Um dos mais conceituados cineastas de todo o mundo, Elia Suleiman coleciona troféus ao redor do planeta. Já foi premiado nos festivais de Cannes, Chicago, Manila, Granada, Lisboa, Mar Del Plata, Nantes, Seattle, Sevilha e Veneza, entre tantos outros. Uma das homenagens mais recentes que recebeu foi aqui no Brasil, em São Paulo, oferecida pela Mostra Internacional de Cinema, no último mês de outubro. No país para a ocasião, ele aproveitou para exibir por aqui também o ainda inédito O Paraíso Deve Ser Aqui, escolhido para representar a Palestina no Oscar 2020. Acabou não ficando entre os dez pré-selecionados, mas isso em nada diminui os seus méritos – aliás, fala mais sobre quão problemática é esta categoria para os votantes da Academia de Hollywood do que sobre o filme em si. E como uma oportunidade rara com essa não pode ser desperdiçada, o Papo de Cinema se reuniu com o diretor e roteirista para conversar sobre esse belo e tocante trabalho. Confira!
O Paraíso Deve Ser Aqui pode ser descrito como uma série de pequenas histórias. Como você escolheu quais destes contos deveriam estar no filme?
Talvez seja mais apropriado dizer que é uma coleção de cenas. Quando meditamos, pode ser por um período curto, ou também demasiadamente longo. E é mais ou menos o que acontece no filme, são passagens que você pode esquecer em seguida, ou permanecer com elas por um longo tempo. A história é elástica. Essa galeria era feita de mais ou menos umas 200 cenas diferentes. O processo é que determinou quais desses fragmentos conseguiriam se sustentar, em termos de peso e relevância na narrativa, e também o potencial de prazer que poderiam gerar. Sem falar que, de um jeito ou de outro, precisam se comunicar entre si. Como faço isso? Através de um processo que chamo de “montagem subliminar”. Não me preocupo com continuidade, pois não é algo que gosto, particularmente. Não gosto de impor uma história ou narrativa na qual o espectador é guiado. Prefiro que ele construa sua própria trama a partir destes ‘pedaços’ que vou oferecendo.
Cada uma destas cenas, então, é elaborada individualmente?
No começo? Com certeza. Mas, aos poucos, começo a estabelecer links entre elas. Se você me der duas imagens aleatórias de São Paulo, conseguirei estabelecer uma relação e lhe mostrarei como conectá-las. Precisamos ter fé em nós mesmos e sermos menos inseguros a respeito do que o espectador é capaz de compreender. Se o respeitarmos o suficiente, sem menosprezar sua inteligência, então tudo ficará claro. Estes filmes que tem como hábito subestimar a perspicácia da plateia expondo todas as explicações e colocando tudo na boca dos personagens estão, na verdade, os insultando, pois partem do pressuposto que aqueles na audiência são limitados e não serão capazes de entenderem a que o filme se propõe. Como se fossem todos ignorantes que precisam ser alimentados cegamente. Penso justamente o contrário. Creio que quem for assistir ao meu filme conseguirá compartilhar destes sentimentos e elaborar sua história. É o que busco com a minha “montagem subliminar”, ir atrás de um sentimento, e não de uma suposta continuidade. Acreditar que, quando colocamos duas cenas uma ao lado da outra, elas irão se conectar e farão parte de uma narrativa maior.
Seu filme tem um conteúdo político muito relevante. Ele fala do mundo em que vivemos hoje. Mas não expõe apenas, mas se completa com a reflexão de quem o assiste.
Creio que isso é algo que acaba acontecendo, sim, mas é uma consequência. Primeiro, você precisa maximizar a imagem, e o prazer que ela proporciona. Consequentemente, enquanto está contemplando o que acabou de ver, atingirá um nível racional, mais intelectual, que possa interpretar esse sentimento pelo qual está passando. Não me interessa jogar uma mensagem política na sua cara, pois, como disse antes, é algo raso. O que faço, portanto, algo que amo fazer. E acredito que possa ser amado também por qualquer um que compartilhar desses momentos comigo. Se você vier com um sentimento de autoridade, pensando que poderá ensinar qualquer coisa aos outros, estará condenado a fracassar desde o princípio. O prazer está no compartilhar. Por isso, não venho armado com um discurso ideológico.
Esse foi um modo de filmar adquirido com o tempo ou uma percepção que sempre guiou sua obra?
Mesmo nos meus filmes anteriores, que podem ser considerados mais políticos do que esse, nunca me ocupei em expor esse tipo de informação. Eles apenas assistem às piadas, ao burlesco, ao curioso, às coreografias, e tiram suas próprias conclusões. Porém, se desejam aprender a respeito desse entrave político em particular, é melhor que façam suas próprias pesquisas e comecem a ler alguns livros. Não serei eu que irei dizer como pensar. Não faço filmes para informar ou para debater questões políticas: os faço para desfrutar do prazer de assistir a uma imagem. Sempre acreditei que os filmes não chegam a terminar no final. Eles continuam com o espectador. As imagens podem reencarnar de acordo com os desejos e vontades de cada um, que poderão criar suas próprias histórias. Mas por associação, sem ser obrigado pela leitura de outros.
O filme é dedicado aos seus pais, mas também a John Berger e Humbert Balsan. Quem são esses dois?
Humbert Balsan foi o produtor de Intervenção Divina (2002), e era um excelente profissional. Foi uma ótima experiência ter trabalhado com ele. E John Berger, durante a minha juventude, cheguei a conhecê-lo e nos tornamos bons amigos, praticamente irmãos. Não tem nada a ver com cinema, mas apenas a sua presença era suficiente para me estimular a continuar com a minha arte. Não há, nessas escolhas, nenhum tipo de motivação cinematográfica. Foram homenagens bastante pessoais. Nós éramos, todos, quase como família. Definitivamente há algum tipo de influência cósmica, mas nada que possa ser apontado tão objetivamente.
Como elaborou o protagonista, o seu personagem, e por quê decidiu você mesmo interpretá-lo?
Você está falando sobre o modo como ele se comporta e como se relaciona com os demais personagens? Essa é uma pergunta muito boa.
Imagino que Charles Chaplin seja uma óbvia referência.
De forma alguma. Acho que a única referência que posso apontar seja eu mesmo. Eu sou essa pessoa, exatamente como está na tela. E sem inspirações externas. Mesmo quando falam de Chaplin, ou Jacques Tati, nunca foram um exemplo para mim, pois os conheci tarde em minha vida, não foram parte da minha infância. Talvez venha da outra dedicatória, aos meus pais. Eles eram muito engraçados. Assim como meu irmão. Eu era o caçula, e posso dizer que fui muito influenciado por eles. Por esse tipo de atmosfera familiar muito divertida. Portanto, se tivesse que citar uma referência para esse personagem, certamente seria a minha família. Mas, por outro lado, posso dizer que esse personagem é diferente de como eu era antes de fazer este filme. Talvez por toda essa dose de melancolia, e também de desespero, em relação ao mundo em que estamos vivendo hoje.
Qual a importância do humor na sua arte?
Acredito que o humor que imprimo no filme seja diretamente reflexo dessa criação, assim como também é a melancolia. Por isso que penso que este longa é mais engraçado que os anteriores. Porque o humor surge nos momentos mais difíceis, e tudo isso está relacionado com a nossa realidade. É por isso que o personagem, em última instância, é tão frágil. E vulnerável. É diferente das minhas encarnações anteriores, pois é mais determinado pelo meio. Antes, eu aparecia para mostrar as situações, mas não necessariamente me envolver com elas – diferente do que acontece dessa vez. Agora, me vi obrigado a atuar (risos), pois tinha que participar destes episódios e interagir com os demais. Você pode ver as minhas reações. Não foi algo esquematizado, mas, sim, apenas consequência do que estava sentindo em cada uma dessas passagens. Ele não é mais apenas um observador, também faz parte daquilo.
É um personagem, portanto, em constante mudança e aprendizado. Ele está se transformando.
Tem a ver com o mundo de hoje. É algo que me vi obrigado a aprender. O personagem está atrás de esperança. Algo que ele, enfim, encontra na última cena.
O final, junto aos jovens, numa festa, em meio à diversão, oferece um retrato muito positivo.
Posso dizer que essa cena nem estava planejada. Não sabia como terminar o filme. Houve um momento em que decidia terminar na sequência anterior, com a mulher beduína retornando à casa após ter vendido seu iogurte. Pensei que poderia ser um desfecho interessante. Mas algo me dizia que havia mais a ser explorado, e que não estava me dando conta até então. Foi somente durante as filmagens que percebi essas pessoas. Lembro de ter perguntado antes: onde estão os jovens dessa cidade? E essa foi a resposta que me ofereceram.
A esperança está nos jovens, portanto?
Não sei, mas é um bom começo. Neste caso, se trata de um bar voltado ao público gay e lésbico na Palestina. Nem sabia que existia algo assim por lá. Quando me convidaram para ir até lá conhecer, aceitei na hora – seria bom beber algo com eles. São jovens que não estão ligados a qualquer tipo de partido ou ao poder institucional da cidade, é uma geração mais cosmopolita. Estão conectados com o resto do mundo. Não estão preocupados com onde a Palestina fica no mapa, mas com questões de gênero, raça. Possuem amigos em todo o mundo, se comunicam pela internet, e constituem uma geração diferente das anteriores. As estruturas de poder convencionais certamente estão preocupadas com essas mudanças. Os jovens de hoje são muito mais organicamente ligados uns com os outros.
A Polícia é uma figura recorrente no filme. Por qual razão?
Porque é sobre isso que trata o filme, sobre esse estado de exceção. O mundo está se tornando um grande gueto. É como se não tivéssemos mais para onde fugir. Mesmo se você acredita que pode escapar indo para o interior, irá encontrar essas pessoas por lá também. Talvez não de uniforme, mas estarão carregando os pesticidas. Estamos cercados. Portanto, trata dessa tensão representada pela autoridade que vem uniformizada. É assim que todo mundo está vivendo hoje em dia. Não importa onde você esteja. Até em um avião, no meio das nuvens, não há para onde correr. Gerações atrás, você conseguia manter aquele lugar único, isolado de tudo e todos, onde ninguém iria incomodá-lo. Isso não mais existe. Alguém irá bater à sua porta, mesmo se tentar se esconder no meio da Amazônia. A globalização resultou nisso que estamos vendo – e vivendo – hoje.
Ao mesmo tempo, se há esperança, há também muita desilusão.
Estamos passando por um momento muito frágil. Por isso foi tão importante terminar com uma nota de esperança, ainda que não esteja tão certo que conseguiremos dar a volta e remediar tais situações. Não é por isso, no entanto, que iremos desistir de tentar superar esse inferno pelo qual estamos passando. Não é um sentimento muito bom, enquanto indivíduos, passarmos por esses temores todos os dias. Isso não é algo que deva ser compartilhado. Você não diz ao seu companheiro o quanto está assustado. Você não quer transformar a vida do outro numa desgraça. Por isso nos ocupamos com pequenas coisas, com o que iremos jantar, ou o que iremos fazer amanhã. E não se trata de negação. O medo está lá, a ansiedade continua. Apenas não comunicamos aos outros, por medo de deixar tudo pior. É sobre isso que esse filme trata, esse sentimento que me invadiu nos últimos tempos e essa busca por algum tipo de consolo. E não falo de grupos, me refiro aos indivíduos.
Em certo momento de O Paraíso Deve Ser Aqui, você é acusado de fazer um filme que “não é palestino o suficiente”. Se lhe dissessem isso na vida real, o que você pensaria?
Esse episódio tirei da vida real. Alguns produtores realmente me disseram isso, que o meu filme “não era palestino o bastante”, quando estava ainda no meu primeiro projeto. Eram de uma produtora francesa, que achavam que sabiam mais da minha vida do que eu mesmo. Esse sentimento pós-colonial pode ter diminuído, mas não evaporou – ainda está lá. Quando alguém lhe diz que, por você ser do Brasil, que naturalmente deve morar no Rio de Janeiro e saber como se samba, a mesma coisa está acontecendo. Ou seja, não desapareceu, apenas mudou a máscara. Hoje em dia ninguém me diz que meus filmes “não são suficientemente palestinos”, mas ainda escuto comentários, talvez mais tímidos e discretos, porém ainda presentes. Isso se reflete até na hora de categorizarem o que faço. Como, por exemplo, por eu ser da Palestina, não pudesse tecer comentários sobre o ‘mundo dos brancos’. Afinal, é o meu rosto que está na tela. Não é como era antes, não chegam a me impedir de filmar, mas o sentimento persiste.
Tem uma cena que faz um comentário similar, a do homem de rua, que é atendido, recebe comida, mas segue na mesma condição.
Exatamente. Desde que o status quo permaneça, que os burgueses sigam sendo burgueses, todo o resto não importa. Eles são muito educados, demonstram preocupação, mas no final do dia te deixam no mesmo lugar onde te encontraram.
Outro momento marcante é a cena do pássaro. Como foi feita?
Parte dela foi feita através de efeitos digitais, mas parte é real. Estou sempre à procura de imagens que não forneçam significados imediatos. Que não lhe permitam dizer “ah, essa cena é sobre isso”. Os policiais nós sabemos o que representam. Agora, o que o pássaro quer dizer? Você não sabe. Ele permanece numa área mais poética, por assim dizer. Adoro não ter que oferecer uma interpretação linear a respeito dele. Há sempre um espaço no qual você pode flutuar despreocupadamente, sem pensar no que aquilo significa. Quando você atinge esse tipo de imagem, isso possibilita um tipo de euforia que lhe permite não ter que pensar, apenas sentir. E apenas desfrutar do prazer de assistir. Era isso que busquei com esse filme, desde o começo.
O pássaro possui uma função metafórica, então?
Todo mundo que lia o roteiro, quando chegava nesse ponto, meio que empacava. “E esse pássaro, o que ele está fazendo ali?”, me questionavam. Havia uma certa resistência a respeito dele. “Tem certeza que você quer fazer isso? Vai custar um monte de dinheiro e não se encaixa em lugar algum, simplesmente interrompe a narrativa e, ops, por quê esse pássaro?”. E eu seguia insistindo: “nós vamos fazer o pássaro”. Era uma intuição que me dizia que ele seria necessário. E por razão alguma. Vejo-o como um feito a ser celebrado. Nos meus próximos filmes, quero ter mais cenas assim, pois elas me dão tanto prazer, sem ter uma identidade imediata, nem saber de onde veio. Apenas existem. É uma euforia espiritual.
Mas quando o pássaro surge enquanto ideia?
Vem de uma experiência anterior, como várias outras passagens do filme. Houve, de fato, um pássaro como esse na minha vida. Minha esposa, certo dia, chegou em casa com um passarinho, ainda bebê, que havia caído de uma árvore. Estava sozinho, e ela o acolheu. Só que ela é cantora, estava no meio dos preparativos de um concerto, e mesmo assim o levou para casa, numa atitude impensada. Ela é meio louca. E muito mais ativa do que eu, tem sempre um compromisso, enquanto que passo mais tempo em casa. Consequentemente, o que aconteceu? Acabou me encarregando de cuidar do passarinho. Foi mais ou menos durante a escritura desse roteiro. A todo instante precisava parar para lhe dar comida, ou água. Numa dessas interações, simplesmente saiu da gaiola e pulou no meu computador. Instintivamente, o afastei com a mão, exatamente como faço no filme. O que você vê em cena, aconteceu de verdade. Ao mesmo tempo, olhei para o pássaro e pensei “opa, isso é engraçado”, e por isso escrevi a cena e a incluí no filme.
Já que está falando sobre os parceiros de cena, como foi que conseguiu o Gael Garcia Bernal?
Bom, nós somos amigos. Ele é um cara muito engraçado. E aquilo foi pura improvisação. E ele topou desde o princípio. Liguei e disse: “venha aqui, pois tenho uma cena em mente”. Conversamos a respeito antes e fomos em frente. Lembro que ele estava em algum lugar da América Latina, ou seja, bem longe de onde eu me encontrava naquela época (risos), mas mesmo assim aceitou meu convite de imediato. Nos conhecemos há muito tempo. É um cara muito generoso, além de não se levar a sério, o que é ótimo. Não se vê como um superstar. Enfim, veio me encontrar, e após algumas garrafas de vinho, trocamos algumas ideias, e assim que entendeu o conceito do filme, ficou ainda mais interessado. Pois ele também estava fazendo um filme nesse estilo. Por isso foi fácil chegarmos ao ponto que agradasse a nós dois.
Você falou antes que não gosta de entregar tudo mastigado para a audiência. Martin Scorsese comentou algo similar, há algumas semanas, ao se referir aos filmes da Marvel. Você assiste a esses filmes?
Sobre quais filmes você está falando?
Filmes de super-heróis.
Não os conheço. Sobre o que se referem?
Capitão América. Homem-Aranha. Superman. Esse tipo de filme.
Ah, sim. Não, nunca vi nenhum desses filmes. E nem me interesso por eles.
Você não gosta destes filmes-evento, os blockbusters tão comuns em Hollywood?
É como se dissesse que estou com fome, e você me desse o endereço de um McDonald’s. Fosse comer algo que não é saudável. Tudo precisa começar com um desejo. E tenho zero – não, melhor dizendo, menos zero – desejo de ver um filme desse tipo. É algo que simplesmente não existe na minha vida. Não está no meu dicionário de existência, por assim dizer. Nem sei do que se tratam. Quando vejo um desses pôsteres, é como um sinal que me mandasse seguir o caminho contrário. Um alerta: “não vá por ali”. É parte da poluição visual. Nem tenho como comentar a respeito, pois não faz parte das minhas referências. Os cartazes, que estão por todos os lados, já me incomodam o suficiente.
Afinal, se tratam de eventos tão grandiosos que não há como fugir deles.
Vou contar uma história que não tem nada a ver com o que estamos falando, mas tem tudo a ver. Anos atrás, estava em Cuba filmando a minha parte de 7 Dias em Havana (2012), e aos poucos me dei conta de que havia algo diferente nas ruas, para onde quer que olhasse. Só com o passar dos dias é que percebi que era a ausência de outdoors que havia chamado a minha atenção. Afinal, estava olhando para cenários que haviam ficado congelados no tempo, eram os mesmos de 30, 40 anos atrás. Tudo o que olhávamos era a arquitetura, a poluição havia desaparecido. E já foi assim por todos os lugares, mas é algo que nem lembramos mais. Foi incrível verificar que a vida pode, sim, existir, sem todo esse nonsense que nos cerca. Uma semana atrás estava em Bucareste, um lugar que amo, e, ao mesmo tempo, percebo que está totalmente contaminado. Ainda assim, sinto uma ternura muito forte naquele lugar, certamente poderia filmar por lá um dia desses.
Você sente o mesmo pelo Brasil?
Comecei a ter esse sentimento durante esta visita. Já estive no Rio de Janeiro antes, e lá isso não ocorreu. Talvez meu olhar não estivesse treinado, ou eu fosse jovem demais para pensar a respeito. Mas agora, enquanto estou sentado no banco de trás do carro e consigo olhar para a cidade, me vi com essa mesma sensação. Como se pudesse morar aqui, por sentir uma certa familiaridade. Saberia onde colocar a minha câmera, entende? Mas, também, é algo que nunca irei fazer.
Mas por quê?
Porque estou cansado e tenho preguiça (risos). Se pudesse, nem sairia mais de casa. Filmaria sempre no mesmo lugar, sem precisar me mexer. Talvez, quem saiba, um dia faça uma série, com um conceito mais turístico, por assim dizer, ou impressionista, que é uma expressão mais apropriada. Mais ou menos como ocorreu em Cuba. Afinal, era um lugar que não conhecia e sabia muito pouco a respeito.
Aliás, como você acabou fazendo um filme sobre Cuba?
Quando me convidaram, a minha reação inicial foi negar, pois não imaginava o que poderia contar lá. Não me relacionava com o lugar. Mas acabou sendo uma experiência maravilhosa. Até pela questão da língua – eles não me entendiam, eu não os entedia, então havia muito mais silêncio no set (risos). Você pode beber a ternura de Havana, é uma cidade muito afetuosa. Mas, no começo, sem conhecer, só pensava: “por que me escolheram?”. Uma vez lá, no entanto, as conexões vão aos poucos acontecendo, e com elas vem o prazer.
O mesmo poderia acontecer em São Paulo.
Então, quem sabe esse fenômeno não possa se repetir outras vezes? Faço a mim mesmo essa pergunta. Mas seriam novas cidades, e em menos tempo. Pois quero voltar logo para a minha casa (risos). O único problema de tudo isso é que sou muito preguiçoso. Então, quem sabe?
(Entrevista feita ao vivo em São Paulo em outubro de 2019)
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