Ele encarna o típico malandro como ninguém. Essa figura que faz parte do imaginário brasileiro, que nos define de certa maneira, encontra em Stepan Nercessian o intérprete ideal. Durante boa parte da sua vasta carreira cinematográfica, esta que atravessou muitas fases da produção nacional, Stepan voltou diversas vezes a esse tipo “safo”. Em Os Penetras 2: Quem Dá Mais? ele interpreta novamente Nelson, trambiqueiro que servia no primeiro longa-metragem como uma espécie de mentor intelectual do personagem de Marcelo Adnet e, mais adiante, também do de Eduardo Sterblitch. Agora, sem a presença ostensiva de Adnet (conselheiro ocasional na trama), Stepan ganha ainda mais importância, sobretudo por conta das trapalhadas de Beto (Sterblitch), inocente iniciante num mundo comandado por uma vigarice, digamos, romântica. Nesta entrevista exclusiva, concedida por telefone em meio à divulgação do mais novo filme do diretor Andrucha Waddington, com a simpatia que lhe é peculiar nas telas, Stepan comenta brevemente como foi voltar a viver Nelson, fala sobre o preconceito contra as comédias e como é fazer televisão nos dias de hoje. Confira aqui nosso bate-papo exclusivo.
Nos dois filmes do Andrucha (Waddington) você interpreta o típico malandro, de certa maneira, o pai dessa família torta. Como foi voltar ao Nelson quatro anos depois?
Foi muito interessante. Primeiro, a gente nunca se abandonou, ficamos sempre em contato. Nos tornamos amigos no primeiro filme, ficando na expectativa para que tivesse uma continuação. Quando isso começou a tomar corpo, nos reunimos. O primeiro roteiro não estava legal, então foi jogado no lixo. O segundo não serviu, também. Fomos construindo juntos. Então, quando chegamos ao set de filmagem todos éramos um pouco autores. A malandragem do filme é uma malandragem de sonho, que faz mais mal ao malandro do que qualquer outra coisa.
E você encarna muito bem esse arquétipo…
Desde o início da minha carreira eu interpreto, com variações, esse personagem. Fico muito feliz quando surge um convite para voltar a fazê-lo, principalmente porque acho que o cinema tem o dever de espelhar seu povo, e esse tipo é bastante brasileiro. Sempre achei que se houvesse uma invasão extraterrestre, se marcianos tomassem conta do planeta, e quisessem saber tudo a respeito dos povos, era só abrir as latas do seu cinema. Para saber sobre o povo italiano é só ver os filmes italianos, por exemplo.
Acha que o Marcelo (Adnet) e o Eduardo (Sterblitch) “seguram a peteca” de dar sequência a essa tradição do malandro?
(Risos) Seguram, com certeza. O Adnet tem um humor mais cerebral, vinculado à palavra. Já o Sterblitch tem essa coisa mais camaleônica, circense e trapalhona. O Eduardo não tem medo. A Fernanda Montenegro me disse uma coisa ótima, que a minha parceria com os dois é o casamento perfeito, porque eles brincam à vontade e eu, de certa maneira, estou ali para dar credibilidade. Fico feliz com isso.
Algumas pessoas ainda torcem o nariz para a comédia. Como você encara isso?
É um preconceito danado. Muita gente acha que a comédia é um gênero idiota, de baixo nível, principalmente por não mostrar as nossas contradições sociais. No entanto, o povo sempre se viu representado nas comédias. E isso desde os tempos da Atlântida, como naquela maravilha que era o Grande Otelo vestido de Julieta e o Oscarito de Romeu. Outro grande sintoma desse preconceito é terem chamado uma parte de nossa produção de pornochanchada. Muita gente boa fazia cinema naquela época, Roberto Farias, por exemplo, e tantos outros. O cinema sempre tem lugar para todo mundo. Uma coisa que eu falo para o Andrucha é que Os Penetras, tanto o um quanto o dois, e eu gosto muito de ambos, é uma comédia cinematográfica. Também não adianta ir ao cinema para ver algo televisivo, né?
Falando em televisão, você já fez muita novela, mas agora a TV não se reduz somente a isso. Influenciada pelo boom dos seriados norte-americanos, temos também a produção das séries brasileiras. Na Magnífica 70, o Larsen, teu personagem, é tão importante que, mesmo morto, define os rumos da segunda temporada. Como é fazer esse tipo obra para a televisão?
Primeiro, enquanto fazia a Magnífica 70 parecia que eu estava trabalhando num filme longo. Essa série é muito comovente para mim, exatamente porque mostra a vida de quem faz cinema. Engraçado que alguns jovens atores nem ao menos conheciam boa parte dos equipamentos antigos. Recentemente eu fiz uma participação na série 1 Contra Todos e senti a mesma coisas, essa qualidade cinematográfica. Engraçado, o cinema é uma coisa tão bonita que quando a gente acha uma produção de televisão de alta qualidade, tende a dizer que ela ficou cinematográfica.
(Entrevista concedida por telefone em janeiro de 2017)
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