Não é de hoje que o cineasta francês Georges Gachot utiliza o cinema para fazer verdadeiras declarações de amor à musicalidade tupiniquim. São dele os documentários Maria Bethânia: Música é Perfume (2005), Nana Caymmi em Rio Sonata (2010) e O Samba (2014). Em comum, o olhar apaixonado desse europeu especializado em música clássica. Agora, ele lança Onde Está Você, João Gilberto? (2018), longa-metragem centralizado na busca de pistas sobre o criador da Bossa Nova. O itinerário de Georges é guiado por uma empreitada similar no passado, levada a cabo pelo escritor alemão Marc Fisher, autor do livro HO-BA-LA-LÁ – À Procura de João Gilberto, precocemente falecido. De passagem pelo Rio de Janeiro para fazer a sessão de pré-estreia – ocasião em que se fizeram presentes Roberto Menescal, João Donato, Miúcha, entre outros nomes maiúsculos da Bossa Nova –, Georges conversou com o Papo de Cinema acerca desse processo de investigação, pessoal e cinematograficamente falando. Confira.
Qual a maior dificuldade para realizar este filme, visto que há um percurso logístico e emocional complexo?
O mais difícil foi ter minha presença física no filme. É a primeira vez que faço isso. Difícil aceitar a própria figura, se ver durante todo o processo de edição, por exemplo. Foi bem complicado. Nesse sentido, minha editora Julie Pelat ajudou demais. Aliás, o processo de edição foi bem longo, durou cerca de um ano e meio. Mas, voltando, ela ajudou realmente a me aceitar dentro da estrutura, até porque no documentário utilizo o que estou sentindo em relação à procura do Marc Fisher. O roteiro foi escrito quase como uma ficção.
A relação com a busca pregressa do Marc se intensificou durante a realização do filme?
Durante o trabalho essa relação foi se intensificando, com certeza. Mas, claro, desde o início me identifiquei muito com caminho de Marc. Ele ficou nesse processo de procura durante não mais que dois meses. Eu já perambulo pelo Brasil desde o começo de 2003. Durante o trabalho me aproximei mais dele, mas já tinha essa ligação desde a escolha das partes do livro.
Em algum momento você se viu frustrado?
Sim, com certeza. O filme foi realizado em três vezes. Após a segunda vez, voltei a Paris e comecei a editar. Faltava o fim, e o início não estava bom. Tentei de várias formas encontrar o João Gilberto. Tentei convencer a Miúcha a levar um gravador até a casa dele. O cenário nos dava muitas possibilidades, algumas não aconteceram, outras se realizaram. Na verdade, eu não queria entrevistar o João Gilberto.
Então, qual era o seu desejo?
Meu desejo realmente nunca foi entrevistá-lo. Tenho uma relação de proximidade com a música clássica. Gostaria de falar com ele sobre Mozart, Bach, talvez. Na minha filmografia, já encontrei muitos artistas complicados, reclusos, que não querem falar. Alguns deles nunca haviam dado entrevistas, como recentemente a pianista argentina Martha Argerich. Tive com ela o primeiro bate-papo, nem foi entrevista. Em relação ao João Gilberto, esperava mais ou menos isso. Meu único desejo concreto era que ela tocasse o Ho Ba La La para o Marc Fisher.
O filme resolve, para você, a questão João Gilberto?
Este é um filme sobre duas pessoas que gostam muito da arte do João Gilberto, que ofereceram boa parte das suas vidas, inclusive se arriscando, para encontra-lo. O documentário é para todos esses entusiastas que, em algum momento, pensaram em encontrá-lo. Só isso. É um filme sobre a saudade, na verdade, a respeito de uma coisa que nunca vai acontecer. Mas, o importante nele é apresentar esses caminhos.
Sem spoiler, mas o que você sentiu no plano final do filme?
Foi muito forte. Muito forte. Essa experiência vai ficar no meu coração. A vontade de encontrar o João Gilberto me levou a fazer tudo isso. Até o último dia de filmagem eu esperava encontra-lo. Naquele momento – que a gente não vai entregar aqui – estava realmente bastante nervoso. Aliás, não quero mais falar sobre isso, justamente para não entregar o que acontece (risos).
(Entrevista concedida ao vivo, no Rio de Janeiro, em agosto de 2018)
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