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Ele primeiro surgiu como parte de uma dupla: Marco Dutra e Juliana Rojas, diretores de curtas como O Lençol Branco (2004) e As Sombras (2009), entre tantos outros, que lhes renderam prêmios em festivais como o de Cannes, na França, e Guadalajara, no México. Logo em seguida, estrearam no formato longa, com o suspense Trabalhar Cansa (2011), premiado nos festivais de Brasília, Santa Maria da Feira (Portugal), Havana (Cuba), Lima (Peru), Sitges (Espanha) e Paulínia, entre outros. Estava no hora, no entanto, de voos solos, e após outro filme de gênero, Quando Eu Era Vivo (2014) – que lhe rendeu sua primeira indicação ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro – ele entregou o drama O Silêncio do Céu (2016), talvez o mais latino-americano dos filmes feitos no Brasil nos últimos tempos: diretor e atriz brasileiros, ator argentino, e filmado inteiramente no Uruguai, além de ser falado, em sua grande parte, em espanhol. Por esse trabalho, indicado em 5 categorias do 22o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro – inclusive a Melhor Filme – Dutra voltou a concorrer como Melhor Direção, e ao lado justamente de sua grande parceira – Juliana Rojas foi indicada, no mesmo ano, por Sinfonia da Necrópole (2014). E foi sobre este trabalho que o cineasta conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!

 

Marco, como surgiu a possibilidade de fazer um filme tão latino-americano – realizador brasileiro, ator argentino, filmado no Uruguai – quanto O Silêncio do Céu?
O roteiro original se passava em Buenos Aires, baseado em um livro argentino, e havia sido escrito por dois argentinos: a Lucia Puenzo e o Sergio Bizzio. Só que quem o havia encomendado era o Rodrigo Teixeira, que tinha os direitos do livro. E, quando entregaram para ele, ficou meio esquecido, durante um tempo, até que me entregou e disse: “leia isso aqui que acho que você vai gostar”. E ele estava certo. Não só gostei, como queria trazer para o Brasil, filmar em São Paulo. Só que, durante essa discussão para adaptar, percebi que estávamos matando muito da energia natural do roteiro. Não tava funcionando a transição. Foi quando decidimos manter em espanhol, e por motivos de facilidade de produção, optamos por Montevidéu. Mas foi tudo bastante simples, até porque é uma cultura muito próxima da nossa. Como o projeto, como um todo, tinha muito sangue brasileiro, fomos revendo, aos poucos, onde poderíamos entrar com elementos brasileiros na história. Foi disso que resultou esse tripé, entre Brasil, Argentina e Uruguai. Isso se percebe muito claro no elenco, com a Carolina Dieckmann, que é brasileira, o Leonardo Sbaraglia, argentino, e a Mirella Pascual, que é uruguaia, por exemplo.

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Marco Dutra (ao centro), com o ator Leonardo Sbaraglia

Como chegaram aos nomes dos dois protagonistas, o Leo e a Carol?
O Leo já fazia com o Rodrigo O Hipnotizador (2015-), a série da HBO, que também foi filmada no Uruguai. Então, o nome dele surgiu logo no começo, só que eu não o conhecia. Então ele foi até São Paulo, e tivemos uma ótima conversa. Posso dizer que a empatia foi imediata. É claro que já conhecia o trabalho dele, principalmente em Plata Quemada (2000) e Relatos Selvagens (2014), entre outros filmes dele que já havia visto, então, considerando que estávamos mantendo o filme em espanhol, era uma escolha e tanto. Quanto à Carolina, pensamos em diversos nomes, inclusive no dela. Acontece que ela teve uma reação muito boa ao ler o roteiro, só que foi o contrário: ela queria nos conhecer. Tipo, ela queria nos testar, para ver se embarcava ou não no projeto. Isso, claro, porque o papel dela é muito complexo, envolvia coisas muito difíceis que ela teria que fazer, e precisava haver uma relação de confiança. Então nós fomos até o Rio de Janeiro conversar com ela. E foi incrível, percebemos que estávamos, todos, numa mesma sintonia de intenção, de desejo, de vontade de fazer o melhor filme possível.

 

Como foi a relação com a equipe uruguaia, já que vocês filmaram lá?
Foi ótima. O Santiago López, que é o produtor uruguaio do filme, é um cara muito legal. Ele trabalha nesta empresa, a Oriental, que faz muita publicidade no Uruguai, mas está começando a fazer dramaturgia também. Sinto que há um desejo muito forte por lá de se fazer cinema. Por causa da publicidade, já possuem uma pequena indústria, estão bem aparelhados em termos técnicos, de equipamentos, e também com profissionais experientes. Só que não havia muito investimento no cinema, que é algo que, aos poucos, está crescendo. As pessoas de lá com quem trabalhamos foram incríveis. O Pedro Luque, nosso fotógrafo, é fenomenal, foi imprescindível a parceria com ele. E a diretora de arte, a Mariana Urriza, também é uma gênia.

 

É interessante o modo como vocês exploraram a cidade, pois em cena está uma Montevidéu que não é óbvia, aquela dos turistas. Como foi a escolha das locações?
O primeiro dia em que estive no Uruguai para visitar locações, conheci o viveiro. Na hora, já disse: “é isso, não quero ver mais nada”. Tentaram me levar a outros lugares, mas insisti: queria aquele lugar. E, felizmente, conseguimos. É uma locação impressionante. Queria que as coisas fossem grandes, que tivessem um ar épico, trágico. No roteiro não ficava muito claro se era uma lojinha, uma floricultura, então optei por espaços maiores, com horizontes, para poder trabalhar o vazio nos quadros dos filmes. O que fiz foi entender Montevidéu.

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Leonardo Sbaraglia e Carolina Dieckmann em cena de O Silêncio do Céu

Você já a conhecia?
Não. Fui para fazer o filme, foi minha primeira vez no Uruguai. Por isso vi que seria preciso mapear toda a cidade, estudar bem aquele local. Fiquei morando lá, e mapeei a cidade pelos personagens: o casal seria nesse bairro, o viveiro naquele outro, e assim por diante. Um estava na Cidade Velha, outros em Carrasco, uns na periferia. Não queria usar muito o rio, por exemplo. Ele aparecia somente ao fundo, distante. Acho que essa é uma sensação que se tem em Montevidéu.

 

Muitos comentam que O Silêncio do Céu se parece mais com o cinema argentino do que com o brasileiro. Você tentou emular algo neste sentido?
Não de forma consciente. Talvez seja meio inevitável, por conta da língua, ou pela presença do Leonardo, que é um dos grandes atores argentinos. Gosto, mas não sou dos mais entusiastas dessa coisa da bandeira do cinema argentino. Gosto muito da Lucrécia Martel, de alguns filmes do Pablo Trapero. Mas minha preferência pelo cinema argentino é pontual. Não tenho como referência imediata, não.

 

Uma curiosidade do elenco é a presença do Chino Darín, filho do grande Ricardo Darín. Como vocês chegaram até ele?
O Chino também havia feito O Hipnotizador com o Rodrigo. Então, já tinha esse contato. E ele casava muito bem com como eu visualizava o Nestor. No roteiro, os chamávamos de Rapado e Rubio, Nestor e Andrés entrou só depois. E o Rapado era muito o Chino. Minha única exigência era que ele raspasse o cabelo. Pois essa é a maneira como o marido descreve os estupradores no livro: um tinha cabelo raspado, e o outro era loiro. E ele topou a caracterização. Só tinha algumas questões quanto ao personagem, que tem um certo autismo. Essa foi uma configuração minha, eu o dotei deste certo vazio. A gente queria trabalhar esse tipo de olhar, de um desejo meio mórbido, e não quente. Foi muito legal trabalhar com ele. Desenvolvemos, juntos, certos trejeitos, a forma de posicionar o braço, de estar sempre reto. Com ele e com a Mirella, trabalhamos muito a questão do corpo com os dois.

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Chino Darín, em cena de O Silêncio do Céu

O Silêncio do Céu é bem diferente dos teus dois longas anteriores, o Trabalhar Cansa (2011) e o Quando Eu Era Vivo (2014). O que ele representa na tua evolução como cineasta?
A cada filme que faço, aprendo muito. É a escola da vida, que é eterna. Acho que esse terceiro se beneficiou muito do meu aprendizado com os outros dois longas. A gente teve mais tempo para fazer, por exemplo. O Quando Eu Era Vivo, para se ter ideia, fizemos em três semanas, algo que já falei para o Rodrigo que nunca mais – é muito traumatizante. O Silêncio do Céu fizemos em quase cinco, foi bem mais tranquilo. É natural ter esse aprendizado. Porém, uma coisa que esse filme tem de diferente é que ele não tem o elemento fantástico ou do sobrenatural. E isso foi bom, quando li o roteiro foi algo que me atraiu. Não tinha vontade de fazer o mesmo filme que há havia feito antes. Foi uma mudança de ares muito boa. Uma nova língua, uma outra equipe, uma cidade totalmente diferente.

(Entrevista feita ao vivo em Gramado, Rio Grande do Sul)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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