Mineira de Belo Horizonte, Débora Falabella já foi considerada a maior estrela do cinema brasileiro, no início dos anos 2000, quando estrelou sucessos de bilheteria como Lisbela e o Prisioneiro (2003) e A Dona da História (2004). De uns tempos para cá, no entanto, tem se dedicado mais ao teatro e à televisão. Mas esse jejum da tela grande está acabando. Afastada desde Meu País (2011) – que lhe rendeu uma indicação ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (o Oscar da produção nacional), prêmio que ela ganhou por 2 Perdidos Numa Noite Suja (2002) – a atriz premiada também nos festivais de Brasília e de Gramado tem mais dois longas prontos para serem lançados em 2017 (sendo um deles a estreia do marido Murilo Benício como diretor), além de ser um dos primeiros nomes do elenco de O Filho Eterno, que já está em cartaz. A gente conferiu a adaptação do romance de Cristóvão Tezza durante sua exibição no Festival do Rio, e foi justamente após essa primeira sessão que a atriz conversou com exclusividade com a gente sobre esse novo trabalho. Confira!
Teve uma época, no inicio dos anos 2000, que lembro de terem feito uma pesquisa que lhe apontava como o principal nome do cinema brasileiro, não sei se lembra disso? Era um sucesso atrás do outro. Só que, de um tempo pra cá, você meio que se afastou. O que aconteceu?
Pois é… o cinema ainda é um grande mistério para mim. Ainda não consigo entender muito como funciona em relação aos atores. Tudo depende muito da oportunidade. Mas, ao mesmo tempo, não fiquei parada. Sou uma pessoa que trabalha muito, tenho uma companhia de teatro, então to sempre em cartaz. Além disso, tenho uma vida na televisão, que é onde também trabalho. Sei que existe uma dificuldade de escalação, nem sempre é o que esperamos, ou os convites vem na hora certa. Eu não sei falar porque fiquei tanto tempo afastada, pois o cinema é uma coisa da qual sempre quis me aproximar. Mas estou voltando (risos). Entre o ano passado e agora já fiz O Filho Eterno e mais dois filmes, que ainda vão estrear. Estou num movimento de voltar, mas às vezes é difícil conseguir fazer tudo.
Foi O Filho Eterno que te buscou, que te fez voltar?
Exato. Foi o primeiro que achei que não podia ficar de fora. Adoraria receber mais convites, até porque eles não são tantos assim, mas cinema você faz por identificação. Recebi esse convite do Rodrigo Teixeira, o produtor. Já sabia do livro, claro, mas nunca o tinha lido, nem visto a peça. Foi nesse momento que decidi conhecer essa história e ler o livro. Trabalhar com o Rodrigo e com o Paulinho Machline, o diretor, foi algo incrível. A RT Features é uma produtora que acho muito interessante e que está forte, fazendo um tipo de filme que gosto, e essa história me comoveu, me cativou, me fez querer contá-la.
Conheço um pouco do teu trabalho no teatro. Lembro de ter assistido a peça A Serpente, aqui no Rio de Janeiro.
Nossa, você assistiu ao primeiro espetáculo da minha companhia, que tá completando 11 anos (risos)!
Viu só, faz tempo que te acompanho (risos). Me fale sobre esses outros projetos.
Um dos filmes que fiz é a nova versão de O Beijo no Asfalto, que é um projeto muito antigo do Murilo Benício, meu marido, que está estreando como diretor. Ele filmou dentro de um teatro, mas também fez cenários superelaborados, coisa de cinema, mesmo. A gente tá levando o teatro do Nelson Rodrigues para o cinema, você tem que conferir essa adaptação, ficou o máximo!
Teu último filme, antes de O Filho Eterno, havia sido Meu País (2011), cinco anos atrás, em que você era a criança especial da família. Agora você foi para outro lado, e está vivendo uma mãe que precisa lidar com a condição do filho. Como foi se preparar para esse personagem?
Acho que passei pra esse outro lado também na vida, percebe? No Meu País, eu tinha acabado de ter meu primeiro filho. A gente vive toda uma vida depois que tem filho. E fazer O Filho Eterno foi muito importante porque não havia referência sobre essa personagem O livro é todo construído a partir do pai, a presença masculina é muito forte. Acho até que é assim pra proteger essa família, foi pensando na esposa, o Tezza resolveu não escrever sobre a mulher. Mas ele a cita aqui e ali, então o meu trabalho foi muito a partir da minha intuição, de como sou como mãe, das minhas próprias experiências. E claro, quando fiz o Meu País tive, querendo ou não, contato com esse universo das crianças especiais, e foi uma bagagem que me ajudou aqui também. Foi uma mistura de coisas. Mas, acima de tudo, existe uma questão afetiva muito forte nesse filme. Entrei muito aberta, foi um processo de construção muito diferente daquele que muitas vezes faço na televisão ou no teatro. Não fiquei pensando muito como seria essa mulher. Deixei a história e a relação com os outros atores me afetarem em cena. E isso me pareceu mais inteligente. Não tinha como ter um roteiro muito rígido, fechado, pois com uma criança como o Pedro no set, a gente precisava estar aberto aos improvisos. E isso é o que acho que foi mais lindo nesse filme.
Uma coisa bonita dessa questão do afeto, foi o agradecimento do Marcos Veras pra ti. Enquanto você é uma atriz reconhecida, ele tem aqui seu primeiro grande papel dramático. Queria que tu falasse um pouco sobre essa parceria.
Nunca duvidei do trabalho dele nesse filme, que ele faria isso muito bem. Acho que fazer comédia é difícil demais, eu mesmo tenho muita dificuldade com o gênero. Acho que o ator que entende e sabe fazer bem comédia – não necessariamente um comediante, mas que conheça bem como ela funciona – é capaz de tudo. Acho muito mais difícil pra falar a verdade. O Veras é um ator que troca pra caramba, e isso é o mais importante em cena. Estava super disposto, agarrando com tudo essa história. Era bonito de ver. Foi uma parceria muito boa, com um ator que estava aberto para tudo aquilo, sem nenhuma amarra. Acho que nem tinha noção do quanto isso seria importante para ele.
O Filho Eterno é um livro que vendeu muito, teve peça de teatro e dá pra perceber que no cinema também está voltado ao público. As pessoas ficam emocionadas com a história, com os atores, a trilha sonora, a fotografia. Como você espera que o espectador receba esse filme?
Acho que é um filme que não vejo muito no cinema, hoje. Principalmente no cinema brasileiro. Por isso, acho que vai preencher um lugar que tá em aberto. É familiar, emocionante, e que as pessoas vão receber bem. É difícil falar, como tenho essa questão afetiva com o filme, é difícil pensar nele como produto. É engraçado, estranho falar disso. Acho que, por mais que tenha essa questão de ser dramático e voltada pra um público maior, a gente não buscou isso na atuação. Fazendo o filme, não ficava pensando “quero fazer as pessoas chorarem”. Queria contar aquela história da maneira mais verdadeira e com o meu sentimento. Afinal, é diferente da minha vida, mas ao mesmo tempo é muito parecida, pois é sobre mães e pais e filhos, né? Sobre um homem descobrindo o que é ser pai. Então, é estranho imaginar como as pessoas vão receber. É um filme que vem com muito afeto, pra atingir o espectador de uma outra maneira. Espero que bata nelas como bateu em mim, com o mesmo amor que eu senti desde o começo.
O que você tira da experiência de ter feito O Filho Eterno para a tua vida?
Cara, é até chato falar disso, porque é muito amor envolvido. Ontem até o Paulinho tava falando que saiu desse filme transformado. A gente estava num momento, também do país, muito complicado. As filmagens foram no começo desse ano, e a gente foi pra Curitiba, vivemos um pouco ali, e tivemos que nos concentrar no que estávamos fazendo, viver quase que numa bolha. Foi bem na época do impeachment, todos com os nervos inflamados e a gente lá naquela cidade, meio que o centro de tudo. Ficamos quietos, concentrados, para que não nos afetássemos. Essas crianças que estavam no filme, tanto os bebês quanto o Pedro, elas tinha uma influência na equipe muito interessante. Por mais que estivéssemos todos ali reunidos para fazer um trabalho, esses meninos conseguiam quebrar a gente de uma maneira que o filme realmente se tornou transformador. A gente faz o filme sem pensar muito em nós. Sem ego é muito melhor. Fiz o filme e quando acabou fiquei meio que sem saber o que tinha feito, porque fui levada por aquela história. O Paulinho, também, é um diretor muito afetuoso, muito tranquilo no set. Quando acabou, não tinha aquela sensação de ter feito uma cena, tipo “nossa, fiz uma cena hoje!”, como se algo grandioso tivesse acontecido. Era um filme que ia acontecendo. Nunca tinha sentido algo igual antes.
(Entrevista feita ao vivo no Rio de Janeiro em outubro de 2016)
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