O maior pecado que um crítico de cinema pode cometer é colocar-se acima dos filmes, como imediato superior ao objeto de sua observação. O verdadeiro crítico tampouco se regozija em escrever linhas repletas de apontamentos pejorativos, como muitos tendem acreditar. Para além da cotação graficamente representada por estrelas, números ou qualquer outra maneira reducionista de análise, a ele cabe essencialmente tentar traduzir a obra ao espectador, tendo sua erudição e sensibilidade como filtros. Escrever sobre cinema é também uma forma de fazer cinema.
Certo da contribuição deste profissional para o desenvolvimento da arte fílmica – já que nada cresce sem discussão e embate de ideias – inicio esta série muito especial de entrevistas com críticos de cinema. Foram propostas as mesmas questões a todos, e elas pretendem oportunizar pequenas reflexões sobre o ofício, a qualidade do pensamento contemporâneo e as subjetividades dos que buscam iluminar esta arte “divina e maravilhosa”.
Algumas destas conversas aconteceram ano passado, e serão aqui reproduzidas. Uma série de inéditas, com as mesmas perguntas, já está em andamento. A primeira é com nosso editor Robledo Milani, um dos grandes responsáveis pela ascendente representatividade do Papo de Cinema, já nascido o maior portal online de cinema do Rio Grande do Sul.
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Robledo Milani é crítico de cinema, formado em Comunicação Social pela UFRGS. Já teve textos publicados em jornais, revistas e em diversos sites pela internet, além de ter trabalhado em rádio e em televisão. Diretor da Phosphoros Novas Ideias, Robledo Milani é também membro fundador da ACCIRS, Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e associado à Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE).
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Como nasceu em você a paixão pelo cinema?
A paixão pelo cinema surgiu desde pequeno, quando minha avó materna costumava me levar para passar as tardes conferindo grandes filmes. Nesta época, dos meus 8, 10, 12 anos de idade, lembro de ter assistido obras como O Último Imperador, Sociedade dos Poetas Mortos, As Bruxas de Eastwick, The Doors… Foi ali que tudo começou.
Qual é o sentido de ser crítico nos dias de hoje?
Creio que o crítico, além de ser mais uma opinião dentre tantas, ele deve se posicionar como aquela opinião que faz a diferença. Hoje, principalmente com o advento da internet, todo mundo opina. Todo mundo “curte”, “marca” e “compartilha” algo. Mas poucos realmente criam algo novo. O Crítico deve se posicionar de modo a ajudar o espectador a fazer daquela sessão de cinema algo único, inédito. Todo crítico possui uma opinião, é claro, mas essa deve ser embasada em muitos outros argumentos, e nunca se esquecer de qual é o propósito final de cada filme e o que aquele público irá pensar.
Qual sua posição frente a nova crítica de cinema, que germinou na era dos blogs e das revistas virtuais?
Como disse, hoje é muito fácil se dizer Crítico de Cinema. Só que a grande maioria dos que estão espalhados pela internet mal conhecem a língua portuguesa direito. Portanto é muito importante saber diferenciar o que conta, o que possui conteúdo e argumentos de verdade daqueles que são apenas mais um dentre tantos, sem nada de real a acrescentar.
Como vê o academicismo de certas linhas de pensamento na crítica cultural? Acredita que a dissecação de um filme, tornando a análise o mais objetiva possível, tende a enfraquecer a importância da análise subjetiva?
Acredito que as duas linhas de pesquisa sejam importantes. É fundamental nunca esquecer que o crítico é também um espectador, e como tal possui uma opinião pessoal. A análise subjetiva vai muito por esse caminho, pelo que simplesmente gostamos ou não. Mas há mais, detalhes que são revelados apenas através do estudo, da pesquisa, da análise. O conjunto destas duas forças formam um bom crítico.
Quais são seus críticos de cinema favoritos? Os de outrora, que influenciaram ou ainda influenciam seu trabalho, e os de agora, que acredita sustentarem com talento a causa da crítica de cinema.
Um dos melhores críticos de cinema, que ainda está em atividade, é o americano Roger Ebert, que inclusive ganhou o Prêmio Pulitzer por seu trabalho. Ele é genial, pois sabe olhar cada filme tanto com distanciamento como também com a paixão necessária de um cinéfilo de verdade. No Brasil, aprecio muito o texto da Isabela Boscov (Revista Veja), apesar de muitas vezes discordar do que ela pensa.
É célebre a história de Antonio Moniz Vianna parou de escrever quando da morte de seu maior ídolo, John Ford, pois acreditava que nada tinha mais a acrescentar como pensador diante da crise criativa contemporânea. Qual diretor cuja morte já lhe provocou semelhante desalento?
Isso nunca me aconteceu. Mas é sempre bom revisitar grandes realizadores. No ano passado, em função de um workshop que ministrei, me debrucei sobre a obra de Steven Spielberg, e descobri um artista que ia muito além daquela ideia pré-concebida que eu tinha a seu respeito. Quando olha o conjunto dos trabalhos de um mesmo cineasta podemos ter uma visão mais apurada do que lhe estimula e do que realmente é válido para ele.
A perda de espaço de textos críticos nos veículos impressos é sintoma da falta de interesse público, ou a busca ávida dos veículos pela adequação a tempos de pouca reflexão?
O jornalismo impresso, como um todo, está em crise. As redações estão cada vez menores, e os jornalistas especializados em um único assunto são uma raça em extinção. O que acontece com os críticos de cinema é só mais um reflexo deste quadro geral, e não um ponto isolado. Tudo está mais ágil, dinâmico, fugaz e vazio. E quem mais sofre é o conteúdo. Não se tem mais tempo para tudo que nos é oferecido constantemente.
Discutir “comércio versus arte” ainda é válido quando percebemos qualquer cinematografia?
Cinema é arte, mas também é indústria. Uma realidade é indissociável da outra. O cinema brasileiro sofre com isso porque não aceita essa realidade. Realiza obras faraônicas, extremamente caras, mas que chegam às telas já pagas, pois foram feitas a partir de leis de incentivo. Ou seja, são verbas de impostos que se transformaram em cinema. Mas não por nossa opção, e sim por escolha dos empresários e por anuência do governo. Assim, não importa quem veja ou não tal filme – ele já foi pago. E quando não há preocupação com o espectador final, o realizador faz o filme apenas para si mesmo. Uma massagem de ego muito cara.
Como vê o cinema brasileiro atual?
Muito dessa pergunta está na resposta acima. O cinema brasileiro está em crise. Ninguém gosta dos filmes feitos aqui. A cada ano são feitos cerca de 100 novos filmes em todo o Brasil, e é difícil encontrar 5 deles realmente ótimos, acima de qualquer “porém”. E isso é sintomático do cenário atual. Os cineastas brasileiros são movidos a egos inflados, preocupando-se apenas com o que eles gostam, sem se apoiar em um estudo mais apurado que reflita os desejos da platéia. Mas também não se deve apenas agradar. Deve-se, também, ensinar. Nunca subestimar a inteligência do espectador. Dessa forma, todos crescem juntos.
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