“Acho que a gente está com saudade disso, de rir de forma despreocupada, de coisas leves”, comentou o diretor Marcelo Antunez assim que começamos nossa conversa. A primeira vez em que nos encontramos foi há cinco anos, durante o lançamento de Polícia Federal: A Lei é para Todos (2017). De lá para cá, muita coisa mudou, não só no ambiente político, mas na própria sociedade – e também no trabalho do cineasta, que deixou as polêmicas de lado e voltou à comédia, gênero dos seus primeiros trabalhos atrás das câmeras. Mas seria um retorno à velha forma? Essa é a grande questão que fica assim que o espectador assiste ao seu novo longa, O Palestrante (2022), estrelado por Fábio Porchat e Dani Calabresa. O filme tem sido recebido com entusiasmo pela crítica e também pelo público, não apenas pelo primeiro encontro na tela grande dos dois coadjuvantes que assumem como protagonistas, mas também por um elenco afiado de coadjuvantes e uma história que não apelas aos exageros para conquistar a audiência. Foi sobre tudo isso que conversamos nesse bate-papo inédito e exclusivo. Confira!
Marcelo, conversamos pela primeira vez no lançamento do teu longa anterior, Polícia Federal: A Lei é para Todos. Mas você tinha filmado comédias antes. O Palestrante é, portanto, uma volta às origens?
Não necessariamente. Na verdade, é até engraçado você mencionar isso. Em 2018 cheguei a receber muitos convites para voltar a fazer comédia. Só que tinha acabado de fazer o Polícia Federal e estava envolvido com outros projetos que também não eram do gênero. Essa era uma conversa recorrente, sempre fiz questão de bater nessa tecla de que precisamos investir em outros temas além da comédia. Temos muitas histórias para contar, mas sei que há no Brasil uma vocação para o humor. A gente gosta, precisamos rir. Dentro desse panorama tenebroso que enfrentamos diariamente, é algo muito importante achar essa graça. Por outro lado, precisamos formar público que se interesse por outros estilos. Meu movimento naquela época é o mesmo de hoje, de fazer não só comédia, mas também outras coisas. Dito isso, reforço que adoro humor.
Enquanto comédia, o que O Palestrante apresenta de diferente em relação aos teus longas anteriores do gênero? O que mais te atraiu nesse projeto?
O tema é muito bacana. Essa pergunta, que penso que deveríamos nos fazer com maior frequência, é se as nossas ações e decisões vão ao encontro dos nossos sonhos? Será que na maioria das vezes não estamos nos deixando levar pela rotina, até situações infelizes, por comodismo ou falta de perspectiva por uma coisa melhor? Esse é um assunto que me toca, essa busca pela felicidade é algo importante, até mesmo num nível pessoal. Afinal, o que é ser feliz? E como a gente busca essa felicidade? Outro grande atrativo foi a oportunidade de trabalhar com o Porchat. É um cara que admiro demais, e o tipo de humor dele conversa comigo, uma comédia de constrangimento. Gosto bastante disso.
O Fábio Porchat, além de protagonista, é também um dos roteiristas. Como foi desenvolver esse trabalho ao lado dele?
Trabalhar com o Porchat, de verdade, é uma delícia. É um cara legal, bacana, inteligente. Ele é mais do que generoso, tem algo que vem da inteligência, um certo desapego com as próprias ideias. Está sempre atrás do que é melhor. As pessoas que não o conhecem talvez não tenham essa dimensão, mas é, de fato, alguém que não tem essa questão de ego. É muito aberto a ouvir. Sempre disposto a ponderar o que é melhor, independente se foi uma ideia dele ou não. Entendi que é um modelo que vem desde a experiência dele no Porta dos Fundos, e esse exercício de roteiros certamente o ajudou nessa construção. Foi fácil, portanto. Quando veio até mim com o roteiro do filme, percebi que tinha ali piadas boas, um humor interessante, personagens bem construídos. Tive algumas opiniões, logicamente, e trocamos a respeito. Ele queria saber o que eu tinha achado. Houve essa conversa e muita coisa que apontei foi incorporado à versão final. Um processo fácil e bastante colaborativo.
Nas conversas que tivemos com o elenco, se comentou sobre o time de coadjuvantes, um mais fera do que o outro. Como foi a escolha desses nomes?
Alguns o Fábio tinha em mente desde que escreveu o roteiro. A Dani Calabresa, por exemplo, foi escrito com ela em mente. Ele a conhecia há tempos e tinha um desejo grande de trabalhar com ela. São amigos que nunca haviam dividido o set, ao menos até agora. Então, é um projeto que nasce dessa vontade de fazerem algo juntos. Quando filmamos, o Paulo Vieira ainda não tinha sido descoberto, as pessoas não haviam percebido o potencial dele. É um cara extremamente talentoso, e foi o Porchat que o indicou, pois os dois haviam trabalhado juntos antes. A Miá Mello, o Antonio Tabet, a Letícia Lima… todos estão aqui por causa do Porchat, que os conhecia e os admirava. Os outros vieram pelo debate entre nós: a Maria Clara Gueiros, o Otávio Müller, o Rodrigo Pandolfo, todos comediantes muito bons, mas mais do que isso, atores espetaculares. E é muito bom quando estamos cercados por talentos de tão alto calibre assim.
Porchat e Dani Calabresa são comediantes conhecidos do grande público, mas aqui aparecem em versões mais contidas, digamos. Como foi impor esses limites a eles?
Não foi tanto uma questão de controle, mas de entendimento. Meu trabalho vem disso, de discutir com todo mundo e chegar a uma visão comum sobre a cena. A partir da minha perspectiva, é claro. Não enxergava, dentro da proposta do filme, essa coisa exagerada pela qual os dois são mais conhecidos. Queríamos um filme que tivesse um lado romântico, com momentos de humor. Eles sabem fazer isso com um pé nas costas. É como virar uma chave e todo mundo começa a rir. Por outro lado, não queríamos abandonar a dramaturgia. Ou seja, fazia parte da minha função no set transmitir essa noção sobre cada cena e como os personagens deveriam se comportar.
Marcelo, tu está agora, enquanto fala comigo, no set de um novo projeto. Pode nos adiantar algo a respeito?
Na verdade é algo que estou terminando. Estou filmando e vai até o dia 09 de agosto. É um longa sobre o sequestro do Silvio Santos que aconteceu em 2001. É um thriller, com um pouco de drama. Depois de O Palestrante várias coisas aconteceram, não foi por causa da pandemia que ficamos parados. Fiz, no final do ano passado, um drama com suspense, que agora está em montagem, cujo título provisório é Antes de Acontecer, e é com o Rodrigo Lombardi, Fernanda Vasconcellos, Malu Valle… um elenco enorme e maravilhoso. Nesse meio tempo fiz uma comédia romântica para a HBO, em cima de um livro da Carina Rissi, e irá se chamar Procura-se. Filmamos em fevereiros desse ano, e a previsão é para setembro. E assim que terminar esse projeto atual, entro na pré-produção de Rodeio Rock, um romance com humor que será estrelado pela Carla Diaz e pelo Lucas Lucco e se passa dentro desse ambiente da música sertaneja. As filmagens serão em Paulínia e no pantanal.
Você começou fazendo sequências: Qualquer Gato Vira-Lata 2 (2015), Até que a Sorte nos Separe 3 (2015)… Outros filmes teus podem ganhar continuação?
Tínhamos um roteiro pronto para o Polícia Federal 2, só que ficou muito difícil. Ainda mais para esse tema, tá arriscado – pra não dizer praticamente impossível. Não conseguimos levar para frente. Sem falar que a história mudou, com todas as revelações que vieram depois, a Vaza Jato e a eleição do Bolsonaro apoiada por essa pauta de anticorrupção. E depois a gente vê tudo que acabou acontecendo, teria que ser uma história completamente diferente. Só que agora não é o melhor momento para isso, tem que esperar um pouco pra poder voltar a esse assunto.
Se fosse fazer hoje o Polícia Federal, mudaria alguma coisa?
O primeiro? Não sei. Uma das características do projeto era fazer um recorte a partir da perspectiva que se tinha na época. Então, não sei o que poderia ter sido diferente. Estávamos retratando o que as pessoas sabiam e o que a investigação mostrava naquele momento. Era um recorte interessante. Hoje mesmo, você olhando, é bom para provocar debate. Essa era a visão na época, ainda que agora esteja tudo diferente. O cinema presta a isso também.
Então, não mais sequências?
Não, pelo contrário. Posso confirmar: tem uma continuação vindo por aí. Será a sequência de um filme que fizemos, e está certo que iremos filmar no ano que vem, em 2023. E tem mais coisas por aí, muitos projetos encaminhados. Mas mais do que isso não posso revelar, ao menos não agora (risos). Vai ser bacana!
O Palestrante chega aos cinemas em um momento crítico no Brasil, às vésperas de uma importante eleição. Qual o tipo de motivação que esse filme pode levar aos espectadores?
Acho que a vontade de sonhar. A gente precisa voltar a cultivar nossos sonhos. O Brasil, como um todo, sempre teve esse mote de ser “o país do futuro”, mas o que é o futuro senão algo que começou num sonho? Você projetar sonhos. Precisamos fazer o Brasil de hoje, mas sempre pensando lá na frente. Sonhar com um país melhor, uma preocupação e uma consciência ambiental mais ativa, com políticos responsáveis, com uma sociedade mais justa. Isso tudo do lado de fora, para que a gente possa ser feliz. A motivação desse filme, portanto, é procurar dentro de você e não deixar de fazer essa pergunta: “o que te faz feliz? O que busca para sua vida?” E, a partir daí, ir mudando o seu entorno.
(Entrevista feita por zoom em agosto de 2022)
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