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Fernando Sampaio é experiente na arte circense. Diretor/fundador da companhia La Mínima, diretor artístico do Circo Zanni, participou de espetáculos de diversas trupes, sobretudo paulistas, como a Nau de Icaros, Acrobático Fratelli, Pia Fraus Teatro, Parlapatões, XPTO e Banda Palhaçal. Como professor, trabalhou nas principais escolas de circo de São Paulo, tais como Circo Escola Picadeiro, Acrobático Fratelli e Nau de Icaros, além de ministrar cursos e oficinas em escolas, shoppings e outros locais. Paralelamente, Fernando formou, durante mais de 20 anos, uma dupla com Domingos Montagner, artista morto em 2016. Pagliacci (2018), documentário que chega agora às telonas, é um pouco sobre essa parceria que rendeu mais de 5000 apresentações. Domingos corporificava o Branco, no universo dos palhaços, o elegante, o bonito, o dono de um quê aristocrático; Fernando encarnava o Augusto, seu complemento por contraste, o absurdo, o extravagante, o facilmente identificado com a esfera infantil. Neste Papo de Cinema, Fernando fala de sua arte, do filme e da ausência do amigo. Confira:

 

Para você, o que representa o Pagliacci?
Para mim, pessoalmente, é algo que traz um orgulho muito grande. Sou grato a todo mundo, sobretudo aos cinco diretores. Nunca imaginei que chegaria o dia em que algumas pessoas fossem se interessar nesse nível pelo assunto, ao ponto de fazer um documentário sobre palhaços e a importância desse oficio lindo. Ainda mais com depoimentos tão cheios de carinho. A gente realmente se envolveu num processo bastante afetivo. Fico sensibilizado, porque foi mais uma coisa feita a partir da vontade do Duma (Domingos Montagner), isso de comemorar os 20 anos da nossa parceria, de várias formas.

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Como foi lidar com as câmeras, inclusive no processo da peça?
Vou te dizer. Confesso que sou tímido frente às câmeras. Mas, como o envolvimento era afetuoso e o respeito grande, tudo funcionou. Havia realmente câmeras em meio à construção do espetáculo. As imagens tinham tudo para ser ruins, pois estávamos em franco processo. Mas, a gente notava o Luiz (Villaça) orientando esses jovens, construindo uma família. O circo tem essa onda, ele é família. Entraram outras pessoas próximas, com objetivos claros. Se tivesse de fazer qualquer esforço especial para que esse filme fosse possibilitado, ele seria feito. Não me incomodei com a presença da câmera, foi, no fim das contas, tranquilo. O filme retrata isso.

 

Existe frequentemente um dissenso entre sobreviver financeiramente e ser feliz. Como isso é para você?
A nossa vida é realmente instável. Isso não é uma exclusividade do palhaço. E, tem outra coisa. Basta ver que parte da sociedade ainda questiona se artista é profissão. Tem coisa mais absurda que isso? Obviamente não era o sonho dos meus pais que eu fosse palhaço. Somente faz isso quem quer e tem força. Não olho para trás, apenas olho para frente. Não me arrependo de nada que fiz e tampouco do que deixei de fazer.

 

Diz-se que o palhaço não pode ganhar, tem de perder. Que tipo de mensagem essa figura pode nos deixar nos dias de hoje?
Ele é o cara que perde. O palhaço é um idiota por definição. Ele perde, mas ri disso. Não pode ter ego. A gente, no fundo, no fundo, tem um retorno no palco. As sensações demonstradas em cena são impagáveis. Quando você percebe que toca uma pessoa, é gratificante. Historicamente, os palhaços eram as únicas pessoas permitidas pelo rei a fazer rir. Acho isso importante. Sendo irônico, critico, ou mesmo ingênuo de alguma maneira. Isso é relevante até hoje. A única pena é a maneira tola como as pessoas utilizam o termo “palhaço”, com uma falta de sensibilidade tremenda. A expressão “é uma palhaçada” virou sinônimo de coisa ruim. E a função do palhaço é a mais nobre, a de modificar as pessoas.

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Que tipo de filme Pagliacci teria sido com o Domingos ainda vivo?
Acredito que, no geral, o Duma deve estar muito orgulhoso. O trecho dele, o encerramento, me dá a sensação de ter sido feito depois, sabe? É como se ele finalizasse o filme, realmente após tê-lo visto. É tudo muito próximo dele. Convivi trinta anos com o Duma. Fizemos cerca de 5000 apresentações. Então, não tenho dúvida de que o filme o representa muito, tem a cara dele, a ética dele. Tenho certeza que o Duma estaria bastante orgulhoso. Por isso, fico bastante calmo em relação filme, realmente muito confortável.

 

(Entrevista concedida por telefone, numa ponte São Paulo/Rio de Janeiro, em abril de 2014)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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