Nascido na Suíça, Paulo Tiefenthaler não poderia ser mais… brasileiro! Criado no Rio de Janeiro, é formado em Jornalismo. Trabalhou como repórter, fotógrafo, cinegrafista, assistente de direção e roteirista. Fez de tudo um pouco, até que pontas em telenovelas da Rede Globo e pequenas participações em peças teatrais dirigidas por Domingos Oliveira e Antonio Abujamra estimularam seu lado como intérprete. Criou o personagem Paulo Oliveira para o programa de culinária Larica Total, do Canal Brasil, que foi eleito o melhor humorístico de 2009 pelo júri da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. Isso lhe abriu as portas também do cinema, tendo atuado nos últimos anos ao lado de nomes com Leandra Leal, Matheus Nachtergaele, Luana Piovani, Marcos Palmeira e Dira Paes. Seu ponto de virada, no entanto, veio com O Roubo da Taça (2016), comédia inspirada em fatos reais que lhe rendeu o Kikito de Melhor Ator no Festival de Gramado, além de lhe garantir sua primeira indicação ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro. Foi sobre esse trabalho que o ator conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Como surgiu a parceria com o diretor Caíto Ortiz?
Eu estava há muitos anos sumido como ator. Foi uma época na qual trabalhei como jornalista, diretor, mil outras coisas. Aí veio o Larica Total (2008), que me fez ser ator de novo. O Caíto já tinha ouvido falar de mim, por amigos em comum. E quando me viu no programa, adorou e veio falar comigo. Ele me disse: “você é a cara de duas coisas que quero fazer na minha vida”. Um era (fdp) (2012), a série de televisão com o Eucir de Souza como um juiz de futebol e eu faço o auxiliar e melhor amigo dele. Era um tipo fanfarrão, meio maluco. E o outro, claro, era o Peralta, protagonista de O Roubo da Taça. Tanto um quanto o outro tinham a ver com essa ideia de interpretação que o Caíto tinha visto na minha pessoa fazendo o Larica Total. Ele me encaixou nesses dois projetos dele. Em 2009, nós sentamos para tomar um chope com o Lusa Silvestre, roteirista fantástico de filmes como Estômago (2007), e a primeira coisa que fizeram foram estes dois convites. Eu falei “tô dentro”, na hora. E o melhor: fizemos os dois.
Nesse meio, nem toda promessa se cumpre, pelo jeito…
Nossa, o que ouço de gente me convidando para isso ou aquilo e depois some, não tá no gibi. Mas o Caíto não só fez o que prometeu, como lutou por mim. Ele lutou com a HBO para que eu fizesse o Carvalhosa na (fdp), e também com os patrocinadores para que eu fizesse o Peralta n’O Roubo da Taça. Eu sei que não tenho perfil de protagonista, mas foi ele que acreditou em mim. Pra tu ter uma ideia, queriam o Selton Mello para o meu papel no filme. Ele é um puta ator, meu amigo, gosto muito dele. Mas foi o Caíto que bateu pé e insistiu que fosse eu. Hoje é meu grande amigo, e não me canso em enaltecer a importância dele na minha carreira. E aviso: não vai parar por aí, muita coisa vamos ainda fazer juntos.
Você já havia feito comédia, em A Noite da Virada (2014), e também drama, no Trinta (2014). O Peralta está no meio termo destes dois extremos. Como foi buscar este registro?
Primeiro, tive que resgatar em mim esse Rio de Janeiro, esse carioca Peralta, que já conheci vários em minha vida. E já fui um pouco Peralta também, pois ele é bem Copacabana – morei 25 anos da minha vida naquele bairro! Ele é conhecido pela malandragem, e essa é também uma das decadências do carioca. Ele é tão malandro que consegue dar a volta nele mesmo. Eu to há muito tempo em São Paulo, tava um pouco paulista, então tive que retomar esse lado. Fizemos um trabalho maravilhoso com o Luiz Mário Vicente, que é um ator e preparador incrível, e passamos duas semanas intensas ensaiando. Primeiro, buscando essa intimidade com a Taís, essa química entre o Peralta e a Dolores – era muito importante que eles imprimissem esse casal. Ela tinha que amá-lo, mesmo ele sendo essa figura irresponsável. O Caíto é como eu, apesar de morar em São Paulo também é carioca, e ele também tem esse pé fora do chão. A gente precisa sempre de um produtor ao lado para segurar a onda. E foi assim que criamos esse clima muito forte no set. Queríamos uma musicalidade, era como se fôssemos uma dupla de músicos: a gente tinha que dar o tom do show. E vamos nessa!
Era como se o Peralta baixasse em ti?
Não, comigo não tem nada disso. É sempre você, vivendo aquela experiência. É apenas você, reagindo àquela situação. Se me colocarem uma roupa de padre, antes que me dê conta estarei falando como um padre. E olha que já fui um padre – na série de tevê Amor Veríssimo (2014) – então sei do que estou falando. Você fala no tom da roupa que está vestindo. A Meryl Streep fala muito isso: o personagem é a roupa, o segredo começa pelo figurino. Quando ela fez a Margaret Thatcher em A Dama de Ferro (2011), pra mandar nos 50 ministros só precisava se vestir. Quando você se coloca na situação, a voz já sai mais forte, preparada. “Eu mando nesses caras, e tenho que ser forte como a Meryl Streep”, esse era o meu pensamento.
Mas há outras escolas, como, por exemplo, o Tony Ramos, que afirma não gostar de ensaios. O teu método, portanto, seria o oposto dele, formando o personagem de fora para dentro?
Acho que tem que ter um pouco de cada. Os dois são importantes. Teatro, cinema ou televisão, depende muito de quem você é. No teatro, por exemplo, você consegue que um cara jovem interprete um velho, basta colocar uma maquiagem, uma peruca e vamos lá. No cinema, casos como O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) são muito específicos, você vai ser chamado pelo que é, se é ou não aquele personagem. Então, para isso, tem que pesquisar. Tem que ir a campo, conhecer aquele universo, os trejeitos, os ritmos. Se eu for fazer um político, vou ter que ir a Brasília e circular por aqueles corredores. Só de estar no mesmo ambiente, já vai captando a atmosfera. Tudo, enfim, vira referência. E você começa a trabalhar tudo isso primeiro dentro de você, como pessoa. E depois é que vai para roteiro, conhecer a história. O ator pode colocar várias camadas, ainda que algumas possam não estar no filme, mas estarão nos teus olhos, dentro de você. Depois que você já é aquela pessoa, é que vai saber como falar aquele texto, o jeito de dizer cada palavra. Quando for fazer as cenas, você já é tanto aquela figura que, mesmo em silêncio, a câmera vai captar a essência do personagem. Não tem baixar santo nenhum, tudo é fruto da concentração. Alguns atores são mais espirituais, então fazem suas meditações, mas no fundo todos buscam a mesma coisa. Ao menos é o que penso, claro.
Tem uma cena em que o Peralta tem vergonha de subir na balança por se achar um pouco acima do peso, estando ele em frente à esposa. No entanto, um pouco antes estava correndo pela casa só de cueca. Como é se desnudar em nome do personagem?
Tem aquela velha história da Lucélia Santos, quando foi fazer Bonitinha Mas Ordinária (1981), que ligou para o Nelson Rodrigues para saber como fazer a Maria Cecília. Ela tava morrendo de medo, com receio de errar o tom. E ele respondeu: “Lucélia, se jogue no abismo”. E tchau. Era isso. Quando a câmera liga, você tem que se jogar.
Vamos falar um pouco da parceria com a Taís Araújo. Vocês não são um casal óbvio, mas na tela a química funciona. Como alcançaram esse resultado?
Nós não somos amigos, mas já nos conhecíamos de outras situações. Acho que a primeira vez eu tava como jornalista e a entrevistei, quando ela trabalhava ainda na Rede Manchete. Depois, nunca mais tínhamos nos vistos. E ela me conhecia também, tinha visto o Larica e tal. Quando nos reencontramos, nos abraçamos e “vamos trabalhar?”. Como diz o Caíto, nós dois temos uma cozinha parecida. Os lugares de onde viemos tem muitas coisas similares, de família, origem. A gente se reconheceu muito rápido. Na doçura, no tom, no amor, no carinho. Não nos estranhamos em nenhum momento, ficamos íntimos muito rápido.
A Taís estava há muito tempo afastada do cinema. Como vocês pensaram no nome dela?
Pra falar a verdade, não tenho acompanhado muito a carreira da Taís. Nem sei que outros filmes ela fez. Mas está sempre em novela, a gente a vê em todos os lugares, sabe do talento dela. Então, foi meio que natural. E passamos uma semana antes ensaiando juntos, e isso foi fundamental. Ela tem uma risada gostosa, uma coisa brincalhona. A gente vem de um lugar muito familiar.
O Roubo da Taça é uma comédia escrachada, mas foi além do mero sucesso popular, premiada em festivais e elogiada pela crítica. Vocês esperavam por isso?
A gente sempre espera pelo melhor, né? O Roubo da Taça resgata o espírito das velhas chanchadas italianas, combinado com as grandes comédias brasileiras, porém com uma roupagem nova. Não é um filme datado. Ele é de época, mas é muito atual. E vai na contramão dessas comédias que estão saindo hoje, tipo Globo Filmes, da Ingrid Guimarães, do Leandro Hassum, do Marcos Veras, do Fabio Porchat. É outra linhagem. Essas, geralmente, são apoiadas mais em gags, em uma piada atrás da outra, pra não deixar o público parar de rir. A nossa é uma comédia dramática, não é só o riso fácil. Você não precisa ficar rindo o tempo todo, há um drama ali. A situação é patética, os atores estão entregues. E essa história do roubo é muito ridícula, por si só. Temos uma direção contemporânea, uma coisa orgânica, mas que dá uma mordida no Marcello Mastroianni, no Totò, no Gassman… é uma nova chanchada! Nosso filme mastiga tudo isso, e, ao mesmo tempo, moderniza.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado, Rio Grande do Sul)
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