Mariana Ximenes é uma das figuras mais ativas do atual cinema brasileiro. Sua estreia na tela grande se deu exatamente há vinte anos, no drama Caminho dos Sonhos (1998), e desde então ela ganhou o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, foi premiada nos festivais de Gramado e de Recife e tem atuado ao lado – e sob o comando – de alguns dos maiores nomes da nossa cinematografia. Agora está de volta às telas, e no aguardado O Grande Circo Místico, com direção de Cacá Diegues. O título, baseado no poema de Jorge Lima e inspirado no musical de Chico Buarque e Edu Lobo, é o representante oficial do Brasil no Oscar 2019, além de ter passado pelos festivais de Cannes, Gramado, São Paulo e Rio de Janeiro. Mariana aparece já quase ao final do filme, como a última geração de uma família que percorre mais de um século de história. E foi sobre esse personagem bastante sofrido que a atriz conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Ao conversar com a Bruna Linzmeyer, ela comentou que achava a personagem dela a mais solar de O Grande Circo Místico. A tua, imagino, talvez seja o oposto, a mais trágica. Como foi encarar esse desafio?
A Margarete tem muita dor na alma. Ela é muito reprimida pelo pai – afinal, quer ser freira, e ele deseja ter netos. A maneira dela lidar com isso é se mutilando – ela pinga cera de vela na mão, se tatua, tudo buscando uma dor física que permita aliviar a dor da alma, aquela interna. Ela está quebrada. E quando vem as filhas, elas são a representação de um estupro, do sexo que ela não queria fazer.
Isso vem desde a noite de núpcias, que ela não queria o marido. São cenas muito fortes. Como foi o trabalho com o Cacá Diegues e como ele te orientou durante as filmagens?
A gente teve um período muito longo de conversas, durante os ensaios. Foram seis meses trabalhando no trapézio, por exemplo, e durante todo esse tempo sempre conversando a respeito da personagem. Isso ajudou muito, pois quando já entendemos o universo que estamos contando, tudo fica mais compreensível. O fato de termos ido para Portugal, ondo ocorreram as filmagens, e ficarmos todos juntos, como cúmplices, muito unidos, e poder vivenciar aquele circo de verdade, permitiu captar essa atmosfera circense, facilitando a construção da personagem.
Sendo uma figura tão trágica, como você imagina que será possível criar uma relação com o público?
Boa pergunta. Não sei (risos). Sempre que faço um filme, é para que as pessoas possam assisti-lo. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que o Cacá, como ele mesmo diz, está, nesse filme, se exercitando em um novo gênero, que tem poucos hoje em dia, que é essa ambientação mais lúdica, metafórica, mágica. Mas também tem melancolia. O cinema é também para isso, para refletir.
Você vem de personagens mais alegres, em comédias como Uma Loucura de Mulher (2016) ou Os Penetras 2: Quem Dá Mais? (2017). Já em O Grande Circo Místico, me remeteu mais ao Prova de Coragem (2015), até pelo sofrimento que vive em cena. Era uma vontade de mudar, de explorar essa maior dramaticidade?
Penso que nunca é uma questão de estratégia. É mais de gostar, de afinidade com o projeto que surge para você. E tem que aparecer em um momento propício para aquele desafio. Não chega a ser tão pensado. Vou construindo minha carreira também de acordo com as oportunidades que vão aparecendo e com aquilo que consigo ir cavando. Por exemplo, quando fiquei sabendo desse filme, que seria dirigido pelo Cacá Diegues, a iniciativa foi minha: eu pedi para fazer um teste. Sou aberta para esse tipo de coisa. Queria fazer esse filme e enfrentar essa personagem. As coisas vão surgindo. Foi a mesma coisa com O Invasor (2001), ou A Máquina (2005). A gente vai temperando a carreira com todos os tipos de possibilidades. O Grande Circo Místico foi filmado há três ou quatro anos, desde então já participei de projetos bem diferentes. É sempre uma aventura.
Em O Grande Circo Místico, há um aspecto nessa personagem que você acredita que não havia explorado ainda no cinema?
Talvez não. A Margarete tem uma dureza, ela é muito crua. Na televisão, provavelmente sim, mas nunca nessas dimensões. Ela tem muitas dores internas, são questões que precisa lidar. No fundo, é uma mulher muito reprimida, desde o início. Vai sentindo essa dor física para aliviar o que se passa dentro dela.
Um dos grandes destaques de O Grande Circo Místico é o elenco. No entanto, muitos desses atores você não encontrou no set. Como foi essa experiência?
O Jesuíta Barbosa até tivemos algumas cenas juntos, mas foram poucas. Sou muito fã do trabalho dele, o admiro pra caramba. O Vincent Cassel, o Antonio Fagundes, esses nem cheguei a encontrar no set. Mas tive bons companheiros, posso afirmar. O Dawid Ogrodnik, que fez o meu marido, é o ator do filme Ida (2013), que ganhou o Oscar. Inclusive, estávamos filmando quando teve a cerimônia do Oscar, e a assistimos juntos. Foi muito emocionante para ele, estar em outro país, fazendo um filme de outra nacionalidade, e ao mesmo tempo ganhando o Oscar, por um filme polonês, da terra natal dele. E teve também o trapézio (risos), que foi com quem mais contracenei! Teve todo um trabalho com ele, cerca de meio ano de treinamento. Os dublês eram usados só na hora de pegar o companheiro no ar, porque todo o resto, as cenas de cabeça para baixo e tudo o mais, era sempre eu.
Vocês recebiam o roteiro completo, ou apenas a parte de cada personagem?
Não, veio completo. E isso foi muito importante, até para entender o contexto da história e a função de cada personagem dentro daquela família. O fato de termos ido filmar em Portugal, e dentro de um circo, trouxe essa atmosfera de cumplicidade para dentro do projeto. Era um circo de verdade, afinal! É comum, quando se está numa filmagem, ter que parar uma cena ou outra quando um avião passa por perto. Lá, a gente parava por causa do leão! Cada rugido do bicho vazava no som e era preciso refazer de novo. O fato de ter animais no set, as próprias pessoas do circo, contribuiu muito para que fosse possível se inserir naquele universo.
Qual a mensagem de O Grande Circo Místico?
Penso que cada um tem que tirar sua própria conclusão. Cada um assiste com a sua história, conceitos e valores. Se eu falar alguma coisa, que possa induzir para um lado ou outro, vou estar tirando do espectador um dos grandes prazeres de se assistir a um filme, que é justamente isso, você estimular a imaginação, a criatividade, e apurar seu olhar. E refletir sobre uma história que está sendo contada. Penso que as pessoas têm que assistir com o coração e a mente aberta.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2018)
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