A primeira conversa que o Papo de Cinema teve com Cauã Reymond foi no lançamento de Não Devore Meu Coração (2017). De lá pra cá, o ator confirmou sua posição como um dos talentos mais interessantes de sua geração no Brasil. Após ter participado da comédia policial Uma Quase Dupla (2018) e da série Ilha de Ferro (2018-2019), agora está de volta às telas, e no cinema, num drama que aposta muito no emocional e familiar. Piedade teve sua primeira exibição no Festival de Brasília de 2019, de onde saiu com 3 Candangos – entre eles, o de Melhor Ator Coadjuvante, justamente para Cauã, que ganhou, ainda, pelo mesmo desempenho, o troféu no Los Angeles Brazilian Film Festival, nos Estados Unidos, fazendo deste um dos seus trabalhos de maior reconhecimento. Na pele de Sandro, precisa lidar com o filho adulto (Gabriel Leone), se apaixona por um homem de negócios que não parece lhe dar muita importância (Matheus Nachtergaele), ao mesmo tempo em que precisa se conectar com uma família que não conhecia (Fernanda Montenegro, Irandhir Santos). Ou seja, está no centro de toda ação. Conversamos com o galã logo após a primeira sessão do filme, na capital federal, tomados pela emoção de uma atuação arrebatadora. Confira!
Cauã, você tem uma parceria muito intensa com Matheus Nachtergaele em Piedade. Como se desenvolveu esse trabalho entre vocês?
Foi como o início de qualquer projeto. Já era fã do Claudio Assis, conhecia os filmes anteriores dele, e queria fazer parte desse universo. Também havia trabalhado com o Matheus em uma ocasião anterior, na novela Cordel Encantado (2011), e sempre fui fã dele também. Sei que o Matheus é um ator-fetiche do Claudio, está em quase todos os filmes dele – achava que estava em todos, mas depois descobri que não participou de apenas um (risos). Fui muito bem recebido por todos.
Piedade conta uma história muito pessoal do diretor Claudio Assis. E o teu personagem tem uma importância especial nesse sentido. Qual foi a orientação que você recebeu no início dos trabalhos?
Na verdade, só descobri essa relação depois. A construção do Sandro não passou pelo Claudio. Só quando já estávamos mais adiantados nas filmagens é que alguém, por acaso, comentou dessa ligação, e ele acabou explicando pra mim. Quando fiquei sabendo, é claro que fiquei lisonjeado. Aquilo me tocou. Afinal, tive a chance de ser essa figura autobiográfica para ele. E logo no primeiro filme que estamos fazendo juntos.
A partir do momento que tu ficou a par dessa história, o Sandro adquiriu um novo significado?
Não me influenciou em nada. Até porque, como disse, foi bem na reta final, estávamos quase acabando as filmagens. O Claudio é um diretor que, se não está gostando de alguma coisa, não tem meias palavras: ele te fala na hora. É muito franco, e isso é bom para o ator. Porque, dessa forma, você precisa estar presente, sempre disponível para qualquer mudança que aconteça. Ele foi bacana comigo.
As cenas finais, entre você e a Fernanda Montenegro, foram muito emocionantes. Como se desenvolveu essa relação entre vocês?
Acho que ela não gostaria de ser chamada de monumento. Como quando você vai ficando mais velho, e alguém diz: “você é uma lenda”. Tenho mania de falar isso para algumas pessoas, mas sinto que não gostam muito (risos). Mas é a mais pura verdade: Fernanda Montenegro é um monumento que está de pé e brilha ainda. Isso acho que ela iria gostar. Tinha feito antes uma novela com ela, a Belíssima (2005-2006), mas fazer um filme, e ainda por cima um tão impactante, participar dessa trajetória que a Fernanda tem, estar ali no meio de alguma forma, foi incrível. Essas cenas, em específico, foram num dia muito especial. A logística do barco não era fácil. É um cinema de baixo orçamento, tivemos nossas dificuldades e limitações. Isso também foi ajudando a gente a chegar na hora e fazer, como você disse, de forma tão tocante. Quando a gente faz, não sabe se vai dar certo. A gente tenta encontra o tom e confia no diretor. E, óbvio, ter uma parceira como a Fernanda só acrescenta. Não é nem jogar tênis, é frescobol, porque ela te dá a bola na mão.
Esse é um filme que fala de questões muito sérias, ao mesmo tempo em que transborda de afeto.
Engraçado, o filme levou praticamente três anos até ficar pronto. E acabou saindo num momento muito interessante, com essa crise do óleo. Acho que no momento em que estamos se empoderando de várias formas, o cidadão em si, em relação ao feminino, da pluralidade sexual, de gênero, novas formas de construir uma família – como o meu personagem tem com o do Gabriel Leone. Me sinto sortudo de estar nesse projeto.
Não é o primeiro personagem homossexual que você faz no cinema. O que o Sandro tem de diferente? O que ele traz de novo?
Tinha feito antes o Estamos Juntos (2011), com a Leandra Leal, um filme do Toni Venturi. Teve o Reis e Ratos (2012) que era um cara indefinido, o Hervé não sabia ao certo o que era – só no final ele meio que descobre. Mas era mais caricato. Já o Piedade é um filme muito humano. É como quando você faz personagens que tem cores diferentes, que frequentam universos distintos. Acho que poder filmar em locação, ter passado esse tempo em Recife, me ajudou a construir pequenas coisas nele que vão dando uma cara muito própria. E óbvio, a história, a direção. Todos esses foram diretores únicos, cada um a seu jeito. O Sandro foi bastante desafiador.
O que Piedade tem a dizer a esse Brasil de agora?
O Cazuza ia falar “abre o olho”. Acho que é isso. Cuidar do que é nosso. Com as queimadas na Amazônia, a poluição nos mares. Acho que isso tá evidente, por todos os lados. Nem tudo é dinheiro.
(Entrevista feita ao vivo em Brasília em 24 de novembro de 2019)
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