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Os franceses têm pouco humor. Por isso, gerou estranheza a postura descontraída e relaxada do sujeito simpático que surgiu para conversar com o público do cinema da Reserva Cultural, em uma sessão da 37° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ele era Ruben Alves, diretor do filme A Gaiola Dourada (2013). Sucesso de crítica e público, o filme do francês, filho de portugueses, revela as idiossincrasias de seus descendentes de maneira amistosa e cômica, sem esquecer de pontuar dramas e dilemas proporcionados pelo exílio forçado e pela saudade. Foi em uma sala lotada, empolgada com o resultado visto em tela, que o diretor conversou com o Papo de Cinema e com o público.

 

Como surgiu a ideia de formar o elenco com Rita Blanco, Joaquim de Almeida e Maria Vieira?
O Joaquim de Almeida foi por acaso. Eu estava no Festival de Cannes, há quatro anos, e uma amiga me convidou para um coquetel. Quando cheguei, ela disse que iria me apresentar a um amigo, ator português. Eu disse ok, pensando em se tratar de um jovem. E então, quando vi, era Joaquim de Almeida. No Festival de Cannes costumam servir croquetes, e ele vira para mim, em bom português, e diz: “não há nada para comer aqui“. Eu achei isso muito português. Olhei para ele e pensei que poderia fazer um José perfeito. O trabalho dele muitas vezes é o de mafioso, em todos os filmes americanos, em que tem que fazer o tipo mau. Aqui, achei interessante a mudança, em que ele faz um personagem humilde e trabalhador. A Rita, eu a acho a melhor atriz portuguesa, então fui buscá-la em Portugal. A Maria Vieira é muito divertida, gosto muito dela. E ela esteve aqui no Brasil para fazer uma novela, que se chama Aquele Beijo (2011). Estes três atores são completamente diferentes. O Joaquim tem uma carreira comercial, a Rita Blanco é muito mais autora, em Portugal, e a Maria Vieira é mais voltada para a comédia e televisão.

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Ruben Alves, durante a divulgação de A Gaiola Dourada

Você teve a intenção de caricaturar as famílias?
A intenção foi falar da imigração portuguesa na França, de uma maneira ágil e cômica. Porque a comédia faz passar mais informações, de maneira mais fácil, mas por trás conta coisas importantes. Parece que há várias leituras do filme. Há pessoas que o assistem e vêm me contar que riram muito, enquanto outras me encontram e dizem que choraram o filme inteiro. Então, acho que depende da vivência de cada um, se viveu a imigração ou se decidiu voltar, mas tudo de forma ágil, pois há muitos dramas sobre a imigração. Pensei que podemos saber rir de nós e isso é muito bom. Há aqueles que não gostam, mas acho que é muito saudável rir de nós próprios. Fiz esse filme com muito carinho. É uma comédia que tem muito cuidado por trás, porque foi basicamente a minha vida e a vida dos meus pais. É a minha comunidade portuguesa lá (na França).

 

Por que os personagens portugueses não falam em português entre si e, sim, em francês?
O casal em tela já é um pouco diferente. Para mim é importante falar da imigração, falar certo desse povo. Sempre quis que esse casal tivesse uma elegância. Ou seja, não é porque é operário que não tem classe. Acho que esses personagens tem um bom nível (de educação). Com os filhos, entre eles, conversam em francês, então tornou-se um hábito. A minha família, por exemplo, os meus pais falam quase sempre francês. É somente quando ficam nervosos ou emocionados que sai português. Por isso falam pouco português, mas sobretudo porque é um filme francês. A produção me disse que não poderíamos ter muitos diálogos em português, porque apesar de não ser um filme completamente francês, não há coprodução com Portugal. É verdade que gostaria que houvesse mais falas em português, mas estava um pouco limitado. Então aceitei, porque há famílias, agora, como meus primos e tios, que só falam francês. Não é nem mesmo francês, é um franco-português. É uma coisa esquisita que se criou.

 

Como se deu a escolha para trabalhar com o diretor de fotografia André Szankowski?
O diretor de fotografia é brasileiro, de pai polonês, e vive em Portugal há alguns anos. Eu assisti ao Mistérios de Lisboa (2010), de Raoul Ruiz. Cada vez que assistia ao filme, era como se estivesse vendo um quadro, no Museu do Louvre. Achei a luz muito bonita e o trabalho do Ruiz também, claro. Aí pensei, “quem é o rapaz que fez essa fotografia?” Liguei para um amigo em Lisboa, às duas ou três da manhã, e disse “tu tens que descobrir quem é“. “É o André Szankowski“, me disse. E me deu o contato. Liguei para ele e nos encontramos em Lisboa. Foi um dos únicos da equipe que foi de Portugal para a França para o filme, porque queria muito trabalhar com ele. Depois, ele ficou muito comovido. Disse que viveu oito anos em Paris, durante a adolescência, e a atriz francesa Chantal Lauby (Solange Caillaux, no filme) era muita conhecida nos anos 80 e 90, tanto por atuar na televisão como por renovar o humor com o grupo Les Nuls. Quando ficou sabendo que ela estaria no filme, adorou. Além disso, morando em Lisboa, podia perceber muito do povo português.

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Ruben Alves no set de A Gaiola Dourada

Como você a ideia da participação do jogador de futebol Pauleta? Poderia ter sido outro jogador?
O Pauleta surgiu, pois diz muito aos imigrantes. Ele foi a estrela do Paris Saint-Germain. É como um deus para quem gosta de futebol, sobretudo para os parisienses. Para a comunidade portuguesa, é como uma referência, porque nunca teve problemas, tem uma imagem muito boa. Para a brincadeira do personagem que quer o filho futebolista, pensei, então, que tinha de ser o Pauleta. Ele diz muito ao imigrante português. É uma relação mais emotiva, que diz mais do que se fosse o Cristiano Ronaldo, por exemplo. E ele é tão humilde que, quando chegou para gravar, os técnicos pararam e foram pegar autógrafos. O mesmo aconteceu quando o Pauleta viu a atriz Maria Vieira. Quando a sala está cheia, o que noto é que o Pauleta chega e os homens fazem “ah!“, as mulheres perguntam “quem é?” e eles respondem “O Pauleta!“.

(Entrevista feita ao vivo em São Paulo durante a 37° Mostra Internacional de Cinema)

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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