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Nascida em Montes Claros, Minas Gerais, e formada em História pela Universidade Federal Fluminense, Elizabeth Versiani Formaggini foi especializar-se em documentário na prestigiada Universidade de Roma, na Itália. Depois de trabalhar na produção e na pesquisa de alguns longas-metragens de Eduardo Coutinho, entre eles Babilônia 2000 (2000), Edifício Master (2001) e Peões (2003), foi laureada com o prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular do Festival do Rio 2007 por Memória Para Uso Diário (2007). Além de ganhar outras tantras distinções com curtas e longas de sua autoria, Beth produziu filmes de criadores amigos, bem como organizou retrospectivas de cineastas seminais, tais como e Walter Lima Jr. e Joaquim Pedro de Andrade, além de ter encabeçado as mostras VIDA, parte da Eco 92. Com Pastor Cláudio (2019), ela amplia o seu curta Uma Família Ilustre (2015). O filme é centralizado nos relatos do ex-delegado do DOPS Cláudio Guerra sobre as práticas de violência estatal durante a Ditadura Civil-Militar brasileira. Conversamos com Beth por telefone para saber um pouco mais sobre a produção. Confira:

 

Beth, desde o princípio estava previsto utilizar o material de Uma Família Ilustre para fazer um longa-metragem?
Inicialmente, ganhei um edital da RioFilme para fazer um curta. Aí, montei um copião, como todos os diretores fazem. Na verdade, o foco era a Operação Radar, da qual o Claudio participou como um dos membros mais ativos. Já nessa fase percebi que aquilo daria um longa. Mandei um e-mail para a RioFilme falando que o nosso trabalho acabou rendendo algo mais extenso. Não contei isso a ninguém, nem sei se poderia falar disso, mas tá tudo certo (risos). Perguntei formalmente se teria como aproveitar o dinheiro para fazer um longa. Minha produtora arcaria com a diferença. Recebi uma carta, com apenas uma linha, dizendo: “seu pedido foi indeferido”. Então, fizemos o curta. Ganhamos vários prêmios nacionais e internacionais, inclusive em dinheiro, verba que investi, exatamente, na realização do longa. Sempre que entrava uma verba, chamava a montadora e íamos fazendo a versão maior.

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O que te impeliu a falar justamente com Claudio Guerra? Tentou alguns outros nomes?
Tinha feito o Memória Para uso Diário sobre o grupo Tortura Nunca Mais. Ali, havia a Ivanilda da Silva Veloso, que recorria aos arquivos para saber o destino de seu marido desaparecido, Itair José Veloso. Ele sumiu na época em que 19 membros do PCB, o Partido Comunista Brasileiro, foram assassinados. Quando surgiu o livro do Claudio, soube que ele participou da Operação Radar. Falei com a Ivanilda, gravei com ela e depois fui atrás do Claudio, que imediatamente aceitou fazer parte do filme. Convidei o Eduardo Passos, que já tinha sido consultor do Memória para Uso Diário, para me ajudar. Ficamos eu, ele e a montadora assistindo à materiais tais como as entrevistas do Claudio à Comissão da Verdade. Em dado momento tive a ideia de convidar o Edu para aparecer, pois sua prática de clinica talvez pudesse ser muito útil, como de fato foi, para que o Claudio fornecesse o máximo de informações.

 

Houve algum momento particularmente difícil na escuta, no registro dos relatos do Cláudio?
Tudo foi doloroso, na verdade. Mexemos com um tema muito difícil. Permanecer numa sala fechada, convivendo com uma pessoa que cometeu tantas atrocidades é complicado. Ele fala constantemente que cumpria ordens, mas tem uma hora que Eduardo até dá uma “quebrada” nele, ao falar dos prêmios por desempenho. Ele quer passar essa imagem de cumpridor de ordens, mas não é bem verdade. Sempre aceitou levar a cabo as missões, não apenas por ser bom funcionário, mas porque ganhava por fora. O que mais assusta é a forma dele tratar do tema, essa banalidade. Claudio fala de um assassinato como se mencionasse a montagem de um móvel. É uma coisa muito assustadora. Criou um incômodo muito grande, não somente para mim, mas também para a equipe. Não foi fácil.

 

Você acredita que sem a famigerada Lei da Anistia Claudio falaria abertamente sobre seus crimes? Ele foi recentemente indiciado pelo Ministério Público de São Paulo por “crime contra a humanidade”.
Os crimes que eles cometeram são contra a humanidade. Todos esses desaparecimentos, assassinatos à queima-roupa e afins não poderiam entrar na Lei da Anistia. Já houve vários questionamentos dos grupos militantes dos direitos humanos, mas o Supremo Tribunal Federal diz que a Lei cobre isso. Mas há diversos tratados internacionais assinados pelo Brasil, nos quais tais contravenções não são passíveis de perdão. A própria Clarice, viúva do Vladimir Herzog, nunca parou de entrar com ações na justiça. São crimes inafiançáveis. Se não houvesse a Lei da Anistia é claro que o Claudio não falaria. Ademais, o episódio do Rio Centro ocorreu depois, mas foi arquivado por falta de provas. Como assim? A bomba explodiu no colo do cara! É um crime cometido numa época não abrangida pela Lei da Anistia. Mas ele fala abertamente que estava na equipe dessas pessoas que iam colocar uma bomba num show com o fino da MPB. O Claudio tem essa tranquilidade de falar porque acha que não corre nenhum risco.

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Você rodou o filme em 2015, quando o quadro político federal era outro. Há algum gosto ainda mais amargo em lançar esse filme agora, quando temos um presidente favorável à tortura e que já afirmou em diversas vezes a sua simpatia pela violência estatal?
Acho que esse filme chega aos cinemas no momento certo. Ou a sociedade brasileira encara a violência do Estado ou estamos prestes a entrar num túnel sem saída. Temos um presidente que elogia o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos maiores assassinos da Ditadura. Temos politicas opostas ao direito dos negros, dos quilombolas e dos indígenas – isso de mineração em reservas vai gerar um genocídio. O Claudio fala no final do filme da extrema direita se articulando novamente, da elite que financiou o golpe preparando algo. Nesse sentido, ele é premonitório. Óbvio que não é toda a elite assim, mas uma parcela dela. Será que as pessoas que matam não são financiadas pelos mesmos grupos? Quem pagou a mão que matou Marielle e Anderson?  Estamos infelizmente dominados. Se não discutirmos isso, entraremos de novo nesse período vivido no passado. Espero que a juventude de agora não volte a experimentar aquilo tudo. Tenho esperança de que as pessoas resistam, que se imponham. Sinto-me feliz em trazer esse filme agora, porque tais coisas pertencem mais ao presente do que gostaríamos.

 

(Entrevista concedida por telefone em março de 2019) 

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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