Nascido no dia 19 de julho de 1959 em Buenos Aires, Argentina, Juan José Campanella é um dos mais importantes realizadores do cinema argentino e latino-americano. Diretor, roteirista e produtor, chamou pela primeira vez a atenção internacional com o emocionante O Filho da Noiva (2001), que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Esta visibilidade lhe abriu muitas portas em Hollywood, mas não se deixou seduzir facilmente e seguiu trabalhando também no seu país de origem, se alternando entre as Américas do Norte e do Sul. Oito anos depois se reuniu mais uma vez com seu ator favorito, Ricardo Darin, e entregou ao mundo o aplaudido O Segredo dos seus Olhos (2009). Dessa vez a recepção foi ainda mais esfuziante: além de conquistar o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, ganhou mais algumas dezenas de prêmios, como o Condor de Prata (Argentina), o Ariel (México), o Grande Prêmio Brasil de Cinema (Brasil), o Goya (Espanha) e o Festival de Havana (Cuba), entre tantos outros. Mas agora, pela primeira vez em sua carreira, Campanella foi reconhecido pelo conjunto de sua obra, e essa homenagem aconteceu durante o 40° Festival de Gramado, que lhe ofereceu o Kikito de Cristal, premiação voltada aos cineastas latinos. Antes de receber o troféu no Palácio dos Festivais, o cineasta se encontrou com a imprensa, num bate papo com a participação e tradução especial do Papo de Cinema!
Vamos começar falando sobre a sua relação com Ricardo Darin. Ele é seu ator-fetiche, seu alter ego, assim como Mastroianni foi para Fellini, ou a escolha deste intérprete para ser o protagonista de quase todos os seus trabalhos é mera coincidência?
Não é coincidência, mas ele também não é o meu alter ego. É um ótimo ator, alguém com quem me dou muito bem não só trabalhando, mas também em nossa comunicação artística. Nossas visões sobre a dramaturgia são muito parecidas. É importante, para o bom andamento das coisas dentro de um set de filmagens, que haja simpatia, interação com o elenco, e com Darin nosso relacionamento funciona muito bem. Além disso, o considero um ótimo ator, e poder contar com ele em qualquer um dos meus filmes sempre foi um grande privilégio. Claro que, se eu escrevesse um personagem e chegasse à conclusão de que haveria um ator melhor para fazê-lo, o convidaria. Mas até agora isso não aconteceu, continuo contando com o Darin, e fico muito feliz que ele siga respondendo positivamente aos meus convites. Não o vejo como um ator-fetiche, pois isso para mim seria como um desapreço aos méritos próprios do Ricardo. E não é assim, sempre penso nele por seu enorme talento e capacidade.
Qual é a importância de Felix Monti para o seu cinema?
Felix Monti é um amuleto do cinema argentino, pois assinou a direção de fotografia dos dois longas do meu país que ganharam o Oscar de Filme Estrangeiro: A História Oficial, em 1985, e o meu O Segredo dos seus Olhos, de 2009. Mas, particularmente, fiz poucos filmes com ele: somente esse que foi premiado, uma série para a televisão e o meu novo projeto, uma animação em 3D chamada Metegol, que deve estrear no ano que vem. É um profissional de muita experiência e grande talento, que também trabalhou bastante no Brasil – em filmes como O que é isso companheiro? (1997) e A Partilha (2001), por exemplo. Ele me dá muita tranquilidade durante as filmagens, no trabalho, pois sempre faz o melhor, mas também em casa, pois trata-se do meu sogro (risos). Então fica tudo em família, e as coisas se desenrolam melhor.
O que você pode falar sobre seu novo projeto, Metegol, e sobre seu interesse pelo futebol, assunto que já aparecia em destaque numa das principais cenas de O Segredo dos seus Olhos?
Tenho uma confissão a fazer: não gosto de futebol. Sei que para os argentinos e também para os brasileiros isso soa como um pecado, mas não tenho maior interesse por esse esporte, não torço por nenhum time. O que me interessa, no entanto, é a paixão que o futebol desperta. A mim não me comove, mas nos outros vejo que é algo muito importante. Em todos os filmes que fiz, nenhum fala sobre futebol. Mesmo O Segredo dos seus Olhos, naquela cena específica, os jogadores em campo aparecem por segundos, pois o foco está na torcida e nos olhos do protagonista. Metegol é nome que damos ao pebolim, e também não é um filme sobre futebol, da mesma forma que poderia ser dito que Rocky (1976) não é um filme sobre boxe. Há partidas, mas não é só sobre isso. Fazer um filme de animação é muito mais difícil do que imaginava, estamos há cinco anos nesse projeto, desde antes de começar o roteiro de O Segredo dos seus Olhos. E ainda seguimos trabalhando nele! A previsão de lançamento é para o primeiro semestre de 2013. Se soubesse o trabalho que dá fazer um longa de animação, não teria me envolvido nisso. Mas agora já foi investido muito, tempo e dinheiro, então vamos até o fim. Pensava que seria como fazer qualquer tipo de filme, só que ao invés de levar 7 ou 8 semanas, ficamos envolvidos por 3 a 5 anos!
Há o senso comum no Brasil de que o melhor do cinema argentino são os roteiros. Qual é a receita desse sucesso?
Qual o ‘mojo’ dos roteiros argentinos? Olha, no meu ponto de vista isso é um mal-entendido que ocorre aqui no Brasil. Como autocrítica, penso justamente o contrário, que é o ponto mais fraco dos longas feitos na Argentina. Mas essa é somente a minha opinião pessoal. Lamentavelmente, chega até nós muito pouco do cinema brasileiro, então não tenho condições de avaliar os trabalhos de vocês. Mas sobre nós creio que há muito a se melhorar. Na Argentina se faz cerca de 150 filmes por ano, e destes uns 148 não chegam até vocês. Como vocês só conhecem o que de melhor fazemos, por isso essa impressão. Penso que dois ou três bons roteiros por ano não são suficientes, é uma minoria muito restrita.
Como tem sido sua relação com a televisão norte-americana?
Hoje em dia, nos Estados Unidos e, principalmente, em Hollywood, o melhor espaço para os roteiristas é na televisão. É lá onde estão os melhores autores, e na televisão o roteirista é o chefe, ele é que criou o programa e o sucesso desse depende dele. É o contrário do que acontece no cinema, onde quem manda são, primeiro, os estúdios, depois os produtores, depois os diretores, depois os atores… só depois, bem depois, vem os roteiristas. Portanto, é muito melhor estar na televisão, ao menos no meu caso. Tenho feito alguns trabalhos em séries como House e Lei e Ordem, mas desde que comecei o Metegol tenho me dedicado inteiramente a ele, e por isso é que tenho andado afastado.
O que mudou para você depois de ter ganho o Oscar?
Nada (risos). É sério! É claro que vieram muitos convites, mas naquela época estava envolvido com o Metegol. Então não pude aceitar nada do que me foi oferecido. Vieram mais propostas, tanto no cinema como na televisão, mas a grande maioria era sobre super-heróis ou sobre invasões alienígenas, assuntos que, particularmente, não me interessam. Ao menos não a ponto de abandonar o Metegol. Então, de concreto, até o momento nada mudou.
De onde vem as inspirações para o seu cinema?
Muito da vida real. O Filho da Noiva (2001), por exemplo, vem de algo que aconteceu com os meus próprios pais. O mesmo amor, a mesma chuva (1999) também partiu das minhas observações de acontecimentos com amigos e vizinhos. Já O Segredo dos seus Olhos veio de um livro, escrito por Eduardo Sacheri, que colaborou comigo no roteiro. E Metegol veio de um conto. Então, basicamente, ou me inspiro em fatos verídicos ou na literatura.
Você prefere trabalhar no cinema ou na televisão?
Estes dois veículos estão cada vez mais distintos. O autor está na televisão, e o cinema é o espaço do espetáculo, da pirotecnia, dos efeitos. Veja os sucessos desse ano – Homem-Aranha, Vingadores, Batman, Madagascar, Era do Gelo – são todos pré-fabricados. As pessoas saem de casa sabendo o que irão assistir. As surpresas estão na telinha. Particularmente, quando estou em casa, prefiro pegar um box de dvd da minha série favorita do que assistir a um filme específico. Os números é que determinam como as coisas devem ser. Então, quando estou nos Estados Unidos, prefiro fazer televisão. Na Argentina, no entanto, é o contrário, e o cinema ainda é o meu favorito. O mercado internacional é cada dia mais fundamental para Hollywood. Até os anos 1970 era uma porção muito pequena, mas atualmente está cada vez mais importante. E como são públicos muito distintos em todo o mundo, para os grandes estúdios é importante apostar no que é certo.
Como começou o seu interesse pelo cinema?
É difícil apontar os por quês, pois quando percebi já estava apaixonado pelo cinema. Não sei dizer como começou. Ainda criança tinha uma máquina de escrever, e nela, aos 8 anos, escrevia meus próprios roteiros. Sofri muito na infância por não gostar de futebol (risos), então me refugiava na minha imaginação. O cinema que tinha perto da minha casa, na minha infância, mudava a programação quase todos os dias, e eu estava sempre lá vendo o que tinha de novo. Ficava fascinado!
Qual a sensação de estar recebendo essa homenagem, o Kikito de Cristal, aqui em Gramado?
É uma grande honra. Faz exatamente 10 anos que estive aqui pela última vez, com O Filho da Noiva, em 2002, e é muito bom estar de volta. Adoraria poder passar a semana toda aqui, acompanhar todo o festival, mas infelizmente não será possível pelos meus compromissos com Metegol! Mas acompanho o Festival de Gramado há anos, estive aqui também com O mesmo amor, a mesma chuva, e creio que hoje seja o evento do gênero focado no cinema latino-americano mais importante que há. Mas algo que me impressionou muito na época é como, apesar de vizinhos, nos conhecemos tão pouco. Os artistas brasileiros, as celebridades daqui, são notórios desconhecidos para mim. Então, receber esse chamado, esse convite de vocês, e estar aqui neste momento é uma emoção incrível. Saber que no Brasil pensam em mim me deixa muito feliz. Tudo que possa servir para unir nossos dois países sempre será muito bem vindo.
(Entrevista feita durante a coletiva de imprensa durante o 40° Festival de Gramado, no dia 14 de agosto de 2012)
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