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Maria Luísa Mendonça é uma veterana dos palcos e das telas. Seu papel de maior popularidade foi a hermafrodita Buba, da novela Renascer, produção exibida na Rede Globo em 1993. Todavia, reduzi-la a esse marcante trabalho seria fechar os olhos para uma carreira múltipla, com mais de 30 anos. Dona de diversos prêmios, ela vive a personagem Cris em O Olho e a Faca (2018), filme do cineasta Paulo Sacramento que chega em breve aos cinemas brasileiros depois de fazer carreira em festivais. Pode-se dizer que é um papel pequeno, restrito à forma como acrescenta novas camadas ao martírio interno do protagonista vivido por Rodrigo Lombardi, mas dotado da intensidade peculiar aos trabalhos de Maria Luísa. Conversamos brevemente com a atriz por telefone, a fim de entender um pouco seu processo de construção dessa figura. Confira, então, mais este Papo de Cinema exclusivo.

 

O que te atraiu na sua personagem no instante da leitura do roteiro?
Principalmente a possibilidade de falar da falta de comunicação, do isolamento cotidiano. Naquele relacionamento que vemos no filme há uma mimese negativa. Não é nada fácil. Quando aquele apartamento ficar vazio, assim que houver a separação, essa mulher provavelmente ficará com outra pessoa que a ame. Pelo menos assim espero. Queria explorar a solidão dessa personagem ilhada e tentar encontrar as suas camadas.

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Como foi o seu trabalho com o Rodrigo Lombardi, especialmente no que diz respeito à construção dessa intimidade atravessada pelo desgaste da relação?
Nunca tinha trabalhado com ele. É um ator gentil, verdadeiramente de troca. Fomos construindo essa relação a partir do que pediam as cenas, encontrando tons e silêncios. O personagem dele é muito egóico, tem dificuldade de perceber o outro. Cada trabalho dita algo específico. O set também tem suas regras. Tínhamos um set bastante gentil. Gosto demais dos Gullane (os produtores), tenho muito carinho por eles. Tive uma sensação excelente de equipe.

 

O que mais chamou a sua atenção na forma como o Paulo Sacramento dirige o filme?
O Paulo é um diretor muito detalhista. Uma coisa que me chamou a atenção foi a forma dele lutar por detalhes da direção de arte a fim de integrar a geografia à dramaturgia. Achei bem sensível isso. Paulo estava brigando constantemente pelo melhor, então é bonito ver essa imersão.

 

Há quem diga que em O Olho e a Faca as personagens femininas têm pouca substância. O que você acha dessa leitura?
É uma leitura possível. Nesse sentido como consigo contar, pela ausência, a personagem masculina? O protagonista é de fato um homem que não ouve. Espero que quando o apartamento fique vazio, ela (sua personagem) consiga ser mais feliz. O filme é exatamente sobre a falta de expressão. As mulheres não são ouvidas, realmente.

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Como uma profissional experiente, de que modo encara a reivindicação por maior participação das mulheres na esfera criativa? Acha isso essencial para papeis femininos mais densos?
Sim, acho isso muito importante. Em Horácio (2019), um dos meus últimos filmes, minha personagem era grande. Fiz a Blanche, de Um Bonde Chamado Desejo (peça de Tennessee Williams), durante vários anos. Ela é uma figura emblemática. Em suma, busco personagens com voz e relevância. Mas também me parece importante estar num filme em que a falta de escuta das mulheres apareça expressivamente.

 

(Entrevista concedida por telefone, numa ponte Rio/São Paulo, em junho de 2019)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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