Cacá Diegues é uma verdadeira lenda viva do cinema brasileiro. Há quem pense que os grandes mestres são intocáveis, e que devem permanecer descansados sobre os louros do passado para todo o sempre. O próprio diretor, no entanto, discorda. É por isso que, mesmo com uma carreira de mais de cinquenta anos, ele segue na ativa, com o mesmo vigor e empenho de quem está começando agora – aliás, muitos dos novos cineastas nacionais só conseguem dar esses primeiros passos justamente pela interferência do cineasta, um dos produtores mais ativos da nossa cinematografia. Mas o motivo agora é o lançamento de O Grande Circo Místico, seu décimo oitavo longa-metragem! E depois de uma longa espera – o anterior estreou há mais de uma década – ele volta às telas com um impressionante elenco na adaptação do poema de Jorge Lima, que antes havia sido transformado em musical por Chico Buarque e Edu Lobo. E depois de passar pelos festivais de Cannes, Gramado, São Paulo e Rio de Janeiro, o filme, escolhido para representar nosso país no Oscar 2019, entrou finalmente em cartaz. E foi sobre esse trabalho tão aguardado que o realizador conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Como foi essa jornada de tirar O Grande Circo Místico dos palcos e das páginas dos livros e adaptá-lo para o cinema?
Tudo começou com a ideia de fazer um filme baseado em Jorge Lima, pois sou muito fã dele. Leio esse poeta desde a minha adolescência, tenho a maior paixão por ele. Acho que é um dos maiores da língua portuguesa. E quando acabei meu filme anterior a esse, O Maior Amor do Mundo (2006), fiquei meio sem projeto para fazer a seguir. Foi uma fase difícil. Deu uma certa depressão cinematográfica (risos). Foi quando comecei a pensar nesse autor que tanto admiro, e veio a ideia de fazer O Grande Circo Místico, até por causa, também, da trilha sonora do Chico Buarque e do Edu Lobo. Começamos a conversar sobre isso, e quando percebi, haviam se passado 13 anos! Embora, é claro, não foi todo esse tempo só em função desse filme, fiz outras coisas em paralelo.
Isso a gente sabe, pois o seu nome está, como produtor, em torno de 80% dos filmes feitos no Brasil atualmente. Quando se está envolvido com tantos projetos ao mesmo tempo, fica mais complicado decidir qual será o próximo passo?
Ah, sem dúvida alguma. A responsabilidade é muito maior, e você não a está dividindo com ninguém. Ela é toda sua. Mas esse é um filme que fiz com muita certeza do que queria fazer. Por isso mesmo levou tanto tempo, porque não queria arriscar em nada. Queria algo que correspondesse exatamente a tudo aquilo que queria fazer, que fosse um reflexo exato do que penso sobre cinema. Pra mim, foi uma espécie de teste sobre a minha relação com essa arte. Ele é uma síntese de tudo que penso, do que já fiz e do que sei sobre cinema. Estive tão envolto por ele, que nem sei o que fazer agora! Afinal, é um filme que, de certa forma, conclui uma fase muito importante da minha vida.
Um dos destaques de O Grande Circo Místico, obviamente, é o elenco, repleto de nomes notáveis. Como foi escolher e trabalhar com estes astros?
Tive muita sorte, pois quase todos os atores que escolhi fizeram o filme. Praticamentenão falhou nenhum. Ao mesmo tempo, você sabe, o circo é um ambiente internacional. Você sempre tem muitos estrangeiros envolvidos. E como se trata de uma coprodução, era necessário que tivessem atores de fora também no elenco. Nesse sentido, foi sopa no mel (risos), pois não tive nenhuma dificuldade quanto a isso. Procurei escolher atores que gosto, que já conhecia e sabia serem bons no que fazem, e deu tudo certo. Foi uma coisa muito boa nesse sentido.
De todos esses personagens, você poderia falar um pouco mais sobre o Celavi, interpretado pelo Jesuíta Barbosa, que é o fio condutor da trama?
O Celavi é o único que não está no poema original. Esse personagem foi inventado por mim e pelo George Moura, por termos percebido essa necessidade de termos um narrador para o filme. Afinal, tínhamos um século de dramas, e era preciso alguém que conduzisse essa dramaturgia, que estivesse em todas as fases. Assim que nasceu o Celavi.
Qual foi a orientação que você passou para o Jesuíta Barbosa criar esse personagem mágico?
O Jesuíta é um grande ator. Fiquei muito feliz por ele ter podido fazer o filme. Ele é fantástico, e queria muito trabalhar com ele. Antes de mais nada, precisava de um ator jovem para o papel. Como ele, ao longo do filme, não envelhece, para mostrar isso, era preciso alguém que fosse jovem o tempo todo. Uma orientação que passei era para que não se impressionasse com a época, afinal, não tinha nada a ver com aqueles anos. Ele é atemporal. Então, tudo que faz em cena, é referente a uma coisa que havíamos conversado sobre o personagem, e não sobre cada década específica. O ano não tem nada a ver. Ele apenas usa jeitos de falar diferentes – no início é francês, depois é inglês – pode mudar o cabelo, ou seja, faz uso de alguns tiques de cada período, mas na verdade, enquanto personagem, está acima de tudo isso.
Vamos falar sobre as personagens femininas. Todas parecem representar diferentes facetas de uma única mulher. Como você vê a participação delas no filme?
Essa sua observação é ótima. Confesso que não havia pensado nela, mas você tem, sim, uma certa razão. Afinal, não tenho a pretensão de achar que esse é um filme feminista no sentido da expressão contemporânea. Mas, sem dúvida alguma, é sobre as mulheres, são elas que conduzem a história, sempre em direção às interdições masculinas. Tentando superar essas interferências. As mulheres são, realmente, as personagens que levam o filme adiante. Desde o início, com a Bruna Linzmeyer, até o final, com a Mariana Ximenes.
Antes da estreia, O Grande Circo Místico passou por Cannes e pelos festivais de Gramado, São Paulo e Rio de Janeiro. Como foram essas exibições?
Cannes é Cannes, né? É o maior festival de cinema do mundo, foi muito importante termos sido convidados. Inclusive, prestaram uma homenagem a mim, o que me deixou muito feliz. O filme não poderia ter nascido em melhor lugar. Foi uma espécie de lançamento internacional. Depois, fomos convidados para abrir o Festival de Gramado, o que achei ótimo, pois é um evento que acompanho há muito tempo, pelo qual tenho o maior respeito. Foi um festival de resistência durante uma certa época. Depois fomos chamados para encerrar o Festival do Rio, e tivemos uma sessão incrível durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ou seja, cada um desses momentos foram grandes honras que recebi. Aceitei cada um desses chamados com muita alegria.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em 2018)
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