Nascido no Recife em 1965, Lírio Ferreira começou sua carreira em longas-metragens com um dos filmes mais elogiados do início da retomada do cinema brasileiro, vencedor do principal prêmio do Festival de Brasília: Baile Perfumado (1997), codirigido por Paulo Caldas. Em 2004, mais um êxito na carreira, com o premiado Árido Movie, vencedor na categoria Melhor Filme no Cine PE – Festival de Pernambuco, de onde também levou o Calunga de direção. Passados alguns bons documentários como Cartola: Música para os Olhos (2006) e O Homem que Engarrafava Nuvens (2008), o diretor retorna à ficção com uma história de amor impossível em Sangue Azul, longa que utiliza do circo e do cinema para tecer sua trama. Novamente premiado em festivais do Brasil e exibido no Festival de Berlim, o novo trabalho do cineasta pernambucano mostra que não podemos ficar tanto tempo sem novos filmes assinados por ele. Neste bate-papo, Lírio Ferreira fala sobre sua mais recente produção e revela sua paixão por cinema, circo e Fellini.
Sangue Azul foi muito bem recebido no Festival do Rio, onde saiu com prêmios de Melhor Filme, Diretor e Ator Coadjuvante. Do Festival de Paulínia foram mais dois louros. Como é a experiência agora de entregar o filme para o público em geral?
Está fechando um ciclo, né? Muito bacana. Foi ótimo. Um filme rodado inteiramente na Ilha de Fernando de Noronha. Um filme de amor. Um filme de aventura. Foi muito prazeroso fazê-lo. Agora estamos num ponto culminante, pois só faz sentido quando alguém estiver sentado na cadeira, assistindo.
Fernando de Noronha é um lugar notoriamente belíssimo. É neste momento em que trabalho e prazer se misturam?
Foi joia. Contar a história no paraíso é extremamente instigante. A equipe e o elenco todo estavam indo para o paraíso. Mas foi trabalho mesmo. Muito difícil filmar lá. Muito complicado por conta de logística. Mas ao mesmo tempo é muito prazeroso. Fomos para aquele lugar, tivemos uma relação de afeto muito grande com a equipe e com o elenco – e com a comunidade que abraçou o filme. E isso foi o nosso oxigênio para conseguir transformar um sonho nessa grande aventura.
O que conta Sangue Azul?
É um filme de amor, mas sobre a impossibilidade do amor. Conversa um pouco sobre cinema, faz um paralelo com circo. Na verdade, se a gente fosse traduzir em uma síntese rápida: é uma ilha que aparentemente não se move. Que poderia ser a Ilha do Mel, ou a Ilha Bela. Mas a partir do momento que entra Fernando de Noronha, com suas características, ela torna-se personagem do filme. E ela encontra outra ilha, que se move: o circo. Então é mais ou menos uma ilha dentro de uma ilha, na boca do vulcão, no paraíso, falando sobre amor, cinema e o álcool da vida.
Alguns críticos fizeram um paralelo entre Sangue Azul e Amarcord (1973), do Fellini. Procede esta comparação?
Os anos 70 foram muito reveladores para mim. E nos 80 eu comecei a perceber que a vida não era só estudar, brincar de esconde-esconde e pega-ladrão. Lá em Recife, o circo e o cinema me fizeram acordar para saber que existiam outras coisas. E isso me transformou. Eu via muito Fellini, eu via muito esse circo que está no filme, que é o circo do Orlando Orfei, um circo extremamente físico. Tem muito Amarcord e tem muito o Recife da minha infância no filme. Apesar de ter celular e tela digital, Sangue Azul é atemporal. É de memória. É de afeto. De carinho. De conhecimento. E o filme tem esse Amarcord Felliniano mesmo.
Chama a atenção o elenco, cheio de nomes importantes do nosso cinema. Como foi o trabalho com este casting estelar?
Um privilégio muito grande trabalhar com essas pessoas. Elas terem acreditado neste sonho. Tanto a equipe quanto o elenco, que dá a cara a tapa. São pessoas maravilhosas que acreditaram neste sonho. Foi uma responsabilidade muito grande e, ao mesmo tempo, um prazer maravilhoso trabalhar com tanta gente com talento e com afeto pra dar. Eu fico até emocionado por ter tanta gente bacana. E o filme tá passando e nós continuamos amigos. Eu não sei qual vai ser o próximo encontro com eles. Espero que seja no próximo filme. Mas pode ser na esquina também, pois o filme estreia e ficamos muito amigos. Elenco lindo, maravilhoso, estelar. Fernando de Noronha merecia isso.
Foi o primeiro filme rodado lá?
Inteiramente rodado, sim. Já tiveram algumas sequências de algumas produções, tem documentário de surfe, algumas minisséries da tevê. Mas inteiramente rodado, com história voltada para dentro da ilha, nenhum plano que não seja insular, foi Sangue Azul.
É curioso que em Sangue Azul existe um personagem que volta para a casa. E se formos relembrar de Árido Movie, seu filme anterior, também tínhamos o protagonista que retornava para sua terra natal. Essa jornada de regresso é cara para você?
Eu sou de Recife. Morei no Rio de Janeiro, morei em São Paulo. E sempre estou voltando pra Recife. Talvez seja um pouco isso. Ao mesmo tempo, a maneira como eu gosto de falar de cinema é muito de reticências, é muito de espaços que eu deixo. A gente só percebe um tempo depois. Fico imaginando que talvez eu esteja fazendo o mesmo filme para preencher os espaços que deixei no Baile Perfumado, no Árido Movie e, agora, com Sangue Azul, tentando retomar coisas e reticências que existem na trajetória. A coisa da geografia é algo que liga os três filmes, a volta do filho pródigo. Talvez eu fique falando do mesmo filme, mas sempre revisitando e repensando. É muito presente isso mesmo.
Você codirigiu Baile Perfumado com Paulo Caldas em um momento em que o cinema brasileiro estava no início da retomada. Dá para fazer um paralelo de como se fazia cinema naquela época e como é trabalhar nos dias de hoje?
Tá tudo mais fácil e tudo mais difícil do mesmo jeito. Na época era mais complicado, saímos do nada para exibir filmes para caramba. E hoje em dia tem uma produção absurda, mas temos dificuldade muito grande de exibir, de lançar. E a produção está rolando. É uma batalha muito grande. A gente tem azeitado um pouco a produção, mas para lançar era mais complicado. Em 1997, éramos mais sonhadores. Existia película na época. Hoje nem tem mais. O que é bacana é nunca reclamar. Para ser cineasta é muito complicado. Mas para ser professor primário é mais. Imagine quem trabalha no hospital. É tudo muito difícil. Mas com carinho e afeto a gente vence tudinho.
(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo em 02 de junho de 2015)
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