Luiz Villaça é um diretor tarimbado, tanto por ter assinado inúmeros trabalhos televisivos, entre eles a série A Mulher do Prefeito (2014), indicada ao Emmy Internacional, como pelas incursões cinematográficas e teatrais. Mas se formos estreitar o foco nas produções para a telona, Luiz começou muito bem, obrigado, com Por Trás do Pano (1999), levando para casa os prêmios do júri popular e o Kikito de Melhor Atriz (Denise Fraga) no prestigiado Festival de Gramado. De lá para cá, vieram os longas-metragens Cristina Quer Casar (2003), O Contador de Histórias (2009) e De Onde Eu Te Vejo (2016). O mais recente, aliás, foi protagonizado por Denise Fraga, sua esposa e colaboradora contumaz, e pelo falecido Domingos Montagner, este peça fundamental de Pagliacci, filme que chega agora aos cinemas. Encabeçando um time de cinco diretores, Luiz fez um documentário sobre a atividade do palhaço, bem como acerca de uma parceria de mais de 30 anos, somente interrompida pela morte. O realizador nos atendeu para este Papo de Cinema por telefone, no qual falamos sobre inspirações e procedimentos. Confira:
Como seu deu o seu contato inicial com o universo dos palhaços?
Além de ser como qualquer um, ou seja, marcado pela figura do palhaço desde criança, meu contato com esse universo se deu através dos próprios Domingos e Fernando, nos idos de 2001. Na época, eu fazia aquele programa Retrato Falado, na Rede Globo, e caiu na minha mão uma história protagonizada pelo Oscarito. O Circo Zanni, do qual o Duma e o Fer eram sócios, estava com a lona montada em São Paulo. E o circo é aquela coisa, agrega à paisagem. Fui até lá, conheci ambos e acabamos gravando o programa com muita ajuda deles. Criamos uma relação que foi se estreitando gradativamente. Domingos, inclusive, é um dos protagonistas do meu filme anterior, o De Onde Eu Te Vejo, contracenando com a Denise Fraga.
Havia uma preocupação em não marcar Pagliacci prioritariamente de saudade?
Sem dúvida. Havia uma coisa muito clara na minha cabeça depois do que aconteceu (a morte de Domingos Montagner). Em nenhum momento o filme seria uma homenagem póstuma, mas exatamente o que combinei com meu amigo (Domingos) num jantar em 2016. Caso a fatalidade não tivesse acontecido, o Domingos estaria nas cenas dos bastidores do espetáculo. Essa é a única mudança por conta da morte dele. O essencial era retratar a paixão das pessoas pelo oficio, a sensação de amor que sentimos pelo circo. Então, foi necessário, realmente, um foco grande nesse sentido, da minha parte e dos meus quatro parceiros diretores, para não fazer algo póstumo ou apelativo.
Cinco diretores colaboram em Pagliacci. Como foi essa dinâmica, a divisão de trabalho?
Foi um processo orgânico e gostoso. Quando começamos a gravar, chamei quatro jovens diretores da Bossa Nova (empresa de Luiz), dizendo que fazer Pagliacci em grupo tinha a ver com o espírito do circo. Nossa ideia era falar, sobretudo, da importância do amadorismo, no sentido de fazer as coisas por amor. O filme começou em agosto de 2016. A ideia partiu do Domingos, pois ele queria mostrar o cotidiano dos palhaços. Tínhamos uma linha de pensamento bem clara, basicamente três caminhos a serem entrelaçados: falar de palhaços, dos bastidores da peça e da situação do circo. A divisão do trabalho ocorreu mais no sentido logístico. Tínhamos zero de orçamento. Ainda bem que posteriormente ganhamos a parceria da Globo News, Globo Filmes e do Canal Brasil para poder finalizar e chegar aos cinemas.
O filme alterna caráteres fabulares, vide a mítica clown, e reais, haja vista a observação direcionada ao circo. Preocupava vocês esse diálogo entre as instâncias?
Isso foi acontecendo durante o processo. Ao começar a juntar o material, sentimos essa necessidade de mostrar a realidade, de apresentar o tamanho da perseverança que o artista brasileiro precisa ter todos os dias, a dimensão desse amor pelo ofício, pela vontade de se relacionar com o público. Ao questionar tudo isso, percebemos que tínhamos de apresentar também outros circos, tão importantes quanto os grandes, mas que não gozam de uma situação muito boa. Gosto bastante daquele depoimento do empresário circense que refuta a existência de coitadinhos por ali. Isso fala do Brasil, do povo brasileiro e de todo artista.
Em Pagliacci há um elogio ao “trabalhar com o que se ama”, numa espécie de resistência pela via do afeto aos ditames de uma sociedade que valoriza o ter, certo?
Não tenha duvidas. Vivemos um momento muito confuso, estranho. No Brasil está pesadíssimo, mas no restante do mundo não é diferente. Esse filme tem algo, para mim, muito importante. Você vai ao circo e vê uma coisa lúdica, mas não percebe o que tem por trás. Isso acontece no teatro, na música, nas artes em geral. O palhaço tem a atitude politica de levar as pessoas, pela via do entretenimento, a questionarem, inclusive, o seu ofício, as maneiras como encaram sua função. O mínimo que podemos fazer é amar nosso próprio ofício.
(Entrevista concedida por telefone, numa ponte São Paulo/Rio de Janeiro, em abril de 2018)
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