Faz pouco tempo que ele começou a ser notado, mas a história de Allan Souza Lima é muito maior. Após uma série de novelas, como Os Mutantes (2008) e A Regra do Jogo (2015), entre outros especiais na televisão, ele finalmente estreou na tela grande no aclamado Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, filme selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cannes e um dos grandes destaques da produção nacional no ano passado. É não é fácil esquecer de sua participação: ele é o garoto de programa que a protagonista, vivida por Sonia Braga, chama em uma das suas noites solitárias. Depois dessa presença marcante, acumulou mais dois sucessos: um Kikito de Melhor Ator no Festival de Gramado, pelo curta O que teria acontecido ou não naquela calma e misteriosa tarde de domingo no jardim zoológico (2016) – no qual, além de atuar, também dirige – e a novela Novo Mundo (2017), da Rede Globo. E agora, além de participar das filmagens de A Cabeça de Gumercindo Saraiva (2018), ao lado de Murilo Rosa e Leonardo Machado, está de volta a telinha, porém em um longa-metragem: O Matador, primeiro filme brasileiro produzido pela Netflix. Esse faroeste nacional passou pelo Festival de Gramado e pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e agora se encontra disponível na plataforma de streaming. Fomos conversar com o ator para saber um pouco mais sobre esse projeto. Confira!
Allan, no ano passado, além de uma participação em Aquarius (2016), você ganhou um Kikito no Festival de Gramado. E agora está com dois novos filmes em produção, além de marcar presença também em O Matador...
Pois é, tem sido bastante intenso. Tenho trabalhado muito como ator, produtor, e também dirigindo. O Festival de Gramado, por exemplo, acompanho há uns cinco anos. Minha carreira está acontecendo. Na primeira vez em que fui a Gramado, nem ingresso tinha. Agora tenho um Kikito. Ou seja, é uma construção, uma escada. Estar em Aquarius foi uma experiência incrível. Pensava: “agora estou tendo a consciência de ser pernambucano”. A galera achava que eu não era de lá, por morar há anos no Rio de Janeiro, e o Aquarius me deu essa abertura. E esse curta, que além de dirigir, também produzi e estrelei, deixou sua marca, nem que fosse por esse título gigante (risos). Agora, com O Matador, é recém meu segundo filme, e tem muitos outros em vista. Em janeiro, por exemplo, quero filmar a versão longa desse curta, então vai ser outro desafio.
O Marcelo Galvão, diretor de O Matador, comentou que a tua participação surgiu durante as filmagens, já no meio do processo. Explica melhor como isso aconteceu.
Entrei em O Matador no segundo tempo da prorrogação. Por isso, precisava entender o que era o filme. O Galvão me chamou, primeiro, para fazer a narração. O teste foi por whatsapp, para ter uma ideia. Só que as filmagens já tinham acabado, nem tinha visto o filme, que, ao menos até aquele momento, estava dado como pronto. O Marcelo tem uma coisa incrível, que é o trabalho e a atenção que dá ao ator. Quando fui gravar a narração, daí num estúdio, passamos ponto a ponto antes, para que tudo ficasse do jeito certo, com a melhor entonação. Na primeira vez ele havia me pedido um tom mais imperialista, mais denso, e depois mudou, para ser mais natural. Daí refizemos, e o resultado é esse que está na tela. Foi tudo graças a ele.
E como surgiu essa participação além da narração?
Alguns dias depois, o Galvão me ligou. Eram duas da manhã, e me disse: “vamos rodar o filme?”. Falou que havia pensando melhor, conversado com o pessoal da Netflix e decidido incluir a figura do narrador dentro da história. Era tudo o que eu queria, né? Sempre tive uma admiração muito grande por ele. Foi uma das primeiras pessoas que me disse que deveria dirigir também, por exemplo. Cinco anos atrás, antes mesmo dele fazer o Colegas (2012), apresentei para ele um projeto de um longa, que ainda vou dirigir, e me disse: “tu sabe tudo o que quer. Vá e faça você”.
Qual tua opinião sobre essa mudança, com a inclusão do narrador na trama?
Olha, sou muito suspeito de falar. Muitos já me disseram: “você entrou na última hora, mas chegou quebrando”. Não fiz parte do todo, né? E o cinema tem isso, ainda mais quando você está apenas como ator, acaba tendo um entendimento só de parte do processo. Em O Matador, entrei no final, então já vi o filme daquela forma. Só quando o assisti pela primeira vez, comigo tendo que contar a história sob a forma de imagens, e me incluindo dentro desse processo, é que deu o clique. Então acho que sim, termina por fazer toda a diferença. Dá um tom, uma liberdade poética de ir para o imaginário e também voltar para o real. Acho que aquelas quatro cenas em que apareço pontuando, contando a história, deixam claro a importância dele para o todo.
O Matador é um filme que marca uma inovação no modelo de produção do cinema brasileiro, por conta da parceria com a Netflix. O que você acha dessa novidade?
Não vou ser contraditório. Quando aconteceu, em Cannes neste ano, de filmes produzidos pela Netflix, que não seriam exibidos nos cinemas, serem selecionados para o festival, levantei uma bandeira contra essa decisão. Tenho essa visão do que é feito para o cinema, para a tela grande. Mas também estamos em um momento de novas tecnologias, e a tendência é de que daqui a uns cinco anos a maioria das coisas que estiverem sendo feitas, serão em streaming. E tem outro lado, que concordo, de que as tecnologias estão crescendo, e o cinema, as oportunidades também… mas e o mercado? Como estão o Fundo Setorial, os patrocínios, as leis? Tá tudo muito capenga.
É um modelo que tem tudo para ser repetido, então?
Veja o caso desse filme: o Galvão lutou um tempo enorme para juntar a grana necessária, e não conseguiu. Daí vem uma empresa e oferece tudo de bandeja? Como não aceitar? Existe essa contradição, é claro, e estamos num momento de transição, de crise. De transformação, não só no mercado brasileiro, mas no mundo inteiro. Mas tem também esse outro lado que, vendo como artista, ainda mais aqui no Brasil, é preciso pensar duas vezes antes de apontar um dedo para o que é certo ou errado.
Também pesa a questão de um serviço de streaming possibilitar que um filme seja visto por muito mais gente do que através de sua exibição nos cinemas?
Com certeza. É tão difícil, e agora falo como produtor. Neste momento, estou captando para dois filmes. Já bati nas portas de diversas empresas, e o que muitas vezes me dizem é: “puxa, legal, gostei da proposta, mas porque apoiaria você, se já tenho o fulano de tal que vai me dar um retorno mais garantido?”. Puxa, a Lei Rouanet foi feita para isso, para apoiar pequenos e médios produtores. Para estimular novos artistas. Mas não é pensado dessa forma.
Como acaba sendo feito, então?
A gente tem que ralar muito. A maioria dos meus projetos, acabei colocando meu próprio dinheiro. Daí consigo fazer um filme, mas não tem distribuidora, é preciso correr atrás. E quando finalmente consegue estrear, vai parar numa sala alternativa, em um único horário, e logo sai de cartaz. A gente fica mendigando nas redes sociais, pedindo para as pessoas irem ver teu filme. Mas quando surge uma Netflix, que pega teu filme e leva para quase duzentos países, sem você precisar fazer nada, tua arte vai ser mostrada para o mundo inteiro, e você vai contra o streaming? Não tem como.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado, RS, em agosto de 2017)
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