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20150626 otavio muller papo de cinema entrevista

O carioca Otávio Müller é conhecido por seus papéis na televisão, invariavelmente cômicos, e por ter encabeçado um dos maiores sucessos do cinema do ano passado, Alemão, dirigido por José Eduardo Belmonte. Em 2012, ele já havia trabalhado com o cineasta no longa-metragem O Gorila, exibido no Festival do Rio e ganhador de dois prêmios: Melhor Atriz Coadjuvante para Alessandra Negrini e Melhor Ator, para o próprio Otávio Müller. Neste filme, um divisor de águas na carreira do ator, podemos observá-lo em um papel mais denso, comandando a ação deste suspense do início ao fim. Em entrevista realizada por telefone, Müller comenta como foi encarar este desafio.

 

É curioso conversar com você por telefone, visto que o seu personagem basicamente se movimenta no filme pelo telefone. Gostaria que você falasse um pouco sobre o Afrânio.
Antes de mais nada, é um trabalho totalmente diferente. Por exemplo, o público me conhece muito pela série Tapas e Beijos. Eu estava fazendo há uns dois anos o programa e me veio a proposta do filme, baseado no conto do Sérgio Sant’Anna, um grande escritor brasileiro. Um escritor importante de se conhecer e os que já conhecem, sempre devem estar ligados nos livros dele pois são fantásticos. Isso é um conto dele. E veio este convite que é uma coisa completamente diferente do que eu faço no Djalma do Tapas e Beijos. Para mim foi muito interessante, pois eu gosto mesmo de bons projetos. Sou um ator. De fazer coisas diferentes, ter uma turma boa para trabalhar. O Afrânio é o Gorila. Ele é um dublador. O trabalho dele é com a voz. E num dado momento ele tem um problema com os dentes, perde a voz, e passa – entediado da vida, tendo perdido o trabalho dele como dublador num seriado conhecido – a fazer trotes para as pessoas. A partir daí, vão acontecendo uma série de coisas. É um filme que não é uma comédia, evidentemente. É um filme denso. Para mim, um trabalho muito interessante.

 

É o teu primeiro protagonista no cinema?
Não lembro mais a ordem que filmei. Ele é importante para mim. Eu sou um pouco daquela geração que foi meio soterrada depois do Collor, quando o cinema deu uma parada. Eu sou um ator de formação teatral, sempre fiz muita televisão. E como falei, gosto de bons projetos. Eu protagonizei outros filmes, mas pela ordem O Gorila pode ter sido o primeiro que eu tenha feito, não lançado. É um personagem que realmente vai segurando a história toda. Agora me lembrando, eu fiz com o Selton Mello Reis e Ratos, que é um filme que nós dois somos protagonistas. Eu tenho um filme com Marcelo Serrado para lançar, no qual sou protagonista (No Retrovisor, 2015). Enfim, é um trabalho denso que eu gosto demais. É um filme pequeno. Para quem gosta de cinema, gosta de mim, gosta do Belmonte. E o elenco é muito bacana. Tem Mariana Ximenes, Alessandra Negrini. Corre pro cinema porque é um filme pequeno e tem que ver logo, pois daqui a pouco já sai de cartaz e você pode perder.

 

O filme tem uma atmosfera paranoica muito bem empregada pelo José Eduardo Belmonte, não?
Meu personagem perdeu o emprego e fica totalmente perdido. Ele é um cara muito solitário, com traumas com a mãe, então é um cara cheio de paranoias, com a cabeça toda confusa. Muito solitário. A vida dele é lúgubre. E o filme é forte. Para mim, é um divisor de águas de como interpretar para o cinema. O Belmonte me dá uma luz, uma direção importante para minha carreira. Eu até tinha feito alguns trabalhos antes que também foram importantes. Foram um ensaio para O Gorila. Mas como ele é protagonista, ele me deu um norte de interpretação para cinema.

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E você voltou depois a trabalhar com o diretor no Alemão, que foi um grande sucesso do cinema brasileiro no ano passado.
Alemão
é, até hoje, o filme de mais público que eu fiz. Eu estou filmando bastante, tenho feito muita coisa. Mas muitas vezes eu faço filmes pequenos, diferentes. Já que faço tanta televisão, dá muita vontade de fazer algo diferente, que não tem nada a ver com tevê, que não tem nada a ver com nada. Alemão não tem nada a ver com tevê, mas é um filme para público. Teve um resultado muito bacana. Foi uma experiência novamente com o diretor. O Belmonte virou um amigão. Quem conhece o trabalho dele, sabe da intensidade dele, da maneira forte que ele filma. Em O Gorila, tivemos uma fotógrafa argentina, a Barbara Alvarez, que trabalha por lá com a Lucrécia Martel, que é uma diretora de fotografia interessantíssima. Além do elenco, além da equipe. O projeto se iniciou com o Rodrigo Teixeira, produtor… Vão assistir, pessoal. É muito legal.

 

Da sua filmografia, gosto muito também do Cabeça a Prêmio, de 2009, que é um filme diferente.
O Marco Ricca é um companheirão meu. Ali ele me deu um tom de cinema que eu acho bem importante para mim. Uma coisa meio “joãogilbertiana”. Mas o Gorila é um personagem grande. Ele me dá uma responsabilidade enorme. Como eu disse, é um divisor de águas. Eu adoro Cabeça a Prêmio. E Reis e Ratos também fiz antes, com o Mauro Lima.

 

E para se preparar para o personagem de O Gorila, você chegou a ler o conto antes?
Sim, já tinha lido. Eu já tinha trabalhado com o Sérgio Sant’Anna. Uma das primeiras peças profissionais que eu fiz, na companhia da Bia Lessa, com quem eu trabalhei durante muitos anos, foi Orlando, da Virginia Woolf, adaptada pelo Sérgio Sant’Anna. Então eu o conheço há muito tempo. Reli o livro. E tem uma preparação de ensaio que é um costume que o Belmonte tem que foi um barato. A gente ensaiou para caramba, nos preparamos fortemente. Ele tem um trabalho muito vigoroso de preparação e ensaio. Trabalhei com todas as meninas, que são todas amigas minhas, e mandamos brasa.

 

E a voz do personagem, que é tão importante para o Gorila. Você tem uma voz forte, mas pude perceber que você trabalhou ela, com uma cadência diferente.
Sim, ele é um dublador. Eu fui em umas dublagens para assistir. Toda a interpretação dele vai pra voz. Não tem corpo, não tem nada. Ele é um dublador profissional. Todas as coisas têm que estar dentro da voz. É algo interessante.

 

Acho fantástico como existem dois momentos distintos do personagem. Uma ao telefone, nos momentos em que ele é confiante, e outra pessoalmente, quando ele se sente inferior, complexado.
Ele é muito solitário. Ele está com total baixa autoestima. Ele é um gorila enjaulado. Sozinho, lembrando da mãe, tendo dificuldade de se relacionar com as pessoas, perdendo o emprego. Ainda bem que ele tem uma vizinha legal. A Alessandra faz magnificamente bem. Faz uma pessoa comum, no entanto linda e interessante. E que o ajuda.

(Entrevista feita por telefone direto do Rio de Janeiro em  23 de junho de 2015)

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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