trabalhar numa produção considerada infantil, ambientada numa cidadezinha pequena em que os moradores estão umbilicalmente ligados às ruelas e às pequenas rotinas da localidade. Confira, então, o nosso Papo de Cinema exclusivo com Letícia Sabatella.

 

O que mais lhe chamou a atenção em Jacintha, a sua personagem, aquela que ensaia quebrar certas regras sociais atreladas às mulheres no fim do século XIX?
O que me impressiona na Jacintha é essa percepção do algo mais, do além, do que transcende aquele universo tão restrito em que as mulheres vivem, dentro de casa, num ambiente bastante doméstico. Ela é uma precursora desse sentir, também o que a Cora Coralina significa para a gente e às futuras gerações, esse anseio de que as mulheres se satisfaçam, saiam mais dos casulos, que possam se desenvolver e realizar seus sonhos.

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No filme, os personagens são intimamente ligados aos cenários, à vida interiorana cheia de pequenos rituais. Sua proximidade com a natureza, com localidades pequenas, facilitou a identificação com esse universo?
Tenho ali muita referência pessoal, até porque minha família mineira migrou para Goiânia, o que é bem comum. Aquele universo é bastante tocante, o universo das mulheres em geral, o da humanidade delas. Esse universo interiorano, da vida sem internet, das mulheres conversando, proseando e se entretendo de algum modo, dando conta das coisas da casa, bolando festas, inventando algo para fazer.

 

O Colar de Coralina é destinado ao público infantil, área na qual você trabalhou pouco no cinema. Como você definiria as particularidades de fazer algo voltado à molecada?
Já fiz várias coisas para crianças, na verdade. Fiz uma série em que era a professora maluquinha, do Ziraldo, além de uma borboletinha da Angélica. Gosto muito. Para mim, não tem uma diferença tão grande. Por exemplo, quando trabalhei em (a novela) O Clone, era um universo infantilizado o daqueles adultos brincando, se tratava de uma commedia dell’arte. Não chega a ser uma coisa tão diferente. A arte de atuar é brincante, então tem tudo a ver com o mundo da criança. O bacana, dentro disso, é algo que está contando essa angustia sentida quando fazemos uma coisa que criança normalmente faz, que é quebrar algo, às vezes precioso, tão importante. Há a noção do castigo, e aquilo fica muito grande. O prato do filme é um símbolo. Quando voltamos à nossa escola antiga, por exemplo, a achamos muito menor do que era. Então, os fatos na infância têm essa dimensão do superimaginado, do hiperimaginado. Você está lidando com isso. Mas, também, é muito o universo do ator em geral. É legal que ali há várias coisas relacionadas ao que sentem as crianças, àquela percepção de você ser tão neófito, de olhar para tudo e ver pela primeira vez, de não entender essas dimensões. Então a gente sabe que está contando para eles. Tratamos de alguns medos, de certas coisas que podem ser compreendidas na simplicidade. É educativo nesse sentido. Acho que uma coisa muito intuitiva e sutil, que faz parte da minha essência, é esse cuidado para a criança.

 

Como foi o trabalho com as meninas, a parcela infantil do elenco?
Com alegria e admiração. O elenco é só de feras. A direção foi tão (aí sim) generosa com as crianças, mas também com os adultos. Como um todo, o elenco foi muito bem escalado.

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Para você, o lúdico é um bom terreno ao qual evadir diante de uma realidade tão difícil e conturbada quanto a nossa?
Cada vez mais precisamos da arte. A arte é medicina psíquica, emocional e espiritual. Ela é a construção de um mundo, como você formulou muito bem na pergunta, é construção de algo que dá conta, que transcende, que dá o poder de viver e superar esse mundo. Estamos aqui a fim de nos tornar artistas. Todos nós somos artistas, estamos aqui para entrar num estado de alma. De algum modo, estamos a caminho de uma obra de arte quando seguimos algum mito, alguma mitologia. Os cristãos vão pro céu. Há as reencarnações. Olha que coisa mais teatral as reencarnações. É muito lúdico. De algum modo, trabalhar com a arte é uma tentativa de encontro com a sua alma e com a sua saúde emocional, com os seus sonhos. A arte permite que vejamos o mundo de outra forma, não tão duramente. Ela nos salva. Nesse momento, ela vai curar o nosso inconsciente que está adoecido por tanto ódio. É fundamental não perdermos essa medicina sagrada que se chama arte, cultura.

 

(Entrevista feita por telefone, no Rio de Janeiro, em novembro de 2018)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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