Dessa vez nós fomos longe – para sermos mais exatos, ao outro lado do mundo. Sim, a conexão foi direta com a Austrália, de onde o diretor Jeffrey Walker conversou via zoom com a gente sobre o seu mais recente filme, a aventura O Portal Secreto (2023). Nascido em Melbourne, ele agora mora em Brisbane, ao leste do país, em uma região que ficou conhecida internacionalmente como a Gold Cost (Costa Dourada). Foi lá, também, que o longa estrelado por nomes como Christoph Waltz, Sam Neill e Miranda Otto teve a maior parte das suas cenas filmadas, ainda que a trama seja ambientada em Londres, Inglaterra. Com passagem pelos bastidores de séries como Neighbours (a grande novela australiana, no ar de forma ininterrupta desde 1985!) e Modern Family (2013-2019), Walker possui no currículo troféus conquistados no Australian Directors Guild, Academia Australiana de Cinema e Televisão, Festival de Sydney e Australian Film Institute, entre outros, que fazem dele um dos nomes mais interessantes no cenário cinematográfico do seu país. E dessa vez ele falou com o Papo de Cinema sobre como foi adaptar para a tela grande a obra de Tom Holt, como foi reconhecer os signos desse novo universo mágico e até sobre sua relação com o cinema brasileiro. Confira!
Olá, Jeffrey. Você já conhecia a obra de Tom Holt? Como foi o seu primeiro contato com o universo de J.W. Wells & Co.?
Não, o meu envolvimento com a obra dele começou com o convite para dirigir esse filme. Os direitos dos livros dele foram adquiridos pela Companhia Jim Henson anos atrás, há mais de uma década. Lisa Henson e Blanca Lista estavam desenvolvendo esse projeto muito antes de terem me convidado, para se ter uma ideia. O meu envolvimento começou há uns cinco ou seis anos. Durante esse processo, meu contato com Tom Holt foi mínimo, pois o roteiro já havia sido trabalhado, cada peça estava em seu lugar e o foco dele são os livros, não o filme. Porém, assim que O Portal Secreto ficou pronto e ele teve a oportunidade de assistir, me escreveu uma carta linda, com muitos elogios, afirmando o quanto havia ficado satisfeito com o resultado. Isso, para mim, foi a glória!
Você recebeu alguma diretriz ao ser confirmado como diretor? Ou teve total liberdade em conduzir essa adaptação?
Essas conversas, e foram muitas, acredite, foram feitas lá atrás, ainda durante o processo de escrita e adaptação do roteiro. Fui chamado quando tudo já havia sido questionado e decidido. Quanto ao meu trabalho, que era dirigir essa história, foi fácil, pois estava tudo ali, no papel. Não lembro de nada específico, de nenhuma mudança que Holt tenha solicitado, pois da minha parte foi tranquilo e de acordo com as expectativas.
Vamos falar do elenco. O que buscava para o protagonista Paul Carpenter e como foi a escolha de Patrick Gibson?
Para o papel de Paul Carpenter, buscávamos alguém que tivesse um certo charme, mas nada óbvio. Precisava ser um pouco desajeitado, ter uma estranheza. Começamos pensando no personagem, quem era essa figura? Alguém que tinha recém terminado seus estudos, havia deixado a adolescência há não muito tempo, mas também não era um adulto completo. E a despeito de Patrick Gibson ser um cara legal, que fez vários filmes, era também capaz de se sintonizar nesse tipo de personalidade que estávamos à procura. Um jovem que chega nessa companhia como estagiário e descobre, por causa da sua curiosidade, estar envolvido com um mundo de magia capaz de gerar probabilidades e coincidências. Foi bacana percorrer esse caminho com Patrick ao nosso lado, assim como a Sophie Wilde. Ambos fantásticos, tanto nas partes mais cômicas, como também nos momentos dramáticos.
Bom, acredito que muita gente tenha lhe perguntado sobre como foi trabalhar com o oscarizado Christoph Waltz, e como não ficar vidrado pela presença de Sam Neill, o homem do Jurassic Park, não é mesmo? Mas preciso dizer que sou fã da Miranda Otto desde O Senhor dos Anéis.
Bom, conheço Miranda há muito tempo, sempre fui fã dela. Ela estava no meu longa anterior, também feito aqui na Austrália, chamado Dance Academy: O Filme (2017). E nos Estados Unidos, logo após termos feito O Portal Secreto, filmamos a série O Culto Secreto (2023). Ou seja, me considero com sorte cada vez que tenho Miranda no set comigo. Ela é maravilhosa, e contribui muito com o processo de construção de cada personagem, colaborando com escolhas únicas e bastante apropriadas. Ela é como um amuleto, um prazer e uma descoberta que se renovam a cada encontro.
E o Christoph Waltz? É verdade que ele leva os dois Oscars dele ao set de filmagens?
(risos) Mesmo se ele fizesse isso, tudo seria perdoável, de tão incrível que é estar com ele. Mas, sabe, Christoph chegou até nós em um momento difícil, durante a pandemia de Covid-19. Lembro que teve que ficar isolado em um hotel por duas semanas após ter chegado na Austrália até nos encontrarmos. E por causa disso, o tive à disposição no set por apenas duas semanas e meia. Foi alucinante, pois o intervalo que podia ficar conosco, até ser chamado para outros compromissos já assumidos, era pequeno. Ele é um cara muito solicitado. E mesmo assim aceitou esse desafio, afinal, aparece como dois personagens no filme! Lembro dele ter me perguntado como isso seria possível, e respondi: “olha, já fiz em séries algo intenso assim, então tenho certeza de que daremos um jeito”. E após me ouvir, tudo o que disse foi: “bom, se você consegue, também conseguirei”. Poucas vezes lidei num set com alguém tão profissional, sério e comprometido com o que estava fazendo. Nós o ocupamos praticamente todos os dias em que esteve conosco, sem um minuto de folga, e não houve nenhuma reclamação. Veio para somar. Não poderíamos ter sonhado com nenhum ator melhor para ser o antagonista desta história. Sem falar que também era fã da companhia Jim Henson, ficava o tempo todo encantado com essa magia que eles fazem. Não tenho dúvida que aceitou nosso convite muito mais pela chance de trabalhar com a equipe Jim Henson do que por qualquer outra coisa!
Ouvi falar que Guy Pearce também esteve envolvido com o elenco em certo ponto da produção, confere?
Ah, bom, mas isso sempre acontece. Guy Pearce esteve comprometido conosco por um bom tempo. Mas veja bem, esse é um filme pequeno, se comparado com o grande esquema de Hollywood. Trata-se de um projeto independente, sem estar ligado aos grandes estúdios. Então, ficamos felizes quando alguém se interessa pelo que estamos fazendo, mas nem tudo é tão preciso. Atrasos acontecem, nem sempre o dinheiro surge na hora certa, e planos precisam ser modificados. Fazer um longa como O Portal Secreto se tornar realidade exige mais mágica do que aquela vista na trama! É como montar um quebra-cabeças gigante. Só a pandemia nos atrasou em mais de um ano. Nesse meio tempo, outros compromissos surgiram, e Guy teve que ir embora. Mas faz parte do jogo, a gente entende. E o elenco que acabamos reunindo foi incrível. Estamos muito orgulhosos do que alcançamos, e sabemos da sorte que tivemos em tê-los conosco.
Li em muitos lugares que O Portal Secreto seria o início de “um novo Harry Potter”. Como foi assumir o desafio de transpor esses personagens para o cinema?
Adoraria ter tido o orçamento de um filme do Harry Potter, isso, sim, teria sido fantástico (risos). Brincadeiras à parte, penso que seria fantástico ter a oportunidade de continuar explorando esses personagens e o universo no qual estão inseridos. Mas como disse antes, os direitos são da Companhia Jim Henson, então, em última instância, tudo depende deles. As possibilidades são infinitas. Afinal, como dar sequência ao que vimos até agora? São muitos os caminhos possíveis. Além disso, o retorno que temos até o momento com O Portal Secreto tem sido incrível. Estamos muito satisfeitos.
Mas há algo concreto em relação a uma possível sequência? Se você for convidado a participar, aceitaria?
Da minha parte, está tudo em aberto. Acredito que seja algo que estão considerando. Talvez estejam juntando essas peças, analisando investimentos. Como um segundo filme poderia ser? O que traria de novo, de diferente? É um processo distinto do que acontece com os grandes estúdios, que organizam muito adiante, como uma gigantesca engrenagem. Conosco é mais artesanal, cada passo precisa ser bem estudado, com seus prós e contras. Mas posso dizer, sem hesitar: se me chamarem de novo, serei o primeiro da fila. Adoraria voltar a esse mundo e explorar as possibilidades que um segundo ou terceiro filme permitiriam. Além disso, reencontrar essa equipe, o pessoal do design de produção, dos efeitos visuais… sem esquecer do diretor de fotografia, o lendário Donald McAlpine, que é um verdadeiro gênio. O cara fez Moulin Rouge (2001), tem noção? E trabalhou em vários filmes para crianças, na mesma linha do nosso, como Peter Pan (2003), As Crônicas de Nárnia (2005), Ender’s Game (2013). Sabe, foi uma experiência muito especial.
O Portal Secreto é uma produção da Companhia Jim Henson, e qualquer um que já tenha visto alguma das criações deles sabem o quão criativos eles podem ser. O quão importante eles foram para o visual do filme?
Nós usamos o time criativo da Jim Henson para desenvolver todos os personagens mágicos, digamos assim. Eles que pensaram no visual dessas criaturas, como os goblins. Cada um foi elaborado ao seu próprio jeito, são únicos entre si. Nunca cansaram em me surpreender. Toda escolha de cores, as composições dos cenários, como cada um deveria aparecer em cena, cada uma dessas decisões passou pela Companhia Jim Henson. Claro que opinei, ofereci meu ponto de vista sobre esses aspectos, foi uma relação de muita confiança, pois conheço os grandes filmes que fizeram e como são incríveis em suas realizações. Lisa Henson, em particular, foi um prazer trabalhar com ela. Era a responsável por impor limites, por dizer o que conseguiríamos ou não fazer com o orçamento que tínhamos em mão, mas sempre se posicionava da maneira mais respeitosa e simpática possível. Eu havia dirigido apenas dois longas antes desse, e ambos de dimensões menores. Então, foi ótimo receber esse apoio.
O Portal Secreto é um filme australiano que está, aos poucos, conquistando o mundo.
Você mencionou uma coisa que é importante para nós: esse é um filme australiano. Há tantos talentos da Austrália envolvidos no processo de sua realização que nos enche de orgulho ter tido a oportunidade de ter esse pessoal movidos pelo mesmo objetivo. Há também alguns neozelandeses (risos), mas a grande maioria é da Austrália, o que foi crucial para cada um dos membros dessa equipe. Porém, ainda assim, conseguimos entregar um longa absolutamente internacional, que poderia ter sido realizado na Inglaterra ou em qualquer outro lugar, por exemplo. Aliás, teria sido muito mais fácil se tivéssemos filmado na Inglaterra (risos). Mas, do ponto de vista da indústria australiana de cinema, foi revolucionário o que fizemos. Há três tipos de filmes feitos na Austrália. As grandes produções de Hollywood que decidem filmar por aqui, como Thor (2011). Ou Mad Max: Estrada da Fúria (2015), épicos gigantes que dominam as atenções. Há também aquelas propostas mais tímidas, que falam de questões tipicamente australianas, com orçamentos modestos. Por fim, há uma dose de escapismo, um olhar no mercado, uma tentativa de encontrar um espaço no mundo para os profissionais daqui. É mais ou menos entre essas duas últimas propostas que nós nos encaixamos.
Você já esteve no Brasil? Conhece o cinema brasileiro?
Uau, agora você me pegou. Nunca estive no Brasil, preciso confessar. É uma vergonha, sei. Tenho amigos brasileiros, há uma comunidade de brasileiros muito forte aqui na Austrália, e são pessoas incríveis, com quem adoro conviver. Mas é uma falha no meu itinerário de viagens. Não conheço nada na América do Sul, nem mesmo na América Central. Preciso resolver isso logo. Mas, claro, muita coisa a gente acaba conhecendo através do cinema. Lembro até hoje do impacto que foi assistir ao Cidade de Deus (2002) pela primeira vez. Mas imagino que falar desse filme para você seja um lugar-comum, não? É mais ou menos como se eu lhe perguntasse sobre o cinema australiano e você me respondesse que havia visto Crocodilo Dundee (1986). Mas preciso ver mais, prometo que irei atrás de outros filmes brasileiros, para estar preparado na próxima vez em que conversarmos.
E como você acha que o público brasileiro irá reagir diante de O Portal Secreto?
Realmente espero que gostem. O filme tem tido uma ótima recepção em todos os lugares por onde tem sido exibido. É o tipo de história que tanto as crianças quanto os adultos vão encontrar elementos para se entreter e divertir. Tenho três filhos, de 10, 8 e 4 anos, e todos adoraram quando o viram, mas cada um por um motivo diferente. Acho isso fantástico. Até o mais pequeno, que por vezes se assustou, mas nada que o fizesse desistir, pois estava tão envolvido e curioso com o que iria acontecer a seguir. Essa foi a nossa ideia desde o princípio. E só por estarmos envolvidos com a Companhia Jim Henson sabíamos que esse seria o resultado, esse misto de aventura familiar com boas doses de adrenalina. Torço para que o público brasileiro consiga se conectar na mesma forma como temos visto em diferentes lugares ao redor do mundo.
(Entrevista feita via zoom em agosto de 2023)
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