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Sinai Sganzerla é filha de Rogério Sganzerla e Helena Ignez, além de irmã de Djin Sganzerla. Ou seja, foi criada numa família de artistas. Sócia da Mercúrio Produções, ela produziu Luz nas Trevas (2012) – filme do qual também se encarregou da distribuição –, Ralé (2015), e o ainda inédito no circuito comercial A Moça do Calendário (2017), dirigidos por sua mãe, além de ter cuidado da restauração de Copacabana Mon Amour (1970), um dos longas-metragens mais emblemáticos de seu pai. Atuante nas áreas de pesquisa e curadoria, Sinai chega agora ao circuito com seu primeiro filme como diretora. O Desmonte do Monte (2018) aborda a mítica do Morro do Castelo que, apesar de sua vital importância histórica, foi desmanchado por reformas urbanísticas, cujo verdadeiro intento era “higienizar” o Rio de Janeiro.  Sinai gentilmente nos atendeu para este Papo de Cinema por telefone, a fim de falar exatamente da importância de uma leitura histórica mais ampla, bem como sobre o processo de construção do documentário narrado por sua mãe. Confira mais esta conversa exclusiva.

 

O que te levou a falar sobre o Morro do Castelo, mais detidamente nesse processo de desmonte?
Na verdade, soube dessa história por acaso, pois ela realmente é abafada. Como um lugar que seria o sítio histórico da cidade foi destruído de forma tão banal? Tem também aquilo do tesouro dos jesuítas, a lenda que pairava sobre o Morro do Castelo, com os religiosos posteriormente perseguidos e queimados. Fiquei surpresa disso nunca ter sido documentado em filme. Comecei a pesquisar e queria realmente contar as coisas desde a fundação. Não poderia falar do Morro sem mencionar sua importância, partindo da remoção dos índios no processo colonial. Por isso, abordo também a violência da escravidão. Disseminaram mentiras de que o Morro era um lugar sujo, insalubre. As pessoas foram removidas de maneira arbitrária. Em virtude disso, faço no documentário aquela relação breve com a Vila Autódromo, que não existe mais por conta das obras olímpicas. Esses desmontes continuam acontecendo.

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Sinai (E), com a irmã Djin e a mãe Helena

Sobressai em O Desmonte do Monte a relação natural que se estabelece entre passado e presente. Era sua intenção desde o princípio, ou surgiu como parte do processo?
Imaginava que isso aconteceria. Pensei em fazer o filme em capítulos, mas desisti para não quebrar o ritmo. Seria, caso em blocos: primeiro, o processo de escravidão; depois, o desmonte inicial; e, na sequência, a função encabeçada pelo Carlos Sampaio. De certa forma, queria mostrar que os desmontes acontecem quando atrelados a projetos de poder, pelos quais a população é observada como objeto. Realmente é um oito, é cíclico, começa e termina da mesma maneira. Mas, claro, na vida não tudo é assim. Em 400 e 500 anos o homem conseguiu destruir a Baía da Guanabara, que estava presente na natureza há milhões de anos.  De qualquer forma, o fim é sempre meio trágico.

 

Como se deu a pesquisa e o encadeamento do material que você utiliza no filme?
Pesquisei as imagens durante cinco anos. Foi tudo feito com muito carinho. Sempre me interessei por História, mas quando soube da do Morro, prontamente, quis fazer o filme. O primeiro livro que saiu sobre isso foi só no começo dos anos 2000, o Era uma Vez o Morro do Castelo, do José Antonio Nonato e da Nubia Melhem Santos, com uma ótima iconografia. A pesquisa para o filme apenas foi possível porque houve resguardo pelas instituições. O Hernani Heffner, da Cinemateca do MAM, a quem devo agradecimento especial, disse que muito material se perdeu. Achamos bastante na internet. Realmente foi bem trabalhoso. Contamos com a colaboração do Lúcio Branco, que fez a pesquisa adicional. Já o Rodrigo Lima ficou quase 10 meses editando. Foi laborioso, mas gratificante, pois o resultado permite ao público acessar a própria História. Sem isso, não conseguimos transformar o presente.

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Helena não narra o filme, mas nos conduz através dos fatos, sem condicionar demasiadamente nossas percepções. Essa porosidade era essencial para você?
No começo, o filme tinha um tom irônico. Acabei tirando. O tema é delicado, e a história, triste. Pedi que minha mãe primasse por um tom “para dentro” na narração, porque se trata de algo melancólico. Em alguns momentos, o documentário até busca essa ironia. Ele conta a História como se ela fosse observada pela própria Baia da Guanabara. O roteiro foi todo escrito, depois entrou a iconografia. Foi um processo complicado para mim e o montador. Até hoje acho que o filme é um pouco falado demais. Mas, a intenção era explicar de forma clara. Meu desejo é que o público entenda, independentemente da idade e da formação.

 

O Desmonte do Monte é sua estreia como diretora. Embora você seja escolada no cinema, na arte, o que essa nova função representou como desafio?
Confesso que acho mais difícil produzir que dirigir. No momento, estou fazendo o documentário sobre minha mãe. Parei para cuidar da distribuição de O Desmonte do Monte. Mas, realmente, acho produzir mais complicado. Conseguir levantar o dinheiro para fazer, pagar a equipe, essas coisas. Gosto de produzir e gostei muito de dirigir. O filme ensina, ele te mostra coisas. É como se fosse um filho. Depois você tem de aceitar com ele é (risos). Mas o desafio maior é produzir. A distribuição também é bem complicada. Todavia, são três atividades que me agradam. Trabalhei oito anos com crianças autistas, minha formação é outra, na área psicológica. Mas, quando meu pai faleceu, comecei a cuidar das coisas dele e realmente fui fisgada pelo cinema, por essa cachaça.

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Como você percebe esse clamor atual por uma maior participação feminina no cinema, atrás das câmeras, à frente do processo criativo?
Acho importantíssimo. Muito bacana essas discussões existirem. O Desmonte do Monte foi selecionado para o Festival Internacional de Mulheres, em curso, ao lado de filmes de grandes realizadoras. O Brasil é extremamente machista, e isso está ligado ao processo escravagista. No cinema, apesar das pessoas serem informadas e cultas, o domínio ainda é majoritariamente masculino, branco e heterossexual. É uma área excludente. Percentualmente, as mulheres ainda são minoria. Essa discussão, portanto, é valiosa. Acredito que a realidade vai mudar. A mulher deve conquistar espaço no cinema. É necessário e urgente que exista mais igualdade.

 

(Entrevista concedida por telefone, direto do Rio de Janeiro, em julho de 2018)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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