Atriz. Cineasta. Roteirista. Produtora. Verónica Perrota é tudo isso e mais um pouco em Os Golfinhos vão para o Leste, coprodução entre Uruguai, Argentina e Alemanha que, um ano após ter sido exibida na mostra competitiva de longas latino-americanos do Festival de Cinema de Gramado, chega, enfim, ao circuito comercial brasileiro. A comédia sobre uma mulher que se descobre grávida e decide se reencontrar com o pai, de quem estava afastada há anos, foi premiada na Serra Gaúcha com o Kikito de Melhor Atriz Estrangeira, justamente para Perrotta. E o filme, que mostra uma visão bem diferente da idílica Punta Del Este, além de trazer como figura central esse homem, um homossexual de terceira idade exuberante e irresistível, foi também um grande sucesso de bilheteria no seu país de origem e tem tudo para repetir o mesmo carisma por aqui. Uma visão bem diferente que o público brasileiro terá de Perrotta, já vista no clássico Whisky (2004) e premiada como Melhor Atriz Coadjuvante no Festival do Rio pelo drama gaúcho Mulher do Pai (2016). Confira a seguir o bate-papo inédito e exclusivo que tivemos com essa grande estrela do cinema uruguaio:
Os Golfinhos vão para o Leste é o seu segundo trabalho como roteirista, mas o primeiro como diretora, certo?
Sim, como roteirista é o segundo. Mas é a primeira vez que assumo a direção, e foi um trabalho compartilhado. O Gonzalo Delgado assina comigo, dividimos tudo, direção e roteiro. O outro filme que fiz como roteirista, Flacas Vacas (2012), escrevi sozinha. Então, em parceria assim, foi uma estreia dupla. Algo muito desafiador, com certeza, mas ao mesmo tempo bastante estimulante.
E como foi escrever, dirigir e atuar, tudo ao mesmo tempo, como fizeste em Os Golfinhos vão para o Leste?
O Gonzalo e eu trabalhamos muito próximos durante a pré-produção. Dedicamos bastante tempo a isso. Então, tivemos como nos envolver a fundo com o roteiro. Depois, quando consideramos que o texto estava pronto, tivemos várias semanas de ensaios. Então, sabíamos bem o que queríamos. E cada coisa teve sua vez. Estar nas três frentes ao mesmo tempo só seria complicado durante as filmagens, e nada mais. A direção, por exemplo, tem muito a ver com outras coisas. A todo instante discutíamos cada dúvida, para sempre buscar um consenso. Não houve necessidade de muitas negociações. Estávamos no mesmo tom. Conhecíamos a alma do filme, e compartilhávamos do mesmo ponto de vista. Foi bem legal. Ele sempre pedia para que eu verificasse com ele cada cena no monitor, e depois montamos tudo em conjunto. Foi muito tranquilo.
Os Golfinhos vão para o Leste conta a história da Virginia, a tua personagem. Mas assim que o pai dela, vivido por Jorge Denevi entra em cena, ele literalmente rouba as atenções. Como foi trabalhar com ele?
Foi curioso. Para ter uma ideia, o personagem do pai nem foi pensado com ele em mente. Mas tivemos muita sorte – eu tive muita sorte – pois a química que tive com ele no set foi incrível. Até hoje, tudo que acontece com o filme, vou correndo contar para ele. É um ator incrível. Muitos anos atrás, quando estava para entrar na faculdade, lembro de ter visto uma peça com ele e pensado: “é isso que quero fazer com a minha vida, ser atriz”. Muitos anos depois, já envolvida com esse filme, ele nem estava em minha mente, pois pensávamos que teria que ser um ator argentino, por causa da coprodução. No entanto, os coprodutores não estavam interessados em escalar ninguém em particular, e deixaram que a escolha fosse nossa. Foi aí que pensei imediatamente no Jorge Denevi.
A personalidade dele é incrível, é uma figura maior do que a tela, literalmente…
A presença deste pai, o Miguel Ángel, a entrada dele no filme e tudo o que representa, lá em Punta Del Este, pra mim, é para a minha personagem quase como uma viagem de Alice, sabe? Como se aquele fosse o País das Maravilhas dela. Quando o filme acaba, você percebe que todo aquele drama, a fantasia que ela mantém a respeito do pai, é uma coisa pré-concebida. Há um mundo a ser descoberto ali. E ela precisa passar por isso.
Ainda que Punta Del Este seja um balneário reconhecido internacionalmente, não é uma cidade muito frequente no cinema, nem mesmo no Uruguai. Correto?
Com certeza. Nem os uruguaios parecem ter descoberto o quão cinematográfica Punta Del Este pode ser. Nós somos um povo muito melancólico. Nos faltam histórias mais produzidas, que tenham a ver com esse glamour tão ligado a essa mítica de Punta. E a gente queria ir no sentido contrário. Brincar com esses estereótipos. Afinal, estamos em Punta, mas no inverno, longe da estação mais badalada. E esse pai, que mora lá, também vive num mundo de fantasia. Ele não mora naquela casa maravilhosa. No Uruguai há um imaginário destas festas grandiosas de Punta, de uma época quando todo mundo tinha muito dinheiro, haviam muitos turistas argentinos e brasileiros. Era importante fazer parte daquilo tudo. E ele está preso naquele tempo. A chegada da filha é um choque de realidade.
Ao contrário dessa visão nostálgica que se possa ter do Uruguai, o teu filme é muito alegre, colorido. Foi uma decisão consciente levantar o astral?
Sim, com certeza. Nós queríamos uma comédia. Pode parecer um pouco ingênuo, mas tudo que queríamos é que nossas mães gostassem do filme. Queríamos que o público risse, e atravessasse por esse arco junto com os personagens. Nosso desafio era fazer um filme que até mesmo essas pessoas, que muitas vezes não são contempladas na tela grande, se vissem em cena, se identificassem e gostassem dessa experiência. Chegar ao maior número de pessoas, esse era o nosso objetivo.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado, Rio Grande do Sul)