Nascido em São Paulo no dia 30 de setembro de 1967, o cineasta Paulo Machline é um dos raros brasileiros a já ter sido indicado ao Oscar, feito que alcançou logo no seu primeiro trabalho, o curta-metragem Uma História de Futebol (1998), inspirado em um episódio da infância do Rei Pelé. Desde então seu talento foi visto na televisão, no cinema, em curtas e documentários. E agora ele está de volta às telas com a responsabilidade de contar a vida e a obra do maior carnavalesco que esse país já teve: Joãosinho Trinta, que ganha uma homenagem à altura do seu talento em Trinta (2014)! Aproveitando o lançamento deste mais recente projeto, o cineasta conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Qual foi o primeiro contato que você teve com a história de Joãosinho Trinta?
Foi lá em 2002, há mais de dez anos, quando eu estava fazendo um trabalho na França. Num fim de semana de folga, imprimi um jornal brasileiro para ler com mais atenção e encontrei uma matéria do (Carlos Heitor) Cony sobre a história do Joãosinho Trinta, mas focado no período antes dele ser esse personagem famoso. Contava a jornada dele, a saída de São Luís do Maranhão, a vontade de ser bailarino, a frustração de não ter o biotipo ideal para ser o protagonista de um espetáculo de balé. Essa história me fascinou e acreditei que daria um filme. Quando voltei ao Brasil, fui atrás dele, e a minha desconfiança se confirmou: descobri muitas outras histórias, e daí veio primeiro o documentário A Raça Síntese de Joãosinho Trinta (2009). Quase não havia material disponível sobre ele, por isso o documentário foi muito importante. E mesmo assim não era algo tão profundo. E não falo apenas de dramas pessoais, falo da história mesmo. Fiz minha própria pesquisa.
Porque retomar agora a mesma história no formato de ficção?
No documentário faço um retrato de um homem dentro de um barracão, mas já consagrado e executando a atividade que dominava completamente, e tudo se concentrando em horas antes do desfile, retocando as coisas que achava que não estavam perfeitas, cuidando de cada detalhe. No Trinta a proposta é outra, me proponho a contar quem foi o homem antes de se tornar Joãosinho Trinta. O que aconteceu com ele para ter essa personalidade. O documentário é complementar ao longa de ficção. Um é sobre o Batman, o outro é sobre o Bruce Wayne. É mais ou menos assim que vejo.
Como foi a escolha do elenco? Qual semelhança você viu em Matheus Nachtergaele com Joãosinho Trinta?
Desde o princípio só tive o Matheus em mente. Ele havia feito, lá no começo dos anos 2000, o filme O Auto da Compadecida (2000), que foi um grande sucesso e quando ele apareceu para mim pela primeira vez. Tanto por ele quanto pelo Selton (Mello), os dois sempre me chamaram atenção. E quando li o artigo do Cony, na hora pensei no Matheus. A primeira lembrança foi pela estatura, os dois – ele e o Joãosinho – eram mais ou menos do mesmo tamanho. E outra questão é que estava falando de um grande ator, que não precisaria necessariamente ser parecido com o biografado. Mas deixei essa ideia guardada, e segui com meus outros projetos. Só fui falar com ele em 2009, quando já estava tudo confirmado! Se ele não tivesse aceito, talvez o filme não existisse.
E os demais atores do elenco? Houve muitos testes?
O Joãosinho, o Pamplona, a Zena e o Calça Larga são figuras reais, então havia uma preocupação histórica em retratá-los. Com os demais isso não existia, eles foram criados para o filme. Fizemos um processo de produção de elenco, um trabalho de integração com todos os atores, ainda antes de filmar, tudo coordenado pelo Luis Mario, o preparador de elenco. Isso foi essencial para termos uma coesão no elenco, para que os personagens se conhecessem e houvesse, de fato, uma relação entre eles. Creio que isso está também na tela, realmente se vê todos dando o seu melhor. O trabalho do diretor, quando o elenco está assim, é simplesmente estabelecer limites e não atrapalhar. Deixei todos fazerem o que sabem, que é atuar.
Um dos seus primeiros trabalhos foi o curta Uma História de Futebol (1998), indicado ao Oscar. Como esse reconhecimento influenciou na sua carreira?
O Trinta é um bom exemplo das consequências disso ter acontecido na minha vida. Quando a ideia do filme estava pronta, fizemos um projeto que inscrevi em tudo que era edital, e não ganhou nada. É uma consequência negativa de ter sido indicado ao Oscar tão cedo. Foi a maldição do Oscar! A impressão imediata era de que eu já estava pronto, tinha as melhores condições, não precisava de mais nada, o que, na realidade, estava longe de ser verdade. E a indicação foi na categoria de curta-metragem, é mais ou menos como ser campeão da Série B. E o que quero é me firmar na A, e penso que por isso demorei para ser aceito. Claro que a indicação em si foi muito bacana, todo aquele frenesi. Mas atrapalhou um pouco, no começo, como longa-metragista.
Joãosinho Trinta teve uma vida muito rica. No entanto, você preferiu se focar em um episódio específico da carreira dele. Por quê?
Escolhi o pedaço da vida dele que mais me interessava. É até um pouco de coerência e teimosia, como o meu trabalho com o Pelé. Com o Trinta, tentei reproduzir o mesmo conceito, porém com um elemento muito importante que é a fusão do mundo erudito com o popular. Eu queria mostrar isso. Ele trabalhava ouvindo ópera no barracão. Queria trabalhar nessa transposição. Como cineasta e roteirista, foi o que mais me despertou curiosidade. Como esse cara sai da arte erudita e acaba se destacando como um dos maiores gênios criativos da expressão artística mais popular possível? Isso era o que mais me interessava. Outras escolhas seriam mais confortáveis, e eu estava atrás do desafio.
O que um filme como Trinta tem a dizer ao público brasileiro de hoje?
Acho que, da mesma forma, usando o exemplo do 2 Filhos de Francisco (2005), que também era sobre pessoas bem sucedidas em seus próprios campos artísticos, o Trinta mostra a vida de um homem que, se não se mexesse, não fosse atrás do seu sonho, nada aconteceria. Essa curiosidade, e pro-atividade do João, é uma lição pra muita gente. Quem assiste ao filme sai do cinema com vontade de realizar! Ele não conhecia as impossibilidades! Ele foi e realizou. Não passava pela cabeça dele não conseguir. Até o final da vida, ele só falava do futuro! Ele queria fazer a abertura da Copa, das Olimpíadas!
E quais são os seus próximos projetos?
Meu próximo filme, que já está bem encaminhado e devemos começar a filmar em breve, se chamará Filho Eterno, uma adaptação do livro de Cristóvão Tezza. Terá uma pegada bem diferente do Trinta. É mais sobre a transformação de um pai, após ele ter um filho com Síndrome de Down, o qual ele assume que não consegue amar. É uma história bem impactante. Quanto ao elenco ainda não está nada definido, estamos recém começando o trabalho. Antes preciso lançar o Trinta. Nisso sou parecido com o Joãosinho, sei bem o que quero e vou atrás para trabalhar isso. Outra boa surpresa é que no ano que vem vou fazer um filme sobre o Sidney Magal, a ser lançado em 2016, também com uma história bem específica sobre a vida dele! Vai ser incrível!
(Entrevista feita por telefone direto do Rio de Janeiro em 10 de novembro de 2014)
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