O cinema nacional para muita gente, por conta do sucesso, vem se resumindo às comédias, mas a verdade é que existem realizadores buscando outros gêneros, como mostraram algumas estreias que passaram no circuito em 2014. O cineasta Helvécio Ratton, conhecido por investir no cinema infanto-juvenil e premiado por isso, como rolou com A Dança dos Bonecos (1986), traz para a família brasileira mais um título do gênero em plena época de Natal: O Segredo dos Diamantes, que saiu do Festival de Gramado 2014 como Melhor Filme pelo Voto Popular.
Citando como referências Julio Verne, Conan Doyle, Monteiro Lobato e mostrando paixão pelo trabalho de Carl Barks, criador, ilustrador e um dos grandes colaboradores de Walt Disney com o universo de Patópolis, Ratton conversou com jornalistas durante uma coletiva de imprensa e não hesitou em dizer que sua aventura de agora (já conferida pelo Papo de Cinema) tem como origem a formação dele, que chamou de salada pop. A história conta sobre três jovens que partem numa verdadeira caça ao tesouro no interior de Minas Gerais, para salvar a vida de um familiar, e vão acabar enfrentando alguns perigos durante essa jornada.
Tranquilão durante a conversa, o cineasta não titubeou quando perguntaram se ele temia o fato do filme não ter rostos famosos como protagonistas, que são todos jovens desconhecidos. Ele criticou as conversas que acontecem com distribuidores e exibidores sobre ter ou não um ator famoso, e contou que faz tudo para evitar ficar preso a isso. “Não quero me sentir obrigado a ficar escalando atores da Globo. É óbvio que eles têm atores ótimos, mas não acho que seja condição sine qua non (indispensável, única) para se fazer um filme“. Roteirista de seus trabalhos, contou ainda que assinou o argumento e mostrou coerência com esse discurso do “novo”, ao revelar que contratou o carioca L. G. Bayão para ter um outro olhar no roteiro. A gente conversou com o diretor, depois, e o resultado do papo exclusivo e rapidinho você confere agora:
Você percebeu, durante a coletiva, que seu filme ao mesmo tempo que encantou uma parcela das pessoas, causou uma certa estranheza para outras por ser destinado à família. Isso porque para elas o longa não tem “cara” de festival. O que pensa disso?
Tem gente que pensa que o filme de festival é um filme de tal tipo. Por que, quem foi que falou isso? Um festival é para alguns filmes e não para outros? O cinema é uma diversidade muito grande. Eu gosto muito de vários gêneros do cinema. Cresci assim, vendo como espectador e gosto de fazer como diretor. Acho que um júri deve julgar a partir da pretensão do filme, qual era e como ele realizou essa pretensão, independente de que filme que seja.
A fantasia está bem presente em sua vida, uma vez que revelou ser fã de Tio Patinhas, falou da moedinha nº 1, e seus filmes têm esse elemento. O que te atrai no filme família?
Desde pequeno ouvia muitas histórias. A minha madrinha me dizia que eu ficava atrás ela para ler pra mim o tempo inteiro. E isso com cinco, seis anos de idade. Com isso, acabei aprendendo a ler muito rapidamente. Tinha essa vontade imensa de ler e não precisar dos outros.
Seu caminho das pedras?
Isso me fez embarcar muito cedo em aventuras. Comecei a escrever quando me alfabetizei. Fiz histórias e composições. Foi uma coisa que desenvolvi desde pequeno, naturalmente, não estudei, veio de forma natural.
Essa é uma praia onde você se sente confortável?
Diria que é uma praia onde me sinto bem. Adoro crianças. Adoro trabalhar com elas, a gente tem uma relação muito bacana, de muita confiança. Me sinto bem contando essas histórias e parece que elas me procuram.
Como assim?
Elas acabam surgindo e envolvem também o passar do tempo. Envolvem a criança que tenho dentro de mim, dos adultos que estão vendo o filme… Tem esse olhar que acho muito bacana você conservar ao longo da vida e ter a capacidade de se encantar com algumas coisas.
Lá dentro teve gente que falou de Os Goonies (1985), que é uma referência bem evidente, mas pensei também em algo mais recente, como Harry Potter, por termos dois meninos e uma menina, e ela com jeitinho de Hermione. Aí pensei se seria intencional, se você já estaria pensando em uma sequência, apesar de um deles já não aparentar ser tão novo…
Não teve isso, não. A carreira dos atores infantis é sempre uma interrogação. É sempre uma pergunta. O Samuel Costa, que fez comigo O Menino Maluquinho (1995), hoje não é ator. Ele é assistente de direção e dirige suas coisas em São Paulo. Ou seja, não seguiu carreira. A Cíntia Vieira, que fez A Dança dos Bonecos, também não. Virou poetisa, é professora de Letras. É muito difícil saber o que vai acontecer com esses garotos e não tive nenhuma intenção de pegar o trio e transportar para outras coisas. Até mesmo pela própria especificidade da história.
Pergunto mais porque vivemos numa era de franquias e aí vem essa coisa de será que vamos ter uma sequência…
Acho a ideia bacana. Poderia até pintar, mas não teve essa intenção.
Em algum momento do projeto você pensou em migrar para mais plataformas além do game lançado antes da estreia? Chegou a pensar em seriado, algo assim?
Essa possibilidade existe, mas depende da repercussão do filme. A ideia de entrar no universo dos games é por saber que aí estão os garotos. É uma plataforma que eles manejam muito bem, além das redes sociais que estão sempre conectados. É legal a gente estar presente porque ao entrar no game você já faz eles entrarem no universo do filme. Ele faz uma síntese, com o personagem buscando os diamantes, e transporta para uma outra linguagem, trazendo a ideia para uma multiplataforma.
O jogo foi elaborado aqui no Brasil mesmo?
Foi a D2R, que fez os efeitos especiais do filme. São extremamente competentes.
A música é um elemento muito presente em O Segredo dos Diamantes. Como surgiu a participação do Samuel Rosa, cantando a ótima “Poeiras da Ilusão”? Conta essa história pra gente, você já conhecia ele?
O Samuel é um grande artista, adoro ele e gosto muito do Skank. Ele falou comigo, quando O Menino Maluquinho foi lançado, que deveria ter feito a trilha do filme, porque ele era “o” menino maluquinho. (risos) Aí falei que a gente ia ter uma chance.
Isso foi lá atrás?
Foi. No final dos anos 1990. O filme foi lançado no final de 1997. Ele falou e fiquei com aquilo na cabeça. Quando veio esse filme, pensei que seria muito bacana ter uma canção original. Adoro ter uma música original que se liga bem ali na história. Chamei o Samuel e ele fez a canção. Aí eu disse ‘é isso, é agora’.
Quando você o chamou, qual foi a reação dele?
Ele curtiu e ficou preocupado com a agenda, que é complicadíssima. É muito cheia, tanto aqui quanto fora do Brasil. Mas topou de cara e falou ‘vamos viabilizar isso’. Aí chamou o Chico Amaral, que é letrista, parceiro dele em várias músicas do Skank, e os dois embarcaram na ideia.
E vocês conversaram, como foi o processo de criação?
Os dois assistiram ao filme comigo e…
Ela veio.
Sim. Vimos o filme juntos, duas, três vezes. Não filmei tendo a música. E o André (Baptista), que fez a trilha sonora, incorporou a música muito bem, inclusive, usando ela de forma instrumental, com variações.
E ela abre o filme, né?
É um prazer enorme abrir o filme com a voz do Samuel. Já joga lá pra cima…
Tem esse clima aventureiro…
Sim. Aventureira. E ela abre com essa frase que a gente até incorporou no cartaz “Ninguém sabe o que vai acontecer“, que é a própria vida, né?
(Entrevista feita ao vivo em Agosto de 2014 em Gramado, Rio Grande do Sul)
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