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Desde os anos 1950, Claude Lelouch já dirigiu mais de 60 filmes. O maior sucesso de sua carreira veio com Um Homem, Uma Mulher (1966), romance estrelado por Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée pelo qual o cineasta venceu os Oscars de melhor filme estrangeiro e melhor roteiro. Desde então, dirigiu muitas obras aclamadas, a exemplo de Um Homem como Poucos (1970), Retratos da Vida (1981) e Hommes, Femmes, Mode d’Emploi (1996), geralmente focadas em relacionamentos familiares e amorosos.

Mesmo assim, nunca abandonou Jean-Louis Duroc e Anne Gauthier, protagonistas de Um Homem, Uma Mulher. Em 1986, realizou a sequência Um Homem, Uma Mulher: 20 Anos Depois. Agora, 55 anos depois da trama original, Lelouch reprisa seus personagens mais famosos. Trintignant, atualmente com 91 anos, e Aimée, com 89 anos, imaginam o reencontro entre Duroc e Gauthier décadas mais tarde, já próximos da morte. O resultado se encontra no belo Os Melhores Anos de uma Vida, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 24 de junho. O Papo de Cinema conversou em exclusividade com Lelouch sobre o projeto:

 

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Claude Lelouch no Festival de Cannes

 

Depois de três filmes com estes personagens, o que Jean-Louis Duroc e Anne Gauthier representam para você?
É a história de uma vida. É a primeira vez na história do cinema que um diretor reencontra seus atores depois de 55 anos. Isso vai além dos meus esforços: é a vida que, de repente, me força a filmá-la como uma evidência. Eu jamais poderia ter previsto ou programado algo do tipo. É um milagre que depois de 55 anos, tanto Jean-Louis Trintignant quanto Anouk Aimée e eu estejamos vivos, o que nos permite levar esta história ao fim. A maioria dos filmes nunca vai ao fim de suas histórias. Eles se interrompem, e fica por isso mesmo. Mas pela primeira vez na história do cinema, um filme ganha a possibilidade de ter um epílogo, uma conclusão. Como sou muito atento ao acaso, às coincidências e ao presente, decidi aproveitar para fazer o filme. Se alguém me dissesse que, dentro de 55 anos, eu viria a fazer o desfecho desta história, eu acharia absurdo. Mas o tempo nos favoreceu. O maior crítico de cinema é o tempo que passa. É ele que tem razão.

 

Trintignant e Aimée aceitaram imediatamente atuar no filme?
No começo, os dois tiveram muito medo. Eles temiam que o filme prejudicasse a imagem deles: a velhice não é algo muito fotogênico em geral. Mas consegui encontrar os argumentos necessários para convencê-los de que era um dever fazer esse filme. Era essencial para todos os apaixonados por Um Homem, Uma Mulher. Existe uma história de amor entre o público e este filme há mais de 50 anos. Desde então, ele continua passando nos canais de televisão, tendo sido relançado nos cinemas. Festejamos os 20 anos, os 30 anos, os 40 anos, e agora os 55 anos. O filme pertence ao público e a todos aqueles que sabem que o amor é a coisa mais importante do mundo. Acabo de fazer um filme que se chama O Amor É Mais Importante que a Vida, e acredito que não existe nada mais importante do que uma história de amor. Todo o resto é secundário. Este filme conta esta história, e é emocionante ver Jean-Louis e Anouk, depois de 55 anos, se apaixonarem mais uma vez.

 

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Os Melhores Anos de uma Vida

 

Você tinha 26 anos quando filmou Um Homem, Uma Mulher. Sua maneira de filmar e de apreciar o cinema mudou muito desde então?
Não muito. Eu sempre tive vontade de filmar a espontaneidade. Ninguém possui a verdade. Mas entre a mentira e a verdade, existe a espontaneidade, que não é a verdade, mas tem um perfume da verdade. Desde que entrei nesta profissão, quis filmar os perfumes da verdade. Quis filmar aqueles momentos diante dos quais o espectador pode pensar: “Isso não é mais um filme”. As cenas de que mais gosto nos meus filmes são esses pequenos momentos quando consegui filmar os atores parando de atuar. Nesta hora, eles não atuam mais, e voltam a ser apenas seres humanos. As pessoas não interpretam, apenas os atores fazem isso. Na vida, as pessoas não fazem nada, apenas os atores criam, inventam. Eles leram o roteiro, sabem que vão morrer, que vão se tornar heróis.
Hoje, existem sete bilhões de pessoas na Terra que não conhecem o fim de suas histórias. Os heróis da vida não conhecem a razão de sua morte. Quando não conhecemos o fim da nossa vida, não bancamos os espertinhos. Os sete bilhões de atores de suas próprias vidas possuem uma discrição impressionante. Eu tentei, em todos os meus filmes, fazer com que meus atores não interpretassem. Isso é um paradoxo para um diretor, mas eu amo quando os atores param de fingir. Nos meus filmes, com alguma frequência esses pequenos milagres aconteceram. Meus personagens são espontâneos: quando eles dizem algo, eles acreditam profundamente nisso, mesmo que digam besteiras.

 

Você filmou com os maiores atores da França, mas também filma com atores não experientes. O prazer de dirigi-los é o mesmo?
Com certeza. Todos nós somos capazes de interpretar o papel de nós mesmos. Pela manhã, eu sou perfeitamente capaz de interpretar o papel de Claude Lelouch. Ninguém me interpretará melhor do que eu mesmo. Todo mundo tem a possibilidade de interpretar um papel – somos sete bilhões de atores. Os profissionais são pessoas que, em determinado momento, se sentem melhor na pele de outra pessoa do que na sua própria. Atores não são felizes – por definição, são pessoas tristes e infelizes consigo mesmas. Eles estão sempre se procurando, questionando a si mesmos. É muito difícil passar a vida inteira fingindo, mas é isso que os profissionais fazem.
As pessoas nas ruas passam a vida inteira sem fingir. Elas arriscam suas vidas todos os dias ao atravessarem a rua, mas os profissionais, não. Eu adoro atores profissionais porque eles são como crianças, e eu adoro as crianças. Os atores são homens e mulheres que não saíram da infância. Eu os amo. Eles são muito úteis, e sem eles, não seríamos ninguém. Mas é verdade que, ao mesmo tempo, faço de tudo para que eles parem de atuar. Quando eu contrato Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée, desejo que eles interpretem um homem e uma mulher, ao invés de um ator e uma atriz. O filme original teve sucesso porque era Um Homem, Uma Mulher. Se eu tivesse filmado Um Ator, Uma Atriz, as pessoas teriam esquecido essa história pouco tempo depois.

 

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Um Homem, Uma Mulher (1966)

 

A música é muito presente nesta história. De que maneira colocou Calogero em diálogo com o tema original de Um Homem, Uma Mulher?
Calogero é um jovem dotado da mesma sensibilidade de Francis Lai. É incrível como estes dois compositores são parecidos: são homens tímidos, talentosos, honestos, com um senso extraordinário da melodia. Todos os meus filmes são musicais, sem exceção. Se eu coloco tanta música nos meus filmes, é pela vontade de dialogar com o inconsciente. Quero falar com a nossa parte irracional. Enquanto o roteiro apela à nossa inteligência, a música fala ao inconsciente. Ela fala àquilo que não conhecemos. A música é a linguagem de Deus – cada vez que escuto uma canção, tenho a impressão de estar mais perto do Grande Diretor. A música fala ao meu coração, ao invés da minha inteligência. Ela apela à sensibilidade, ao que existe de melhor em cada um de nós. Coloque dez mil pessoas diante de um show musical e observe os rostos delas: elas estão no paraíso. Coloque as mesmas pessoas diante de um discurso político, e elas parecem estar no inferno.

 

Você filma com bastante frequência. Que experiências e temas ainda não conseguiu realizar, mas gostaria para os próximos projetos?
Na minha idade, eu consegui adquirir duas ou três certezas. Não é muita coisa. Mas quero falar dessas duas ou três certezas. Primeiro, sei que as coisas nunca serão como a gente as imagina – vai ser sempre um pouco mais, ou um pouco menos. Quando é mais, esse é o começo da felicidade, mas quando é menos, começam os problemas. Segundo, a melhor coisa que pode nos acontecer é encontrar alguém que se interessa por nós, que nos ama mais do que a ela mesmo. Terceiro, é preciso se amar muito. A pessoa que eu mais amo no mundo inteiro é Claude Lelouch. Eu me entendo muito bem com ele. É um amigo, a pessoa que mais me ajuda, e aquela que mais se interessa pelos meus problemas, enquanto os outros apenas fingem. Quando a gente se apaixona, passamos a amar esta pessoa mais do que a nós mesmos. Isso é mágico, porque exercemos a generosidade. Sem esta experiência, ficamos presos no egoísmo. Por isso, amo cada vez mais o amor. Esta é a recompensa suprema, o Oscar dos Oscars. Os melhores momentos da minha vida foram aqueles em que estive apaixonado por algo ou alguém.

 

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Claude Lelouch e o elenco de Os Melhores Anos de uma Vida no Festival de Cannes

 

Enquanto cinéfilo, como avalia as produções do cinema francês contemporâneo?
Eu vou ao cinema todos os dias. Preciso ver um filme diariamente, porque a escritura dos outros me interessa. Não é possível fazer cinema sem se interessar pelo cinema dos outros. Mas é verdade que a escritura do cinema é a minha grande paixão. Já tentei de tudo com as câmeras que tenho à minha disposição. A câmera é o terceiro olho que, depois de certo tempo, nos permite ver o mundo de outra maneira. Quando estou atrás da câmera, tenho toda a coragem do mundo. Não sou muito corajoso na vida, mas atrás da câmera, não tenho medo de mais nada – nem dos críticos. A câmera é um escudo extraordinário e um microscópio formidável. Através da câmera, enxergamos o que não podemos ver a olho nu.
Tive vontade de filmar todas as pessoas que eu amei, ou que me marcaram, me impressionaram. Podem ser pessoas da rua, esportistas etc. Passei a vida filmando homens e mulheres que não são super-heróis, nem grandes vilões. Eles são um pouco menos repulsivos do que a média das pessoas. Os heróis dos meus filmes são as pessoas que têm a qualidade de seus defeitos. Não acredito em super-heróis, nem em vilões – por isso não gosto muito do cinema norte-americano atual. Só isso funciona para eles. Mas eu adoro o cinema italiano, adoro o cinema francês que fala de homens e mulheres que têm a qualidade de seus defeitos. São os nossos defeitos que fazem nossas qualidades. As mulheres e homens dos meus filmes são pessoas que eu encontrei, que existem de verdade. Os diálogos dos meus filmes foram escutados nas ruas, nos cafés. Eu não inventei nada. Trabalho com maior roteirista do mundo, que é a vida.

 

Como os espectadores e seus dois atores principais reagiram à exibição de Os Melhores Anos de uma Vida em Cannes?
O filme foi um triunfo em Cannes. Batemos o recorde de tempo de aplausos no festival. No final dos aplausos, todo mundo cantava o tema de Um Homem, Uma Mulher dentro da sala de cinema. Foi uma lembrança magnífica. Jean-Louis e Anouk me prometeram que, se chegarem aos 100 anos de idade, faremos o próximo filme.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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