João Miguel é, atualmente, um dos nomes de maior expressão do cinema nacional. Baiano, nascido em Salvador em 1970, possui mais de uma dezena de grandes títulos em sua filmografia. Por estes trabalhos já mereceu quatro indicações ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, tendo sido vitorioso como Melhor Ator por Cinema, Aspirinas e Urubus (2005) e por Estômago (2007). Tem diversos trabalhos de destaque também no teatro e na televisão, mas é no cinema onde realmente parece ter se encontrado. Em 2012, além da grande produção Xingu, exibida com elogios no Festival de Berlim, marca presença também em À Beira do Caminho, mais recente trabalho de Breno Silveira (2 Filhos de Francisco) e com previsão de lançamento para o segundo semestre. Neste bate papo exclusivo feito por telefone, conversamos sobre estes dois filmes e sobre sua incrível carreira.
Apesar de ter feito muito teatro e também televisão, você é um ator muito mais conhecido pelas participações no cinema. Como é ser um ator de cinema no Brasil?
Nossa, essa pergunta é difícil (risos). Olha… é difícil, viu? É complicado, mas também é muito bom! E principalmente, é um grande privilégio. Na minha carreira no cinema já trabalhei com tantos diretores diferentes, de vários lugares e estilos… aprendi muito! Depois de um ciclo grande no teatro e de algumas aparições na televisão em projetos que me orgulho muito, tive a oportunidade de fazer um mergulho intenso no cinema, que é a minha maior paixão. E todas estas histórias que estamos contando, as equipes que conheci, os contextos diferentes que vivenciei, está sendo muito bacana. É mais ou menos como ser brasileiro, sabe? É algo que para ser é preciso muita força, tem que ter muita certeza, mas também é tão improvável (risos). O cinema no Brasil não é uma indústria consolidada – torço para que um dia seja! – então cada novo projeto e gente avança um pouco. E dessa forma vamos dialogando com a nossa própria história e com o nosso país.
Falando nisso, agora você está com o seu primeiro personagem histórico, o Claudio Villas-Boas, de Xingu. Fale um pouco sobre ele.
O Claudio é um personagem apaixonante, um homem verdadeiramente extraordinário. Foi uma aventura incrível poder descobrir essa figura, conhecê-lo mais de perto. Ele tinha uma personalidade muito complexa, e me vi refletido nele em muitos aspectos. Eu sou muito parecido com o Claudio, e a minha aventura pelo cinema é mais ou menos como a aventura dele pelo interior do Brasil. Foi especial também por todo o processo que foi fazer o Xingu, que não foi fácil – diria até que foi uma verdadeira guerra! Se não fosse pela equipe que tínhamos ao nosso lado, todos dedicados e comprometidos, pelo elenco fantástico e pelo Cao Hamburger, que foi mais do que um diretor – ele foi um verdadeiro líder em todo o projeto – esse filme nunca teria sido possível. Foi impressionante.
Um ponto importante em Xingu é que, dos três irmãos, o nome que ficou para história é o do Orlando, o mais velho, mas o filme assume o ponto de vista do Cláudio, que é o do meio. Como foi a responsabilidade de ser o protagonista?
O mais curioso é que o próprio Cláudio foi um homem que nunca fez questão disso, ele nunca quis aparecer. Essa, eu acredito, foi a grande sacada do Cao. O Orlando é quem dava as entrevistas, é o que mais tem fotos. O Cláudio não tinha esse interesse. Mas o trabalho era dos três irmãos, e depois da morte prematura do Leonardo, o mais novo, foram os outros dois que fizeram tudo. Portanto haviam histórias a serem contadas. E isso é algo que me preocupa: quantas vozes escondidas temos no nosso passado? Cada vez que dialogamos com a história, optamos por um olhar, e em Xingu temos o olhar do Cao. Não é uma verdade absoluta, porque isso ninguém sabe. Mas é a nossa versão, é uma verdade possível, e tá muito bonita, muito bem contada.
Apesar das críticas que Xingu tem recebido por todo o país serem ótimas, parece que os espectadores ainda não descobriram o filme, pois o retorno das bilheterias tem sido aquém do esperado. Qual tua opinião sobre a relação entre o público e o cinema nacional?
Eu vejo isso como um problema de política cultural, que é um mal que assola todo o país. O que tenho percebido é que o boca a boca do filme tem sido ótimo, quem vai ao cinema e assiste tem gostado bastante. Muita gente já veio falar comigo emocionada, muito feliz com o que viu. Mas o ingresso do cinema no Brasil é muito caro, um dos mais altos do mundo. Aí fica muito difícil. A grande população fica longe das salas de cinema, daí não se assiste Xingu e nenhum outro. Todas as bilheterias ficam aquém do esperado. Por isso que penso que Xingu é um sucesso na medida do que discute. O debate que tem levantado, a forma como tem feito as pessoas pensarem e discutirem o assunto, essa é a nossa maior conquista. Mas não se pode pensar em cinema nacional com uma fórmula, que todo filme tem que fazer mais de um milhão de espectadores para ser bem sucedido. De repente Xingu faz 500 mil espectadores e já é um sucesso. Tudo é muito relativo.
Há 16 anos existe o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, promovido pelo Papo de Cinema. Você já foste premiado em duas ocasiões como Melhor Ator do Ano, pelos filmes Cinema, Aspirinas e Urubus (em 2006) e por Estômago (em 2009). Além desses já recebeu muitos outros prêmios em sua carreira. Qual sua opinião sobre esse tipo de reconhecimento?
Nossa… sério mesmo? Já ganhei duas vezes? Puxa, isso é muito bom… tu me deixou muito feliz agora! Prêmio é exatamente isso que tu disse: é reconhecimento. Deixa a gente muito feliz, satisfeito, com a certeza de que alguma coisa certa a gente fez. Mas todo filme que eu fiz, o fiz porque acreditava nele. Nunca aceitei um papel porque pensei que me daria prêmios. Não é o que buscamos nessa profissão. Não é nosso objetivo final. Mas quando acontece… nossa, é muito legal! Não há uma fórmula para se fazer sucesso, assim como não há uma fórmula para ser premiado. Eu sou completamente apaixonado pelo que faço, e em todos os projetos em que me envolvi me dediquei de corpo e alma, do início ao fim de cada participação, seja como protagonista ou mesmo coadjuvante. Fazer cinema é sintetizar em imagens verdadeiros universos. Cada imagem tem um significado. Por isso é tão importante. Eu morro um pouco a cada cena para depois nascer de novo. Esse é o meu processo, de entrega absoluta. É investindo como artista que nos tornamos cidadãos, é assim que conseguimos dizer alguma coisa para o mundo aí fora. É assim que me sinto uma pessoa de verdade.
Como foi desenvolvida a parceria entre você, Felipe Camargo e Caio Blat, os atores que interpretam os irmãos Villas-Boas em Xingu?
Nossa, foi muito interessante. Algo muito legal é que nós três temos exatamente dez anos de diferença entre nós. O Felipe tem 52, eu tenho 42 e o Caio tem 32. Então são escolas, origens muito diferentes entre si. E assim como os irmãos Villas-Boas, nós três também temos personalidades muito fortes, nos entregamos por completo e lutamos pelo que acreditamos ser o melhor para o projeto. A escolha do elenco foi ótima, muito apropriada. Porque todo o tempo em que passamos juntos no meio da floresta, a gente precisou se unir. Mas se criou uma irmandade não cor-de-rosa, em que tudo dava certo. Quando um falava alto, o outro falava mais alto ainda, e ninguém deixava barato. Essa visão que Xingu oferece sobre os irmãos Villas-Boas é uma metáfora para o próprio Brasil, em que tudo é muito intenso, dolorido e verdadeiro. Entre nós não havia hipocrisia, e os três estavam muito a favor do filme.
Tu poderia falar um pouco sobre o teu próximo filme, À Beira do Caminho?
Esse filme é do Breno Silveira, e tem uma pegada bem típica do cinema do Breno. É um filme sem medo da emoção, assim como foram 2 Filhos de Francisco e Era Uma Vez. Mas não é piegas, essa emoção não é barata, vazia. É algo bastante intenso, e que faz uma jogada muito bacana com o repertório de um artista pelo qual tenho o maior respeito, que é o Roberto Carlos. O Breno é um diretor que busca o bom sentimento, um resultado satisfatório. E pra mim foi muito especial também porque na época das filmagens passei por algo muito semelhante, perdi uma pessoa que foi muito importante para mim, um verdadeiro mestre. Por isso consegui me conectar de forma ainda mais intensa com essa história de amor, de perda do amor. O meu personagem é um caminhoneiro que recentemente perdeu o amor de sua vida e ele decidiu se esconder dentro do caminhão. Até que ele encontra uma criança em busca do pai que nunca conheceu. Então é sobre essa busca, é um filme de estrada sobre o encontro destas duas pessoas, esse homem e essa criança, que estão procurando alguém para amar. É muito bonito.
Teus personagens possuem, todos, um olhar muito especial sobre o Brasil…
Sim, pra mim cinema é isso, é buscar esse inconsciente nacional que nem sei explicar direito. Estive no sertão, no sul, em São Paulo, no Rio de Janeiro, e até no exterior, mas sempre procurando olhar para o nosso país. E creio que é isso o fundamental de Xingu, proporcionar um outro olhar sobre a nossa história. Cinema é contar histórias, e acho que estou contando as histórias certas. Ao menos essa é a minha opinião.
*Entrevista realizada por telefone no dia 18 de abril de 2012.
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