Conhecido do grande público por conta de suas incursões em novelas bastante populares, o ator Humberto Carrão vem construindo paralelamente uma sólida carreira cinematográfica. Em Paraíso Perdido (2018) ele interpreta Pedro, frequentador da boate que dá nome ao filme, sempre de olho em Imã (Jaloo). Ele demonstra hesitação para assumir sua paixão pelo homem vestido de mulher que canta músicas românticas populares no palco. Carrão gentilmente nos atendeu para este Papo de Cinema acerca da colaboração com a cineasta Monique Gardenberg, aproveitando para falar de outro trabalho muito aguardado, o longa-metragem Marighella, estreia na direção de seu colega Wagner Moura. Vale lembrar que Carlos Marighella, por sua atuação política e poética em tempos de Ditadura, é um personagem com grande potencial para gerar debates acalorados. Sem mais delongas, confira a nova entrevista exclusiva com um membro do elenco de Paraíso Perdido, desta vez Humberto Carrão.
O que lhe levou a fazer o filme?
Adoro as peças da Monique. Nossa primeira conversa por telefone foi muito legal. Além disso, o Luiz Henrique Nogueira, que ajudou a reunir o elenco, é um grande amigo. Aliás, ele já tinha me falando do filme. Quando li o roteiro, fiquei imediatamente interessado. Sou louco por música. Quis fazer o filme sobre essa boate que, de certa forma, é um paraíso para quem a frequenta, a quem encontra nos beijos, nas roupas diferentes, ou seja, em outras possibilidades, um mundo diferente. Eu estava no meio das gravações de uma novela, portanto fazer parte dele demandou uma engenharia difícil, mas no fim das contas deu certo.
Como foi contracenar com o Jaloo, vide que ele estava estreando como ator?
O Jaloo é incrível. Não sei se você já foi a algum show dele. Assim que o confirmaram no papel, comecei a ver todos os vídeos possíveis, os clipes e as entrevistas. Jaloo é uma figura grande. Por mais que atuar fosse uma novidade para ele, também acaba sendo para a gente, porque todo filme é diferente. Não teve cerimônia. Claro, protagonizamos cenas que pediam intimidade, mas, de fato, conquistamos isso rápido, já a partir do primeiro encontro, por meio das brincadeiras. O elenco era cheio de gente divertida. O camarim sempre tinha muita música, festa e alegria.
Que privilégio ter um camarim com Erasmo Carlos, Seu Jorge e Jaloo…
Tenho vídeos disso (risos). Na boate onde gravamos havia um banheiro que virou o camarim do Seu Jorge. Ele botava música e tocava flauta lá. Aliás, logo depois fizemos Marighella juntos e ele continuava com isso de tocar flauta no cantinho dele. No set de Paraíso Perdido, quando me dava conta estava acompanhando uma conversa do Erasmo e do Seu Jorge sobre música, o que um gravou do outro, o que um pensa do outro. Foi o máximo.
Para você era importante seu personagem, de certa maneira, ajudar a denunciar a violência, especificamente a proveniente da homofobia?
Sem dúvida alguma. É um personagem que descobre o encanto, a possibilidade do amor, mas, sobretudo, outra vida, que ele não garante, que não experimenta num primeiro momento. Ele reprime. Realmente, essa foi uma das principais coisas que me levou a fazer. É fundamental que a gente discuta essa questão. Nunca é demais repetir: somos o país que mais mata membros da comunidade LGBT no mundo. Qualquer filme que trate disso, mesmo de forma lúdica, vale a pena. Fiquei realmente bem interessado em participar dessa discussão.
E qual a sua relação com a música brega?
Tá aí. Deixe-me pensar… com as chamadas bregas, nem tanto. Cresci ouvindo música regional, especificamente a gaúcha. Minha família por parte de pai é de Pelotas. Então, sempre ouvi muita canção gaudéria… (nesse momento, o gaúcho Júlio Andrade se aproximou sorrindo e disse: “música gaudéria, pode crer”.). Escutei muito Gaúcho da Fronteira e Os Serranos. Mas, então, minha relação é mais com a música regional, menos com a brega.
O que pode falar do Marighella, que você mencionou antes?
Ainda não vi. Inclusive, acredito que ele não esteja pronto. Mas, foi uma experiência incrível. Tivemos recentemente um 180 graus muito forte e radical no que diz respeito à nossa vida política. Surgiu um conservadorismo galopante, candidatos falando besteiras e achando normal… perdão, besteiras não. Crimes! Como faz o (Jair) Bolsonaro. Marighella é um filme fundamental. Tem uma frase de um samba do qual gosto muito que diz: “futuro é para quem lembra”. Acho que é isso. Somos um país que valoriza o respeito, mas que estuda pouco a sua história. Portanto, fazer um filme com Marighella e contar uma história insistentemente apagada foi uma alegria enorme.
(Entrevista concedida ao vivo, no Rio de Janeiro, em maio de 2018)