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Nascido em Porto Alegre em 1979, Júlio Andrade – ou Julinho, como é conhecido pelos amigos – é um dos atores nacionais de maior expressão no atual cinema brasileiro. Depois de uma série de pequenos papéis em produções feitas no Rio Grande do Sul, como Tolerância (2000), de Carlos Gerbase, e O Homem que Copiava (2003), de Jorge Furtado, se destacou em todo o país como protagonista de dois longas que, mesmo sem serem gaúchos, possuíam alguma ligação com a terra natal do ator: Cão sem Dono (2007), dos paulistas Beto Brant e Renato Ciasca, mas filmado inteiramente na capital riograndense, e Hotel Atlântico (2009), da igualmente paulista Suzana Amaral, mas baseado no romance do autor João Gilberto Noll, também de Porto Alegre. Agora, no entanto, Julinho se desliga de vez das origens sulistas em seu maior desafio já enfrentado na tela grande: dar vida ao músico Gonzaguinha, ídolos de multidões e falecido em 1991. O resultado pode ser conferido no elogiado Gonzaga: De Pai pra Filho, de Breno Silveira, a grande aposta de bilheteria do cinema nacional em 2012. E foi sobre esse trabalho e sobre seus cinco (!) próximos projetos que o artista conversou com exclusividade com o Papo de Cinema! Confira!

 

Como foi o processo de transformação do Júlio Andrade em Gonzaguinha?

Ah, isso começou há muito tempo. Tenho uma história de amor com o Gonzaguinha, ele é o meu ídolo maior na música nacional, desde muito pequeno o admiro pra caramba. Por causa dele fui ser, antes de mais nada, músico, pra depois virar ator. E pra mim era muito importante mostrar o meu Gonzaguinha, revelar para o público essa visão que tinha dele, como o via e porque o admirava. Quando fiquei sabendo que essa história seria contada, mais de cinco anos atrás, decidi correr atrás de todo mundo pedindo para entrar para o elenco, porque era um filme que eu precisava fazer. Falei com produtores, outros atores, agentes, amigos, até que cheguei aos ouvidos do pessoal da Conspiração Filmes, responsável pelo projeto. Daí me chamaram para um teste, pois ninguém me conhecia. Meus outros filmes, minhas aparições em novelas, nada disso contou. Fui lá, fantasiado de Gonzaguinha, bem anos 80, com o espírito e a coragem. E agora estou aqui.

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Foi preciso fazer teste? Como foi a escolha?

Sim, tive que fazer um teste como todo mundo, como qualquer outro desconhecido. O Breno Silveira não procurava nomes conhecidos, atores consagrados como os protagonistas, porque queria que o público visse o Gonzaga e o Gonzaguinha, não os intérpretes. Há muita imagem de arquivo no filme, e essas transições deveriam ser menos problemáticas possíveis. Então assumi uma postura Gonzaguinha e fui fazer um teste. Eu sabia como ele era, toquei na noite como ele, tinha encontrado a alma desse personagem. Só eu poderia fazer esse filme. Teve um momento que foi crucial, durante o teste, em que o Breno virou pra mim e perguntou o que eu queria fazer naquele momento. Olhei para os lados e vi pendurado nas paredes vários avisos de “proibido fumar”. Daí respondi: “quero fumar”. E ele: “então fuma”. Acho que o próprio Gonzaguinha nem teria pedido, teria fumado sem se importar com nada. Mas foi essa minha atitude, meu modo de agir, que garantiu que eu seria a escolha certa.

 

Como foram as filmagens no sertão?

O Breno sabia muito bem o que queria, e por isso que, quando me viu, teve certeza de que eu era o Gonzaguinha que ele procurava. Quando estou fazendo um filme, mergulho nele sem olhar para trás. Costumo fazer uma analogia, como se fazer um filme fosse como seguir numa viagem. A gente sempre sai transformado. É uma experiência que muda a gente. E é tão louco, pois depois nem me lembro direito como foi, de tão concentrado que estive. Acabo até esquecendo de mim, sumo no personagem. Então nós fomos para o sertão, para a cidade onde o Gonzaga nasceu, fui para Juazeiro, na Bahia, filmamos no sol, no calor, na noite, onde e como foi preciso. Eu estava muito feliz em estar lá, isso era o que importava. Fui procurar por esse pai, por essa história, do mesmo modo que o Gonzaguinha fez com sua própria vida.

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Com o ator Adélio Lima, em Gonzaga: De Pai pra Filho

O Breno Silveira tem fama de ser um cineasta de muita emoção. Isso transparece durante as filmagens?

Nossa, muito. O Breno foi um amigo que ganhei nessa aventura, é alguém que guardarei para sempre. Ele é genial, sensível, um grande companheiro. Foi maravilhoso estar ao lado dele nesse processo. Ele sabe bem o que quer, e isso fica evidente, oferecendo segurança e tranquilidade para todo mundo da equipe, seja no elenco ou na técnica. Ele fez com esse filme algumas cenas mágicas, que vão entrar para a história do cinema nacional. E era uma produção grande, com dinheiro, tinha estrutura, tudo funcionava. É muito bom trabalhar assim, pois podemos nos concentrar só no nosso papel, no que esperam da gente. Cada núcleo teve seus ensaios, fiquei uma semana só ensaiando com o Adélio Lima, que interpreta o Gonzaga mais velho, que é com quem contraceno mais. O Breno tem um carinho todo especial com os atores, ele entende o processo de atuação. Foi tudo muito especial.

 

Você fez cinco ou seis filmes aqui no Rio Grande do Sul até começar a chamar atenção nacionalmente, com o Cão sem Dono, do Beto Brant, um diretor paulista. E agora está em Gonzaga: De Pai para Filho, um título de óbvio apelo popular. Como tem sido construída a sua carreira cinematográfica?

A minha carreira é algo em que penso com muita tranquilidade. É claro que preciso pagar contas, mas não fico planejando cada passo. O que importa, para mim, é a arte, essa é a necessidade, o resto é consequência. A minha vida é essa, é atuar, é me expressar. Me dediquei ao Gonzaga: De Pai para Filho da mesma maneira com que me entreguei ao primeiro curta que fiz lá na PUC-RS, com o Gustavo Spolidoro. Quando embarco em um projeto, sou aquilo, o resto todo desaparece. Não passo meus dias pensando no que farei a seguir, o que importa é o momento. Estou vivendo essa etapa muito legal com o Gonzaga, mas semana que vem já estarei no Serra Pelada, serei o que o Heitor (Dhalia, diretor) esperar de mim. Não crio expectativas, não me deixo guiar por isso. No final são registros, o que importa é o que está na tela, o que deixamos para trás como parte de nós mesmos.

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Quais são seus próximos projetos?

Tenho três ou quatro filmes prontos, que fiz nos últimos anos e que devem entrar em cartaz nos próximos meses. No Festival do Rio passou o Éden, do Bruno Safadi, que é muito bonito, com a Leandra Leal, o João Miguel. Agora, na Mostra de São Paulo, será exibido o 9 Crônicas para um Coração aos Berros, do Gustavo Falcão, que conta com um elenco muito bacana também, como o Felipe Kannenberg, o Leonardo Medeiros, o Marat Descartes, a Simone Spoladore. Estes devem ser os primeiros, mas depois tem A Pele do Cordeiro, do Paulo Morelli, pela O2 Filmes, com o Paulo Vilhena, a Carolina Dieckman e o Caio Blat, e por fim A Montanha, do Vicente Ferraz, sobre os pracinhas brasileiros durante Segunda Guerra Mundial, em que atuo ao lado do Daniel de Oliveira, que é um grande amigo.

 

E o Serra Pelada, que você mencionou há pouco? É com o Daniel também, não?

Começaremos as filmagens do Serra Pelada na semana que vem. Vai ser um grande filme, com um ótimo elenco. Mas entrei no lugar do Daniel, ele teve que desistir porque mudaram as datas da produção. Quando me ligaram com o convite, conversei logo com ele sobre isso, e tive a benção total. Ele que me disse: “vai lá, meu amigo, abraça essa por mim e faz bonito no meu lugar”. E é isso que tenho em mente. Estarei ao lado do Juliano Cazarré, que é um grande amigo desde do meu tempo de Porto Alegre, mas tem também o Matheus Nachtergaele, o Wagner Moura. Na direção está o Heitor Dhalia, no seu primeiro grande projeto por aqui depois de ter filmado em Hollywood (12 Horas, 2011). O próprio Heitor que me fez o convite, estou sendo recebido com muito carinho. A previsão de lançamento é para 2013.

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Gonzaga: De Pai para Filho é uma grande produção, com estreia nacional. Quais as expectativas em relação a esse lançamento?

As expectativa são as melhores possíveis. Esse processo de pré-lançamento está sendo muito bom. Todo mundo tem recebido o filme com muita emoção, esse é um filme diferente, grande, com um potencial enorme. Estamos esperando por um acolhimento muito caloroso da crítica, do público também. Acho que será muito bacana. É um filme que fala do Brasil, que promove um resgate de dois ícones da nossa música. Aí está sua importância maior, e todo mundo que for vê-lo perceberá isso.

 

(Entrevista feita por telefone – Júlio Andrade estava em São Paulo – no dia 17 de outubro de 2012)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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