Eduardo Chauvet nos atendeu para este Papo de Cinema, via telefone, já bastante empolgado. A felicidade, segundo o cineasta, dizia respeito à procura das redes exibidoras por O Renascimento do Parto 2, sequência do filme lançado em 2013. O longa anterior estreou em três salas no país; com este, o número de cópias pulou para 35. Eduardo se disse muito contente com a receptividade do mercado, especialmente à seara documental, comercialmente menos valorizada que a ficção. Alternando o relato de violências obstétricas e testemunhos absolutamente positivos de partos humanizados, o cineasta busca criar um painel amplo da situação da maternidade brasileira, chamando a atenção para um tema pouco debatido socialmente. Na nossa conversa, ele fala do processo de garimpo do material, da necessidade de oferecer uma linguagem cinematográfica diferente e de sua postura como homem diante de temáticas diretamente associadas ao mundo feminino. Confira mais este Papo de Cinema exclusivo.
O que o levou a se interessar pelo tema da violência obstétrica?
Na produção do primeiro filme, recebemos muito acervo. Tivemos acesso a dois mundos completamente distintos, o do parto digno e respeitoso, que pode ser extraordinário, e o do parto violento, que pode ser uma tragédia na vida das famílias. Nas redes sociais há inúmeros relatos de tristeza e angústia relativos ao assunto. Com a parte dois, temos a oportunidade de aprofundar certos temas e tocar em coisas novas. Sentimos a necessidade de abordar essas questões, que não poderiam ficar de fora. Tanto que definimos uma trilogia, em que os filmes se complementam. Há quem identifique uma mudança de tom, e agradeço essa percepção, pois foi intencional. Fazer o feijão com o arroz seria bem mais fácil. Mas, para mim, isso não servia. Pesquisei, fiz novos cursos, me reciclei, corri atrás.
Como se deu o processo de triagem das mães ouvidas, bem como do material de partos previamente filmados?
Temos um trabalho de rede social muito forte. Esses filmes são para todo mundo que nasceu, não exclusivamente às mulheres, exatamente por tocarem em questões sociais, por exemplo, na atuação do Sistema Único de Saúde. Sobre os acervos, eles chegaram do Brasil todo. Os relatos de violência são diversos. Médicos cortam mulheres sem consentimento! Pera aí, de quem é esse corpo, senão da gestante? Existem leis que precisam ser respeitadas, inclusive contra a mutilação do períneo, por exemplo. Como podemos aceitar o descumprimento de uma lei que garante direitos básicos? Queríamos deixar clara essa realidade não amplamente assumida. Tem gente que acha que violência obstétrica não existe. Basta ver o filme para constatar que, sim, ela existe.
É bastante incomum sequências de documentários. Como foi viabilizar isso, artística e financeiramente?
No decorrer da produção de O Renascimento do Parto (2013), percebemos que teríamos de deixar de fora questões fundamentais, como o atendimento público. Então, houve a necessidade do segundo e de um terceiro, com lançamento previsto para setembro de 2018, a fim de dar conta de tudo que tínhamos em mãos. Mas, não somos velozes e nem furiosos, então pararemos no três (risos). Não quero falar de flores, mas utilizar meu trabalho para contribuir com temas relevantes, através de informação de qualidade, com uma linguagem criativa e instigante. Seguirei tal linha após encerrar meu trabalho com essa trilogia.
O documentário combina o horror da violência obstétrica e a ternura dos partos humanizados. Essa alternância de tons era uma intenção sua desde o princípio?
Isso era ponto pacífico desde o principio. O filme possui momentos realmente pesados e angustiantes. No processo de montagem e criação, eu próprio acabei sofrendo. Além disso, não deixo de ser espectador, e me deparei com uma energia muito pesada. Aí, como amo pedalar, pegava minha bicicleta e saia por aí, para desanuviar a cabeça, para entender como trabalhar cinematograficamente aquelas agressões a fim delas ficares minimamente digeríveis. Todavia, importante dizer, O Renascimento do Parto 2 é também sobre violência obstétrica, mas não apenas. Acho fundamental o contraponto da poesia do parto digno e respeitoso. Ele permite que tudo seja, não mais fácil, mas menos difícil. Vivemos em 2018 e na seara do parto parece que estamos na Era Medieval. É incompreensível como isso pode acontecer.
E se alguém lhe disser que esses filmes deveriam ser dirigidos por uma mulher, que você deveria ter cedido seu espaço de privilégio a, por exemplo, uma mãe cineasta?
Na verdade, a voz é das mulheres, a luta é delas. Geralmente são homens, médicos e enfermeiros, que perpetuam a violência obstétrica. Acho interessante um homem denunciar isso, abrir os olhos de outros homens. Já pensei muito sobre. Apesar de ser absolutamente pró-feminismo, sei que não posso falar certas coisas. Fui criado numa família cuja base é o respeito pelo ser humano. Isso está em primeiro lugar. Ademais, a história do cinema está repleta, por exemplo, de cineastas que deram ecos a vozes do morro, sem morar em favelas, certo? Apenas dirigi O Renascimento do Parto 2, mas a voz é das mulheres. Boto para fora o que tenho de melhor em mim, além dessa indignação. Claro que me preocupa a diversidade, do tipo: onde estão as mulheres dirigindo? Cadê os negros ocupando espaços no cinema? Precisamos, evidentemente, ampliar essa representatividade. Reconheço meus privilégios como homem branco que teve acesso à educação. E, por isso, quero utilizá-los para o bem.
(Entrevista concedida por telefone, numa ponte Brasília/Rio de Janeiro, em maio de 2018)
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