Nascido em Fresno, na Califórnia, Christopher Gorham é um daqueles rostos que você tem certeza que já viu antes, só não sabe exatamente onde. E isso se deve a sua presença constante em algumas das mais badaladas séries de televisão dos últimos tempos. Seu nome esteve nos elencos de programas como Party of Five (1997-1998), Buffy: A Caça-Vampiros (1998), Felicity (2001-2002), CSI: Investigação Criminal (2003), Ugly Betty (2006-2010) e Covert Affairs (2010-2014), entre tantas outras. No cinema, no entanto, suas participações nos últimos anos foram mais escassas. Após estrear sob o comando de Danny Boyle em Por Uma Vida Menos Ordinária (1997), acumulou nos anos seguintes presenças de não muito destaque em filmes pouco vistos, como na comédia romântica O Namorado da Minha Namorada (2010) e no drama A Tentação (2011). Esse cenário tem tudo para mudar agora, seja pela polêmica ao redor de Insatiable (2018), uma das produções originais da Netflix mais comentadas dos últimos tempos, e no drama PO (2016), que chega agora aos cinemas brasileiros e no qual ele tem uma das suas primeiras oportunidades como protagonista. E foi sobre estes trabalhos mais recentes que o ator conversou com exclusividade com o Papo de Cinema, direto de Hollywood. Confira!
Olá, Christopher. PO parece ser um projeto bastante pessoal. Como surgiu o teu envolvimento?
Sim, com certeza esse é um filme pelo qual tenho grande carinho. Mas é curioso, geralmente os trabalhos que me dão maior prazer são aqueles que chegam quase que por acaso até mim. Com esse foi assim, estava em casa e o telefone tocou com esse convite. Eles me queriam, e quando soube sobre o que se tratava, aceitei de imediato. Me pareceu muito interessante, tanto o tema do filme quando o personagem que teria em mãos. No entanto, assumi desde o começo que o diretor, John Asher, sabia que meu filho mais velho tinha autismo, e por isso havia me chamado. Só que acontece que ele não tinha a menor ideia dessa minha situação familiar. Foi típico desse filme, pois quase todos envolvidos tinha um filho ou alguém na família com o espectro de autismo, mas essa união se deu por uma incrível coincidência, sem ter sido forçada ou intencional.
Sim, pois PO é um filme muito importante também para o diretor John Asher e até para o compositor Burt Bacharach. Vocês trouxeram experiências pessoais para a trama?
Isso foi o que mais amamos no roteiro de Colin Goldman. É muito acurada a abordagem do que é estar em uma família como essa. A representação é muito boa, repleta de exemplos positivos e negativos – pois não adianta dourar a pílula, é preciso mostrar os dois lados dessa moeda. O texto não tem vergonha em mostrar os problemas do David, meu personagem, como pai, por exemplo. Puxa, ele estava ali, sozinho, tendo que aprender como lidar com aquela situação. A esposa havia recém falecido, agora estava tudo nas costas deles. Era importante mostrar esse conflito, essa carência que ele estava vivendo, pois são a partir dessas fraquezas, e também das suas superações, que a identificação acontece. E, claro, ele esteve o tempo todo muito aberto ao que tínhamos a acrescentar a respeito. O processo, todo, foi sempre muito colaborativo.
Como foi o trabalho com o ator Julian Feder, que interpreta o Po no filme?
Nossa, esse garoto é muito bom. Foi um trabalho muito difícil, e é preciso que se diga isso, ainda mais alguém tão jovem como ele. Porque uma coisa é observar e tentar reproduzir, mas outra, completamente diferente, é realmente viver aquela situação. E acho que o Julian realmente conseguir emprestar a sua verdade para esse personagem. Ele se tornou o Po, e foi incrível. Claro, não fez tudo sozinho. Trabalhou com o John, nosso diretor, por alguns meses, ainda antes do início das filmagens. Eles foram os primeiros a iniciar os trabalhos, e os últimos a se darem por satisfeitos. Foi preciso muito ensaio, e participei de várias dessas sessões, pois era um trabalho conjunto, e muitas das cenas do Po é ao lado do pai. Para criarmos esse mundo dos dois, foi preciso bastante treino, uma fisicalidade muito própria, para dar vida a essa linguagem pessoal que é só dos dois.
A questão do Autismo é muito presente em Hollywood, seja em filmes como em séries de televisão. O que um filme como PO tem a acrescentar a esse debate?
Acho que esse é um crescimento que tem acontecido de alguns anos para cá, pois não foi sempre assim. Ok, tivemos o Rain Man (1988), que ganhou o Oscar trinta anos atrás, mas quantas outras produções realmente marcantes foram feitas desde então? E se os personagens com autismo estão sendo representados mais, é algo recente. Finalmente se está olhando para as minorias, e pessoas assim existem desde sempre, só que não eram vistas. E mesmo assim, penso que essa carência, principalmente no cinema, ainda persiste. No meu ver, o grande diferencial de PO é o jeito que o filme mostra a relação do pai com o filho, algo que é muito valioso. Existem diversas conexões entre eles, e são elas que possibilitam a identificação. Por isso, este é um filme que permite criar essa empatia com o público.
Quais foram as principais referências na hora de construir o teu personagem? Chegou a fazer algum tipo de pesquisa?
Não, de forma alguma. Não olhei nada. Afinal, tudo o que precisava já tinha em casa. Como disse, meu filho mais velho tem autismo, então a minha experiência com o tema já era bastante pessoal. Claro, ele é muito diferente do Po, pois cada pessoa é única. Mas foi possível aproveitar principalmente o sentimento, tudo o que já vivi, e usar isso em nome da arte. Foi um processo dolorido, confesso, pois precisei me conectar com muitos momentos desesperadores. Mas o bom é que, no final, tudo dá certo.
O quanto David Wilson, o teu personagem, é parecido contigo? E o que você faria diferente dele?
Acho que temos muitas similaridades, sim. Ele foi criado a partir do que eu trouxe para a mesa, entende? Claro, a minha esposa ainda está viva, então essa seria a nossa maior diferença (risos). David, por outro lado, tem que lidar com todo esse stress de estar sozinho. As decisões são todas dele, não há com quem compartilhar. Ele se sente muito solitário, pois além de cuidar do filho, também sente falta da esposa. Confesso, é algo que nunca senti, felizmente, então foi aí que precisei usar a minha criatividade. Isso, para mim, foi o passo mais diferente dessa intensa jornada pessoal.
Você é uma figura constante na televisão, em diversos seriados, mas em PO você aparece como protagonista no cinema. O desafio é muito diferente?
Não muito, honestamente. O desafio, em qualquer projeto, é ser honesto no retrato a que você se propõe. Enquanto ator, não penso se agora sou protagonista ou coadjuvante. O importante é estar presente e dar o seu melhor. É buscar a verdade do personagem. A diferença, quando você está à frente do elenco, é que trabalhamos muito mais (risos).
David Wilson, o pai de PO, é bem diferente do Bob Barnard, da série Insatiable (2018). Você se sente atraído por projetos tão distintos?
Com certeza. Ninguém quer se repetir, não é mesmo? É importante que a gente se sinta constantemente desafiado, disposto a trilhar caminhos que ainda não conhecíamos. Esse meu novo show, o Insatiable, é um ótimo exemplo neste sentido. Aquele personagem não poderia ser mais diferente do que faço aqui. Ele é, literalmente, o oposto do David. Mas o trabalho é o mesmo. É preciso concentração, estar sempre muito atento e entender quem é aquela figura que você está tentando dar vida. Você precisa acreditar antes, pois só assim o público irá comprar o que você está fazendo.
Você também é conhecido como a voz do Flash, em desenhos animados. O que você acha dos trabalhos do Ezra Miller e do Grant Gustin como o personagem? Você gostaria de interpretá-lo em um projeto live action?
Nossa, com certeza. Seria muito divertido, não tenho a menor dúvida. É uma das partes boas desse mundo dos super-heróis, pois é um universo onda a imaginação, literalmente, não tem limites. É muito divertido essa fantasia toda. Minha parte favorita, no entanto, é não ter que morrer na academia para ter um corpo perfeito, nem ter que usar aqueles uniformes apertados (risos). Acho que o Ezra e o Grant fazem excelentes trabalhos, e é bom se sentir parte de um contexto tão maior. Agora, quem adora mesmo são os meus filhos. Eles adoram reconhecer a voz do pai em um personagem tão icônico quanto o Flash. E aproveitam, vão na Comic Con comigo, acham o máximo toda essa função. E eu me divirto, o que já tá bom demais!
(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Los Angeles em Novembro de 2018)
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