Nascido no interior da Paraíba, Luiz Carlos Vasconcelos se considera, antes de qualquer coisa, um palhaço. Mas não por desrespeito, e sim por profissão. Afinal, é no circo onde está sua maior paixão, onde descobriu o talento artístico e começou a dar os primeiros passos como intérprete. Dono de dois prêmios como Melhor Ator – e mais um como Melhor Ator Coadjuvante – pela Associação Paulista de Críticos de Arte, Vasconcelos já foi premiado também no Festival do Rio e até no exterior. A relação com o cinema começou há exatos quinze anos, quando participou do celebrado Baile Perfumado (1997), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. De lá pra cá já foram mais de uma dezena de outros projetos, entre curtas e longas, como o campeão de bilheteria Carandiru (2003), de Hector Babenco, e o elogiado Abril Despedaçado (2001), de Walter Salles. Após algum tempo se dedicando mais ao teatro e a televisão, neste ano esteve de volta às telas em diversos projetos, tendo sido o mais destacado o épico O Tempo e o Vento, de Jayme Monjardim. Foi durante sua passagem pelo Festival de Cinema de Gramado, no último mês de agosto, que Luiz Carlos Vasconcelos conversou com exclusividade com o Papo de Cinema e falou sobre sua carreira, seus trabalhos mais especiais e sobre os bastidores da carreira de ator. Confira!
Vamos começar falando sobre o curta Acalanto, exibido – e premiado – no último Festival de Gramado. Você e Léa Garcia estabelecem uma incrível parceria em cena. Como foi esse trabalho para compor os personagens? Vocês já se conheciam, chegaram a ensaiar?
Foi a primeira vez que estive com Dona Léa, nos encontramos pela primeira vez em São Luiz, no Maranhão, já para as filmagens. Esse entrosamento é um processo que vai se estabelecendo ao longo do processo de feitio do filme. São pequenas relações que durante o período de filmagem se amadurecem. São dois personagens que não se conhecem, mas a partir do convite para que ele lesse as cartas para ela, vão se aproximando, o que provoca essa virada dele decidir entrar no jogo de recriação. Foi muito bom trabalhar com Dona Léa. Tivemos poucas falas. Líamos, escutávamos e nos olhávamos. A relação de olhar que estabelecíamos gerou nossas emoções. Foi uma experiência muito rica no sentido da atriz que é Léa Garcia e pelo fato de podermos juntos oferecer aos outros a relação daquele funcionário público e daquela mulher com suas dores.
Você estabeleceu outra parceria cinematográfica recente de muito impacto em O Sol do Meio Dia (2010), em que aparece ao lado de Chico Diaz. Como foi esse trabalho?
Você tocando no assunto de O Sol do Meio Dia me veio uma coisa boa em relação ao filme. Foi um mergulho muito profundo, no meu caso. Desde a maneira como o projeto se deu. Eliane Caffé, a diretora, me ligou convidando para ir a São Paulo para fazer um teste. Entendi e fui com o maior prazer. Ela me deu a cena que queria, passei a noite no hotel fixando o texto, e no outro dia fizemos isso. Foi nesse momento em que ela me contou uma história que o Zé Dumont havia lhe contado, pedindo para que eu usasse aquilo na cena. Foi de uma ousadia muito grande. Contar a história enquanto me transformava em galinha, usando corpo e voz. Depois disso, não teve dúvida que seria eu e fomos fazer o filme. A trajetória daquele personagem que é levado a matar a mulher, a relação com Chico, tudo era pra dentro, um silêncio. A memória que tenho disso como ator é que foi muito profundo. E é bom ver o que a transformação do roteiro resultou depois da filmagem. O que está no filme hoje, o som e o pesadelo, aquela casa pegando fogo, o rito religioso, tudo era exterior, que só depois virou elemento do pesadelo. Achei isso genial, uma boa sacada do montador André Finotti. É um filme que me deixou muita alegria, por poder deslumbrar como ele foi importante também para todos aqueles atores, a Claudia Assunção, o Chico Diaz, todos grandes parceiros.
Você tem um histórico com o teatro, mas a primeira vez que vi um trabalho seu foi em Gramado, quando Eu Tu Eles (2000) foi exibido no festival fora de competição. Lembro que naquela época você fez diversos papéis no cinema na sequência. Depois, houve um intervalo. Por que ficou afastado dos grandes filmes?
Acho que foi equidistante o período dos filmes que fiz. Talvez alguns de maior visibilidade. Mas tem filmes que fiz e foram lançados, todos os deste ano, como O Inventor de Sonhos e O Tempo e o Vento, por exemplo, foram gravados no ano passado. Embora tenha havido um “boom” naquela época, acredito que agora a qualidade melhorou. Atualmente acho que o cinema nacional está em boas mãos, com muita gente nova e criativa, algo que vemos até nos curtas-metragens. Uma criatividade bem explorada, apesar dos baixos recursos.
Acalanto se passa no Centro Histórico de São Luiz do Maranhão, aquela beleza tão distante, mas com imagens muito fortes. Depois, você atravessou o país e veio para o interior do Rio Grande do Sul filmar O Tempo e o Vento. Como foi receber esse convite? Você conhecia a história de Erico Verissimo?
Foi um convite do Jayme Monjardim, e se trata de um filme que desde o início me despertou muita curiosidade. Uma epopéia, uma coisa longa, núcleos tiveram que ser cortados porque de outra forma teríamos quatro horas de duração. Ao menos fiquei feliz que não foi cortado nada do segmento em que apareço, que é bem no começo. Li o livro para me preparar para o personagem, devorei. O filme está mais baseado entre o primeiro e o segundo volume, e foi um mergulho muito bacana. O fato de deixar a barba crescer foi algo novo, também. Há um comentário do Jayme, que se refere ao meu personagem, o pai da Ana Terra, como um tipo quase bíblico. O Maneco Terra ficou com um tom épico, seja lá o que quer dizer (risos). Posso dizer que tenho um fascínio pelos pampas, por essa região tão “outro Brasil”. Não dá para imaginar que é Brasil, o fato de estar lá, a proximidade com a fronteira, o castelhano. Fui com o meu filho, que estudou em uma escola em Bagé durante as filmagens. Foi uma experiência muito rica.
Desses personagens marcantes tem algum que você tenha um carinho especial, que você citaria como um dos mais marcantes da sua carreira?
Pelo que falei até agora, você pode perceber que cada filme tem a sua história, gera a sua memória, suas excitações. Gosto muito da sorte de ter feito os filmes que fiz. Talvez um que goste oficialmente, o primeiro filme que fui dirigido, e que foi muito pouco ou quase não visto, é O Primeiro Dia (1998), de Walter Salles e Daniela Thomas. Um filme feito em situação incômoda, quase em cima de Central do Brasil (1998), no qual Walter estava mais focado. Era um filme autoral. Eu gosto por isso, do tom experimental, o roteiro sendo alterado durante o feitio. Então há um frescor naquele filme. Talvez porque ele não tenha sido muito apreciado, é desconhecido do público, que faz com que eu tenha um afeto diferenciado. Isso não quer dizer que ele é melhor ou pior do que outros. Talvez um filho bastardo pelo qual tenho um carinho enorme.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado, em agosto de 2013)
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