Diretor e produtor de cinema, Lula Buarque de Hollanda é um dos sócios da Conspiração Filmes, uma das realizadoras audiovisuais mais ativas no cenário cinematográfico nacional. Seu primeiro contato com a sétima arte de modo profissional foi como coordenador de pesquisa num projeto de Joaquim Pedro de Andrade, a adaptação de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. Ainda que depois de 18 meses de trabalho a iniciativa tenha sido cancelada por falta de recursos, foi suficiente para motivá-lo a seguir na área. E depois de se debruçar por documentários históricos e musicais e até numa das afamadas incursões do grupo humorístico Casseta & Planeta pela tela grande, ele está de volta às telas neste ano com o suspense O Vendedor de Passados, recentemente exibido – e premiado – no XIX Cine PE, em Recife. E foi sobre esse mais recente longa que o cineasta conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Para começarmos, o que o motivou a contar a história de O Vendedor de Passados?
Li o livro e me apaixonei pela ideia de uma pessoa que com esse tipo de atividade, ou seja, vender passados, A história original se passa em Angola, e propus ao autor do romance trazê-la para o Rio de Janeiro. Ele concordou na hora, acho que tinha tudo a ver, e começamos os trabalhos! Pensamos em quem precisaria de um passado no Brasil. Na verdade é essa coisa muito humana, transformar o que já passou, e trazendo esse personagem para a nossa realidade trouxemos também questões sentimentais minhas, como relacionamentos, por exemplo. Acabou sendo uma jornada bastante pessoal. Afinal, porque esse cara acaba se apaixonando? Como as personas em geral se apaixonam hoje em dia? Nessa história, o protagonista vive num mundo de mentira, pré-fabricado, até que é atropelado por aquele furacão, que é a Alinne! É quando as coisas começam a mudar, portanto.
Você acha que uma atividade como essa poderia existir na realidade?
Acho que já está acontecendo, no sentido que as pessoas criam vidas próprias nas redes sociais, por exemplo. O mundo virtual é muito propenso a esse tipo de “mentira branca”, digamos. Ninguém publica tudo, só coloca ali o melhor, e muitas vezes é algo que nem acontece, é forjado, só para que os outros vejam. Se tornou muito fácil inventar novas realidades. Estamos fazendo sempre contando a nossa dos fatos, mas nunca a verdade como um todo.
Como foi a escolha do elenco? Por quê Lázaro Ramos e Alinne Moraes como protagonistas?
O nome do Lázaro este presente desde o início, o filme teria que ser com ele, pois de outra forma não aconteceria. Ele já conhecida o livro, e seu envolvimento foi tanto que acabou assinando também como produtor associado. Foi um super parceiro, que mergulhou de cabeça, discutiu o roteiro, participou de um mês de ensaios, muito colaborativo, entrou de corpo inteiro na história. Já a Alinne a conhecia desde O Homem do Futuro (2011), que também foi da Conspiração, e foi quando tivemos um primeiro contato. Adoro ela naquele filme, e quando tive a ideia de convidá-la, assim que que recebeu o roteiro se apaixonou. São dois personagens muito desafiadores, e os atores perceberam isso, ficaram muito empolgados. Foi um processo muito bacana, todo mundo envolvido com paixão pela história.
O Vendedor de Passados passou recentemente pelo XIX Cine PE, ganhando inclusive dois prêmios, entre eles o de Melhor Ator. Você esperava esse tipo de recepção?
Na verdade, foi muito gratificante. O Cine PE mudou neste ano para o Cinema São Luiz, que é um lugar enorme, com 950 lugares, e a sessão estava lotada. Isso nos deixou felizes, é claro, mas também preocupados, pois tudo tinha que sair certo. No final deu tudo certo, o filme foi muito bem recebido, e esse abraço que o festival nos oferecer deixou a todos nós muito contentes. Um festival como o Cine PE tem como proposta misturar muitos estilos de filmes, alguns são mais artísticos, tem documentário, as linguagens são muito diferentes. E o meu filme tem objetivo de atingir o público também, não queremos ficar restrito a só um tipo de espectador. É uma narrativa inspirada no cinema argentino, aquele clima de conversa de bar, discorrendo sobre problemas contemporâneos. Não temos como estipular expectativas de bilheterias, não dá pra trabalhar assim. Mas o que desejamos é conseguir tocar as pessoas, e acho que isso nós conseguimos. O Cine PE é um espaço muito democrático, e a experiência toda foi incrível.
Um dos seus primeiros filmes foi A Taça do Mundo é Nossa (2003), com o Casseta & Planeta. Até O Vendedor de Passados foi um longo caminho e muitas mudanças. Como você analise essa sua trajetória cinematográfica?
Fui estudar cinema no EUA, fiz minha pós-graduação lá. Depois voltei para o Brasil decidido a fazer qualquer tipo de cinema, pois experiência nunca é demais. Descobrimos, eu e meus sócios da Conspiração, que no Brasil não havia uma indústria sólida. Fiz produção, publicidade, trabalhei com outras pessoas. Do ponto de vista artístico, cada filme é uma aventura. O Pierre Verge: Mensageiro Entre Dois Mundos (2000) foi um grande aprendizado, e dali fui com o Gilberto Gil para Benin, África do Sul, El Salvador. O resultado foi o Kaya N’Gandaya (2002), que já tinha uma pegada completamente diferente. Com o Casseta e Planeta a proposta era outra, queria me aventurar pelo universo da comédia, que era algo que não havia feito até então. Partimos da ideia de que seria um trabalho à parte do que faziam na televisão naquela época, o que foi muito ousado, e mesmo assim tivemos quase 800 mil espectadores, então acho que conseguimos nos comunicar com um outro público. Cada cineasta tem sua história, cada filme é uma nova aventura, e estou recém começando a construir a minha. O Vendedor de Passados é só mais um passo neste caminho.
(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo em maio de 2015)