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Diretora e roteirista, Angela Zoé é fundadora da Documenta Filmes, que é também a sua base de trabalho. Focada no documentário biográfico, foi premiada no Festival do Rio com Betinho: A Esperança Equilibrista (2015), ganhou o Cine PE com Henfil (2017), e agora participa da mostra competitiva de longas brasileiros no 48º Festival de Cinema de Gramado com O Samba é Primo do Jazz, focado na figura da cantora Alcione. O filme teve sua primeira exibição na noite da segunda-feira, 21, e no dia seguinte a cineasta conversou com o Papo de Cinema sobre como foi ter participado dessa versão online do evento, o retorno que tem recebido por parte de quem já assistiu ao filme e como foi entrar no mundo da grande Marrom! Confira!

 

O Samba é Primo do Jazz teve sua estreia no 48º Festival de Gramado, nesse ano em versão online. O que você achou dessa mudança e como foi acompanhar a primeira exibição do filme?
Essa mudança foi um jeito muito bacana que o Festival de Gramado achou para continuar acontecendo. Tem os meus parabéns por não ter sucumbido e ter feito mesmo assim, ainda mais diante desse cenário que estamos vivendo, não apenas de pandemia e quarentena, mas também de desmonte da cultura no país. A alternativa é essa, o online era o melhor dentro do possível. Temos que nos preservar, cuidar da saúde. É claro que adoraria entrar no tapete vermelho ao lado da Alcione, tínhamos até os vestidos separados! Eu lá, de papagaio de pirata, deixando-a brilhar, que é o que merece. Ontem, na primeira sessão, queríamos ter assistido ao filme todos juntos, mas nem isso foi possível. Então, foi cada um na sua casa. Mas no próximo sábado veremos a premiação por zoom, juntos e separados. Afinal, quer sim, quer não, já ganhamos, não é mesmo. Só o fato de estarmos lá, de termos sido selecionados pelo festival, já é uma vitória. Na minha carreira, que é bem longa, ainda faltava Gramado, e só ter entrado, foi muito bom. Uma honra imensa esse convite, e agradeço muito pela resistência do festival de seguir existindo.

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Angela Zoe e Alcione

Após seis anos, essa é a volta dos documentários a Gramado. Você aprova essa combinação, ou prefere mostras separadas, como o É Tudo Verdade?
Acho que não, gosto da mistura. Depois da exibição do filme, tivemos uma conversa sobre essa concorrência, sobre o fato de estarmos na disputa ao lado de obras tão diferentes da nossa. Quem sabe a Alcione ganha como melhor atriz? (risos) Talvez seja uma boa inovação. A vida é arte, seria uma maravilha abrirmos nossos horizontes para outras possibilidades. Acho que são gêneros, orçamentos, narrativas, tudo muito diferente. Não é só uma questão de documentário e de ficção. E concorrer junto com longas de ficção, na mostra principal do festival, significa prestigiar o documentário. Tenho uma carreira extensa, mas até hoje, sempre quando vou lançar um filme, ainda escuto: “ah, mas é um documentário”. Vem cá, documentário não é filme? Não é cinema? Dá até mais trabalho, tem um trabalho de produção incrível. No próprio filme da Alcione, tivemos questões de logísticas muito tensas, só pelo esforço que fizemos para acompanhar a Alcione. Foi muito trabalho envolvido. E também é difícil porque o cuidado é constante, posso botar tudo a perder com uma pergunta apenas, veja você. Claro, estou falando no meu caso, por causa das biografias. Estar concorrendo junto com obras de ficção é uma honra, estou muito feliz e orgulhosa.

 

Você deve ter filmado muito mais material do que aquilo que acabamos vendo em cena. Como foi feita essa seleção do que entraria ou não no filme?
Foi um trabalho de escolha muito difícil. Tenho material para mais três filmes sobre a Alcione, pra você ter uma ideia. A seleção foi criteriosa no sentido de respeitar, de exercer um olhar sempre com muito carinho. Assim como ela abriu a vida dela pra mim, presenciei muita coisa do arco da velha. Ela esqueceu a câmera, e foi muito legal, pois foi também um sinal de confiança. Acabou sendo uma tarefa minha determinar quais seriam os limites, o que iríamos mostrar ou não. Ela é uma diva, e diva a gente respeita. Poderia ter feito um filme todo assim, na picuinha, focando nessas fofocas que fui observando, mas não era o meu interesse. Por outro lado, esse não é um filme laudatório. Não coloquei ninguém pra ficar elogiando, apenas. Todos os que falam são da família, ou muito próximos. Não queria alguém que viesse pra dizer que a Alcione é um máximo, isso todo mundo já sabe. Meu interesse era mostrar uma faceta dela, algo que me incomodava. Ela tem esse vozeirão, mas sempre foi conhecida como uma cantora de samba. Ela é uma potência, é muito mais do que isso.

 

Por que fazer um filme a respeito da Alcione? Ele nasceu como consequência da série Eu Sou a Marrom (2019)? No que uma obra se difere da outra?
Eu estava em Portugal, na ocasião, quando uma pessoa, que não conhecia, me ligou com um convite. Era o diretor de programação da TV Mirante, e queriam que eu fizesse para eles um programa especial sobre a Alcione. Bom, não era meu objetivo fazer televisão, mas topei conversar. Assim nasceu a série, uma obra de encomenda. Esse primeiro contato foi em janeiro, nos encontramos em março. Fomo falar com a Solange, irmã e empresária dela. Só depois é que tive o primeiro contato com a Alcione, e ao conhecê-la, é que decidi fazer um filme também. Fiz a série para atender a esse pedido da televisão. Quando estávamos montando o especial, que são três programetes que estão no youtube, aliás, percebi que já tinha muita coisa, a parte da infância, e foi uma delícia ter feito aquilo. Por outro lado, foi também um exercício para desapegar da Alcione. Procurar alguma outra coisa nela. Do berço ao sucesso? Não queria apenas isso. Quem quer saber disso, basta ir no youtube, no google. O que estava buscando, no entanto, não tinha em lugar nenhum. Por isso fomos por esse caminho, escolhemos um outro recorte.

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Angela Zoe (ao centro, ajoelhada) com Alcione (sentada, de costas), nas filmagens de O Samba é Primo do Jazz

Qual foi o maior desafio que você enfrentou nessa produção?
Absolutamente nenhum desafio, foi tudo muito simples! Por parte da Alcione e da família dela, o que senti foi o contrário, uma confiança irrestrita. Ela me chamava de “essa pequena”, sempre de uma maneira muito carinhosa. Uma coisa que ninguém sabe, e posso comentar contigo, é que tive um problema cardíaco, fui operada, e precisei de quase seis meses de recuperação. Por isso o filme atrasou uns três anos até ficar pronto. Era para ter sido lançado no ano passado. Quando estávamos com tudo pronto para filmar o carnaval, com a homenagem que ela iria receber da Mangueira, tive um problema e precisei ser operada às pressas. Aí o filme mudou. Deixa de ser a Marrom, e passou para O Samba é o Primo do Jazz. Ela foi muito querida, teve uma paciência enorme, e entendeu o meu lado desde o começo. Até hoje se preocupa comigo, pergunta como estou e tal. A gente brinca muito, digo que ela me fez abrir o peito. Mas foi exatamente o que acabou acontecendo, a equipe inteira, perante ela, abriu o peito. Não quisemos nos meter, não direcionamos nada, deixamos a coisa acontecer. Quando vai para a história do jazz, já tínhamos conversado registrada no Maranhão. Você sabe, é muito difícil agendar com ela, a mulher não tem agenda, é bastante caótica. A patroa é a patroa, afinal. Quando não quer, fica difícil, quase impossível. Editei montar uma estrutura de jazz, mostrei essas cenas no iPad. Ela se emocionou, foi muito legal, as lembranças vieram todas. Aí o filme chegou ao ponto que estava procurando.

 

O documentário musical é um subgênero muito forte no Brasil. O que O Samba é Primo do Jazz apresenta de diferente e original dentro desse contexto?
Fiz outros documentários musicais, um sobre o Ary Barroso. Diferente? Primeiro, que este é em primeira pessoa. Você vê muitas vezes a entrevista, o artista fica preso no estúdio. Não sei, comigo é diferente. Acho que tenho uma forma muito pessoa, faço um cinema mais direto. Ela não é documentada, ela é a personagem. Não é “ali está ele, e aqui estou eu”. Não faço isso. Ligo a câmera, e eles viram os próprios contadores. Essa é a minha diferença.

 

Enquanto cineasta, o documentário biográfico é um ambiente no qual você se sente mais confortável? É o que lhe interessa seguir fazendo?
Sim, com certeza. Só sei fazer isso. É da minha natureza, afinal. Tenho uma formação acadêmica ligada a isso, sou formada em História, em Psicologia, estou fazendo uma pós em Neurociência e análise de comportamento. Sou muito mais desse mundo do que do cinema. É o meu trabalho, onde me coloco. As biografias, portanto, cada vez que pego um personagem, que escolho alguém, trabalho muito internamente. Por isso que a Alcione mudou minha vida, realmente abri meu coração. Não era fã, achava brega. Até hoje, gosto dela, mas não da música. Mexeu muito comigo. Viver esse feminino brasileiro, a música de corno. Alcione só entra na casa de alguém quando a mulher se separa, pois se tiver homem por perto, ela não entra. É uma música mela cueca, segundo ela mesma. Isso mexeu muito comigo. Os meus biografados, são pessoas importantes, de um jeito ou de outro, pra mim. O Henfil não escolhi, ele apareceu na minha vida. A Jaque foi uma escolha de coração, o Betinho e o Ary, foram questões de amizade… agora, vem o Di Cavalcante, que será meu próximo trabalho. Uma escolha bem pessoal. No filme da Alcione, queria falar dessa coisa marrom brasileira, e não consegui. Tive que mudar o filme, e fiz outra coisa. Mas ainda quero falar desse Brasil que a gente não fala, que está fora da mídia. Quero mostrar isso pela obra do Di.

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“Alcione é diva, e diva a gente respeita”, diz a diretora

Fale um pouco a respeito do título, O Samba é Primo do Jazz. Por quê dar esse nome ao filme?
O nome da música da Alcione é Primo do Jazz. Ela só fala assim na canção. Quando me dei conta que queria que mostrasse a musicalidade dela, tudo me preencheu. Escuto só Alcione aqui em casa, ninguém mais aguenta (risos)! Dois anos ouvindo Alcione, pra me inspirar. Quando vi o suingue dessa música, vi que era essa! Primeiro, ia ser “som marrom”, depois veio essa. Tem tudo a ver, é a cara dela. Acho que personifica. Hoje em dia, fazer filme é quase uma autoanálise. To ficando velha, não sou de falar muito, de sair. Sou mais recatada. Quando faço um filme, lido com a mesma equipe de sempre, de anos. Vou brincar no meu parquinho, que é fazer filmes. Cinema é a minha hora do recreio. É onde me divirto. Acho que todo mundo tem um documentário dentro de si. Se você pensar bem, é um encontro. Por isso deixo o personagem falar, o filme é deles!

(Entrevista feita por telefone em setembro de 2020)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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