Roberto Santucci e Paulo Cursino formam uma das duplas mais bem-sucedidas no cinema brasileiro atual. O primeiro é diretor e o segundo é roteirista de nada menos do que dez das maiores bilheterias produzidas no país. E, não por acaso, são todas comédias. A sintonia entre eles começou com De Pernas pro Ar (2010), que teve mais de 3 milhões de espectadores, e teve como auge De Pernas pro Ar 2 (2012), com mais de 4,8 milhões de espectadores. Outro fenômeno foi a trilogia Até que a Sorte nos Separe, que já somou mais de 8,2 milhões com seus três filmes. Agora, estão de volta em cartaz com mais uma novidade: Os Farofeiros, que estreou na primeira semana de março e em menos de um mês já chegou a quase 2 milhões de ingressos vendidos. E foi para saber mais um pouco sobre qual a receita de sucesso dos dois que a gente conversou com eles, num bate-papo inédito e exclusivo. Confira!
Vamos começar falando um pouco sobre essa parceria de vocês. Este é o décimo filme que trabalham juntos, certo?
Paulo Cursino: Sim, já são dez filmes juntos.
Roberto Santucci: Tem um que o Paulo não assina, mas esteve presente também. Foi o Loucas pra Casar (2015).
PC: Sim, no Loucas pra Casar fiz apenas uma consultoria de roteiro.
Como é o sistema de trabalho entre vocês?
PC: A gente troca muito. Normalmente, o que acontece é que chego com uma loucura e o Santucci vem e duplica a ideia. Por exemplo, no caso d’Os Farofeiros, pensei que a piscina poderia render algo. Daí ele veio e disse: “quero jogar essa mulher”. E eu: “ok, você é o diretor, vamos pensar num jeito de fazer isso”.
RS: O bom é que numa situação como essa a gente nem precisa consultar o elenco. Tipo, com a Dani Winits, ela já é do grupo. Ela entra nas nossas roubadas de cabeça, sem nem pensar duas vezes.
Pois então, Os Farofeiros é o terceiro filme que vocês fazem com a Danielle Winits.
RS: Ela é queridaça. A gente adora ela, e temos certeza que ela adora a gente também (risos). É amiga, parceira mesmo, do que tipo que a gente liga e diz: “Dani, temos um filme pra você”. E a resposta é: “to dentro”.
Mas o segredo está entre vocês dois, então?
PC: A gente dá certo porque ouvimos muito um ao outro, o tempo todo. Por exemplo, a ida até a praia, originalmente, seria com o Mauricio Manfrini dirigindo uma towner. Só que quando o Roberto chegou na locação, me disse: “puxa, aqui tem uma caminhada legal, até com uns cactos lá na frente que podemos explorar”. Quem sou eu para tirar um barato como esse do diretor? Então é “vambora”, e vou mexer no roteiro para incorporar essa nova ideia. Vamos fazer piada em cima disso. E ele deitou e rolou.
RS: O problema vem depois, se decido cortar uma coisa dessas de última hora, ele tá sempre de olho e já grita “não pode cortar” (risos). Estamos sempre negociando.
PC: Acho que essa troca que existe entre a gente, de muito respeito pelo trabalho um do outro, de colaboração mesmo, é o que funciona. Não vou dizer que a gente não tem apego – tem piadas que brigo mesmo por elas, e ele também! Às vezes, chegamos às vias de fato! Mas o espírito é sempre pra fazer o melhor filme possível.
Paulo, um filme que você fez sem o Roberto foi o Divórcio (2017), que foi o produtor chegou com a ideia pra te propor. E com Os Farofeiros, como foi o processo?
PC: Foi o seguinte. Quando fizemos o Até que a Sorte nos Separe 2 (2013), tinha um pequeno trecho dentro do filme em que o Leandro Hassum pegava o carro com a família e se perdia em Las Vegas, nos Estados Unidos. E o garotinho, no banco de trás, ficava naquela: “pai, já vamos chegar? Quero fazer xixi! To cansado” e tudo aquilo. E era a parte que o público mais rolava de rir. Ria muito, mesmo. E o Santucci falou: “tá rolando uma identificação forte”. Daí pensamos: “por que não fazer um filme a partir disso, só sobre essa parte engraçada?”. Vamos brincar com isso. Mas se seria um filme de férias, teria que ser o Férias Frustradas (1983) brasileiro. Ou seja, tinha que ter tudo aquilo para o espectador brasileiro se identificar. Queremos sempre fazer um filme em que o cara que vai ao cinema possa se ver na tela. Veja o exemplo do Paulo Gustavo, que fez um filme sobre a mãe. Porque as pessoas gostam? Porque mãe todo mundo tem, não é mesmo? Esse foi o nosso caminho. E ao juntar férias com identificação, o que temos? Farofa. Quem nunca farofou?
A proposta foi aceita de imediato?
PC: Sempre que a gente falava sobre isso com os produtores, com o elenco, até com os nossos amigos, todo mundo surgia com uma história nova a respeito para contar. Cada um tinha a sua própria ‘roubada’. E porque esses casos não são contados? No final das contas, sobrou material de pesquisa, piada, cenas que tivemos que cortar… o material que juntamos era muito abundante.
Tanto que vocês já estão falando sobre continuações, não é mesmo?
PC: Sim, vai ter. Material pra isso a gente tem. O mais importante para gente, no entanto, era saber se os personagens estavam funcionando. E foi uma satisfação imensa ver esse elenco. Todo mundo se encaixou muito bem. Veja só, lá no começo ainda não sabíamos que a Cacau Protásio iria participar. Não sabíamos da agenda dela, chegamos a pensar também na Fabiana Karla, e até em outros nomes. O Mauricio Manfrini também não tava muito certo. Ele queria fazer o filme dele, sobre o Paulinho Gogó – que vai rolar, já aviso. Então, foi só quando fechamos com todo mundo é que voltamos para o roteiro, pois queria a linguagem de cada um. Tinha que fazer esses ajustes. E aí é aquela coisa: nunca havia escrito para o Maurício, nem para a Cacau. Só que eles são tão geniais no que fazem, na comunicação deles, que facilitou muito. Com a Cacau, por exemplo, ela só precisa dar um “oi” que todo mundo cai na risada. Metade do trabalho já tá feito.
Então é certo que teremos mais farofeiros no futuro?
PC: Com certeza. No que depender da gente, ao menos, vai ter muita farofa ainda.
RS: Depende, na verdade, só do público. Se confirmarem nossas expectativas nas bilheterias, então teremos mais. As expectativas são altas.
Roberto, até o Um Suburbano Sortudo (2016), você estava fazendo de dois a três filmes por ano. Agora foi um intervalo de dois anos até voltar com Os Farofeiros. Era preciso dar uma parada para uma reciclagem pessoal?
RS: Eu parei, na verdade, por um ano. Voltei a filmar no ano passado, mas leva tempo até tudo ficar pronto. Mas esse período foi uma tentativa de fazer alguns projetos um pouco fora do que estava acostumado. É uma coisa que o Cursino também tá querendo fazer. Comecei a escrever um roteiro de um filme policial, por exemplo, que segue rolando em paralelo. Temos um projeto de um filme sobre o Mussum, também, que deve sair ainda nesse ano. Vai ser um drama, tem também humor, mas é um estilo de filme diferente. Vai ser baseado na biografia Mussum Forevis, do Juliano Barreto. Pensamos em fazer um filme de baixo orçamento, para se arriscar mais. Acho que é necessário, às vezes, sair um pouco para experimentar coisas diferentes. Durante esse ano eu tinha um projeto de coração que queria muito tentar fazer, tirei esse tempo para escrever, mas não consegui. Mas segue vivo, um dia sai.
PC: Tem filmes que demoram mesmo para sair. O próprio Divórcio, que falamos há pouco. Quando o Tubaldini, autor do argumento, me chamou para escrever o roteiro, a gente estava lançando Odeio o Dia dos Namorados (2013). Olha quando tempo se passou até ficar pronto, uns quatro anos! Cada projeto tem o seu tempo. Uns saem muito rápidos, outros não.
E como vocês qualificariam Os Farofeiros, em relação a isso?
PC: Foi relativamente rápido. Só demorou um pouco porque o Até que a Sorte nos Separe 3 (2015) acabou entrando na frente dele, para ser produzido antes. A Odete Damico, minha parceira, começou a trabalhar num primeiro tratamento – ela é uma excelente humorista, uma ótima piadista – enquanto fazíamos o outro filme. Cheguei depois, para fazer uma espécie de redação final. Acertar personagens, ajustar algumas cenas. Coisas desse tipo. Foi quase um ano nisso. Depois veio a questão do elenco, que demorou um pouco também até estar com todo mundo acertado. Então, como já disse, cada projeto tem seu tempo.
RS: Até há pouco parecia que tinha sido muito rápido, mas agora, com você falando tudo isso, me dou conta que demorou mais do que havia percebido (risos).
Tem gente que tem problema em se desligar de cada projeto. Como é para vocês?
PC: Se deixar, a gente mexe até o final. Filme a gente não termina, a gente abandona.
Há a máxima de se fazer “um filme pra gente, e um pra eles”. Ou seja, um mais pessoal, e outro mais popular. É sobre isso que vocês estão falando, é essa a vontade de vocês a partir de agora?
RS: Felizmente, quando faço um filme com o Cursino, o considero muito nosso. Dá muito prazer. Diria, claramente, que faço isso bem, e é algo que me satisfaz. Não me sinto, de maneira nenhuma, com esses filmes, como se estivesse obrigado. Como se fosse algo que não quero fazer. Mas você tem vontade, também, de experimentar outros formatos. Talvez sem essa obrigação de ser tão popular. Embora a gente goste disso. É um enorme prazer poder se comunicar em grande escala. E, às vezes, você pensa que estava fazendo algo que todo mundo vai querer ver, mas pelo conceito pode parecer mais difícil, mais arriscado.
Existe um paradigma em relação à comédia no cinema brasileiro, de que o crítico torce o nariz, mas o público adora. E vocês até fazem uma brincadeira sobre isso em Os Farofeiros. Como surgiu essa ideia?
PC: Esse era um recado que a gente queria passar há muito tempo (risos). Na verdade, nem é tanto para a crítica, mas para aquela parcela do público que ainda tem preconceito com o cinema nacional. Muitos falam isso: “sei lá, tem muito palavrão, não é bem assim”. Como não é assim? Na vida real, o público fala daquele jeito. Fala palavrão, é barraqueiro. O povo brasileiro é assim. Não vivemos num mundo de cinema argentino. O nosso é muito mais aberto. E o que fizemos foi que os próprios personagens encarassem o público. Achei que seria um bom recado. E como o Santucci comprou a briga, bora lá.
Mas comprou de imediato? Não houve nenhum questionamento?
RS: O Cursino, quando me mandou essa cena, eu devolvi perguntando: “ok, mas qual é a graça?” (risos). E ele me disse: “essa cena não é pra ter graça, é pra passar uma mensagem mesmo”. Então tá bom.
PC: E o legal é que acabamos fazendo num cinema improvisado, com cadeira de praia, ficou muito bacana. É bom até para lembrar que não é só cinema de shopping que existe. Não fazemos filmes somente para os grandes centros. É pra todo mundo.
RS: Tem um romantismo, né? A cena da abertura, aquela escola não existe, né? Tudo bonitinho, arrumadinho. É uma coisa de fantasia, tal qual aquele cinema no meio do nada onde eles vão naquela cidade praiana. Foi uma espécie de homenagem.
Bom, pra gente terminar, o que vem depois de Os Farofeiros?
PC: Bom, a gente tá com o filme do Mussum agora. E com o do Paulinho Gogó. E temos também uma ideia de fazer, depois, um com a Cacau Protásio. E não serão spin offs, é outra coisa. Outra parada. Gostamos muito de trabalhar com comediantes, e ela tá no auge. Vamos aproveitar essa energia. O Santucci faz muito bem isso, de levantar a bola desses caras. Ah, e antes de todos esses tem O Candidato Honesto 2 (2018), que já tá pronto, montado, finalizado, deve estrear nos próximos meses. E vai ter todo mundo: o Temer, a Dilma, tem impeachment, tem o Bolsonaro… tem até político honesto! (risos)
(Entrevista feita ao vivo em São Paulo em fevereiro de 2018)
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