Jornalista, publicitário, crítico de cinema, e, desde 2013, também cineasta. Essas são as múltiplas atividades de Celso Sabadin, um dos nomes mais ativos do jornalismo cinematográfico brasileiro. Na ativa desde 1979, já passou pelos mais diversos veículos, seja no rádio, televisão, revista, jornal e online. É autor dos livros Vocês ainda não ouviram nada: A barulhenta história do Cinema Mudo e Éramos Apenas Paulistas, além de ser membro da ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema – e da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. No início deste ano lançou seu primeiro trabalho como cineasta, o documentário Mazzaropi, que foi exibido nos festivais de Lisboa, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e na Seleção de Filmes, no Rio Grande do Sul, e agora chega a todo o país em DVD. Foi sobre essa sua estreia na direção que o Papo de Cinema conversou com exclusividade com o diretor. Confira!
Vamos falar sobre Mazzaropi. Por que essa escolha?
Tudo começou com uma sugestão do produtor Moracy Do Val. Estava trabalhando com ele no filme O Menino da Porteira (2009), fazendo assessoria de imprensa. Tempos depois ele veio com essa ideia e começou a falar sobre o Mazzaropi, pois em 2012 o ator faria 100 anos. Então me convidou para fazer o roteiro. Já havíamos conversado sobre isso anteriormente, porque foi ele que lançou toda a coleção dos filmes antigos do Mazzaropi em VHS, na época. Ele queria um filme de ficção e até me deu a base para fazer uma coisa parecida com o que Richard Attenborough fez com o Chaplin, aquela geografia ficcional. Comecei a pesquisar, organizar um roteiro e trabalhamos juntos no projeto. Só que esse filme seria caríssimo. Pegar trinta anos de reconstituição de época, estúdios, cenários, não sei se seria possível levantar recursos para tudo em três anos, e com certeza não ficaria pronto nesse tempo.
Foi quando surgiu a ideia do documentário, como uma segunda opção?
Exatamente. Como o Moracy não se decidia, sugeri de fazermos um documentário. Ele não gostou da ideia, não gosta de documentário e nunca havia feito um. Com a recusa dele e com a enorme pesquisa que tinha em mãos, percebi que havia uma série de coisas legais, além do que eu conhecia como crítica, e pedi o projeto para mim. Levei para outro produtor, no caso o Edu Felistoque, que topou no ato, e chamou o Paulo Duarte, que é um produtor profundamente envolvido com Mazzaropi, inclusive autor da biografia do artista. Eu não tinha pensado em dirigir, mas falei “vamos nessa”. Quem disse que eu deveria dirigir foi o Edu Felistoque. Mas eu não tinha experiência, fiz muita reportagem, não sei dirigir cinema.
E como foi isso de “pedra virar vidraça”?
Até agora estou achando tudo muito gostoso. Primeiro porque ainda não me sinto um cineasta, costumo dizer que neste momento estou cineasta (risos). Sou jornalista há 30 anos, então não é por causa de um filme que agora sou um cineasta. Minha vida profissional não está sendo ganha como um. E por outro lado, toda a imprensa foi generosa comigo. Inclusive nas críticas negativas ao filme. Então quem tinha coisa para falar do filme, disse numa boa, e para mim é importante.
O filme foi selecionado para ser exibido em diversos festivais e mostras. Isso foi surpreendente ou já esperado?
A gente sabia que tinha um tema muito bacana e rico. O primeiro cuidado era não estragar o assunto. Planejamos fazer um filme superior ao que já se tinha, que acrescentasse algo. Quem tem que falar é o Mazzaropi e as pessoas. Ao fazer um filme você vai sentindo que está legal, mas quando é você que faz, ao menos quando eu, como assessor de imprensa, trabalho com um filme, a gente perde o distanciamento crítico. É como um filho. Então você vai tocando e achando que está ficando bom. Agora o divisor de águas foi quando a Imagem Filmes aceitou de primeira distribuir. Quando ela disse que queria, sem muita negociação, foi o primeiro ponto positivo. O segundo ponto foi sermos selecionados no Festival de Lisboa, ainda que não seja uma mostra competitiva, é bom. O que veio a seguir foram só alegrias.
Como crítico e jornalista por tanto tempo na área e agora também como realizador, qual a relevância de festivais hoje em dia para o cinema nacional? É importante ser premiado? Como isso se dá com a relação com o público?
O prêmio, acho que foi comprovado, não tem influência nenhuma. Infelizmente ninguém vai ver um filme porque ele ganhou Gramado ou Brasília, o público não está ligado nisso. Mas a exposição que se tem nestes eventos é muito boa. Você começa a ouvir o que as pessoas comentam, passa a saber de coisas que funcionaram e que não funcionaram. Começa a até considerar possibilidades de fazer ajustes no seu trabalho. Outra coisa que é importante, talvez não nas cidades maiores, mas certamente nas menores, são aquelas onde não há cinema algum. Então é uma maneira de se aproximar daquele espectador que de outra maneira nunca teria oportunidade de ver estes filmes. Se você for verificar no IBGE, irá descobrir que só tem cinema em 9% dos municípios brasileiros. Assim você expõe o filme de uma maneira que nunca será pelo circuito nacional. Então essa é a importância dos festivais. Principalmente no caso do Mazzaropi, que é um sujeito do interior, onde não tem cinema.
Como foi o trabalho de pesquisa e o desenvolvimento do roteiro, que para documentário é algo tão difícil?
Para ser bem sincero com você, roteiro para documentário é coisa para a Ancine ver. Tínhamos uma base, que é falar do Mazzaropi dentro do universo da cultura caipira. Especificar um pouco mais isso de ser caipira. Não se sabe o que é, acaba por virar apenas um xingamento. Então nesse pano de fundo sobre o caipira decidimos contextualizar Mazzaropi, e seguir a partir daí.
Então foi algo mais didático, com o objetivo de informar o público?
Sim, essa foi a ideia. Mas primeiro contextualizar, depois tentar investigar o por quê do sucesso desse personagem, que foi algo desproporcional. E isso me chamava a atenção. Ele era engraçado, mas tinha muita gente engraçada que não fez sucesso. Para investigar isso só havia um caminho, tentar levantar o maior número possível de pessoas que trabalharam com ele. Para saber o que acontecia, qual era o processo criativo, qual que era a magia dentro de um set de filmagem de Mazzaropi. Passamos a levantar dois tipos de depoentes: 10% de pessoas que pudessem nos explicar o que é ser caipira e 90% de pessoas que tivessem efetivamente trabalhado com Mazzaropi. Não nos interessou a terceirização de depoimentos. Buscamos técnicos, diretores, etc.. Teve a Hebe Camargo, que faleceu, o Mauro Alicio, montador, que estávamos marcando data para a entrevista e ele morreu. Então pensamos que era um documentário urgente. Queríamos também evitar de brincar de documentar, trazendo todas as informações que já estão no Google.
A obra do Mazzaropi é muito relevante, afinal o nome dele perdura até hoje. Já a vida dele, com esse olhar mais íntimo, é pouco conhecida. O teu filme tenta dar uma visão, ainda que pouco invasiva, de quem era esse homem na intimidade. Teve algum momento de dúvida durante a produção, se devia ou não abordar esse tipo de olhar, ou era alguma coisa que vocês gostariam de ir além, mas não foram por falta de informações?
A vida dele e a forma dele se comportar teria influência decisiva na obra que queríamos fazer. Por isso foi importante investigar a vida dele por completo. A maior dúvida era em relação a homossexualidade, que era um assunto conhecido no meio cinematográfico, mas distante do público. E é o tipo do questão que pensamos que se não abordássemos, nos chamariam de falsos moralistas. E se você aborda, corre o risco de ser chamado de sensacionalista. Então fomos gravando, esperando que essa solução aparecesse naturalmente.
Então essa questão não foi proposta, ela surgiu naturalmente?
Ela surgiu naturalmente, muita gente falava, quase todo mundo, mas ninguém queria falar para a câmera. Em pleno século XXI. E também tinha gente que escancarava. Quem naturalmente solucionou a questão foi a Marly Marley. Eu perguntei para ela como era o Mazzaropi como pessoa. Ela começou a falar que ele era um doce, era fechado e que no fundo queria colo, talvez por ter sido homossexual. Não ficou aquela coisa “o cara era viado”. Não estamos falando que o cara era ladrão, era homossexual, qual o problema disso? Estamos no século XXI, por favor! Quem, obviamente, escancarou foi o David Cardoso, pelo próprio jeito dele. E a gente teve essa solução, a deixa da Marly, a brincadeira do David e fecha com aquela ceninha dele falando com a espingarda que é para pegar viado na curva. Ou seja, ele mesmo brincando com a questão. E foi legal.
Você acha que o filme pode ter a função de redescobrir o Mazzaropi?
Gostaria muito que funcionasse. O meu sonho é que acontecesse com o Mazzaropi o mesmo que aconteceu com o Simonal. Ele estava esquecido, com aquela queixa de dedo duro da ditadura. Aí o pessoal fez um documentário – Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei (2009) – que particularmente acho maravilhoso. Quando assisti a este filme em São Paulo pela primeira vez, saí da sessão e fui direto em uma loja de CDs. Perguntei se havia algo do Simonal e me disseram que não. Depois do lançamento do filme, uns três meses depois tinha caixas com CDs dele. Eu gostaria muito que o documentário Mazzaropi tivesse também essa função. Vou ficar muito feliz quando perceber que pessoas querem ver mais Mazzaropi. Então é isso mesmo, vá procurar.
(Entrevista feita com o diretor ao vivo em Recife, Pernambuco)