Tony Ramos é um dos grandes. E não há quem duvide. Prestes a completar 70 anos, ele possui mais de 80 créditos no currículo, entre trabalhos no cinema e na televisão. Só na tela grande, já foram mais de 30 filmes. Atuações que lhe renderam dois troféus do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar nacional – e reconhecimentos nos festivais de Miami, nos Estados Unidos, e em Gramado, no Brasil. Só ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, a maior premiação da crítica no país e organizado pelo Papo de Cinema, já foram cinco indicações. Sua estreia foi na primeira versão da novela A Outra (1965), há mais de cinco décadas, e logo em seguida aparecia na telona em O Pequeno Mundo de Marcos (1968), de Geraldo Vietri. Filmes como Noites do Sertão (1968) – premiado no Festival de Cartagena, na Colômbia – e Se Eu Fosse Você (2006) – que, junto com a sequência, lançada em 2009, levou mais de 10 milhões de espectadores aos cinemas – o consagraram como um ator respeitado tanto pelo público quanto pela crítica. E agora está voltando às telas, como um dos protagonistas de Quase Memória (2016), adaptação de Ruy Guerra para o clássico romance de Carlos Heitor Cony que finalmente entra em cartaz, mais de dois anos após sua primeira exibição, no Festival do Rio. E com este trabalho em mente, e muitas outras curiosidades, tivemos um bate-papo inédito e exclusivo com o astro no início deste ano, durante o 21o Festival Internacional de Cinema de Punta del Este, no badalado balneário uruguaio, onde Tony Ramos estava presente como o grande homenageado. Confira!
Tony, Quase Memória foi exibido no Festival do Rio e na Mostra Internacional de São Paulo em 2015. Por que essa demora de quase dois anos para, enfim, entrar em cartaz nos cinemas?
Você viu o filme, não? Então já sabe a resposta (risos). Bem, mas falando sério. Quase Memória é um filme que acho lindo, e que o Ruy Guerra, nosso diretor, também já se manifestou muito satisfeito com o resultado. Mas é um exercício claro sobre a velhice, sobre chegada dela e essa quase memória, e a falta dela. É baseado em um livro incrível, do nosso saudoso Carlos Heitor Cony. E, vamos concordar, é um filme difícil, não é fácil. Não estamos falando de um blockbuster. Por mais que tenha momentos lúdicos, de comédia mesmo, quando assume uma postura mais colorida, com o João Miguel e a Mariana Ximenes, por exemplo. A história das mangas, que ele leva de presente, por exemplo, é muito bonita. E é comunicativo, não podemos dizer que não. Porém, na sua essência, é um pensamento sobre a existência. E sobre a idade que chega. Nem todo mundo está a fim de discutir isso, ou tem até medo desse tipo de discussão. E a coragem da obra, e do filme em si, é essa, é enfrentar essa discussão. Demorou, com certeza. Mas chegou.
Você fez uma participação especial em Chocante (2017), no ano passado, mas antes do Quase Memória tinha feito o Getúlio (2014), dois anos antes. O cinema é uma atividade sazonal para você?
Pois veja só, agora, durante o lançamento do Quase Memória, já estou filmando meu próximo filme, com o Luiz Villaça. Que é um grande cineasta, e um amigo querido. Ele é esposo da Denise Fraga, que é maravilhosa, também. Mas, claro, estamos nos organizando para dar uma parada agora para que eu possa me envolver nessa divulgação de agora. Adoro cinema, gosto de participar de todas as fases do trabalho, sou bem interessado. Então, até que o meu próximo filme saia, não deve mais demorar tanto.
Filmar com Ruy Guerra era um objetivo que você realizou?
Não posso dizer que era uma meta pessoal minha, mas foi algo que realizei com imenso respeito. Se o Ruy Guerra me chama para fazer um filme, não é um convite: é uma convocação. Então, quando me convidou, me senti muito honrado. E muito homenageado, também. Trabalhar com esse grande diretor, de tantas obras, jamais fugiria a esse chamado.
Quase Memória passou por vários festivais, e provocou as reações mais diversas. Enquanto você estava filmando, imaginava que o resultado seria tão onírico, por assim dizer?
Não, em momento algum. Quer dizer, sou muito experimentado na profissão. Então, é claro que sentia que não seria convencional. Por exemplo, quando estavam cuidando de detalhes mais técnicos, o Ruy, muito educadamente, chegava para mim e dizia: “agora você pode descansar”. E eu respondia: “mas você se importa que continue aqui, mesmo com esses pijamas, com o robe que o personagem está usando?”. E ele: “mas vai ter muito barulho”. E eu: “não me importo. Pode deixar que fico quieto, aqui na minha cadeira”. Foi aí que ele me entendeu. E nunca mais, durante todas as filmagens, veio me perguntar se eu queria sair. E ficava ali, até o final. Todo o aparato de luzes, figurinos, e eu ali, no canto. Não ouvia o que eles diziam, só ficava sentindo tudo aquilo ao meu redor. Esse era o onírico. A gente mergulhou junto, numa sintonia muito clara.
O Cony tinha muitos fãs, e esse livro, em particular, é muito celebrado. Em algum momento chegou a ter algum receio que a adaptação não estivesse à altura da obra original?
Há, isso sempre nos acompanha. O receio de não corresponder à obra escrita é constante. O mesmo se passou comigo quando fizemos Grande Sertão: Veredas (1985), na Rede Globo. Estava todo mundo preocupado, pois estávamos mexendo em um clássico da nossa literatura. Mas o resultado foi ótimo, e só renovou o interesse pelo livro original. Então, ficamos muito satisfeitos. Com O Sorriso do Lagarto (1991), baseado no João Ubaldo Ribeiro, foi a mesma coisa. Lembro que na época o próprio Ubaldo nos disse: “quando cedo os direitos de uma obra minha, o livro passa a ser do roteirista, do diretor, ou seja, de quem está cuidando da nova versão”. É preciso saber como abrir mão. Então, é claro que há essa preocupação. Mas, nesse caso específico, ao se tratar de um Ruy Guerra, é bom ter certeza de que ele tanto irá respeitar a obra como também irá criar junto a ela.
Você acabou de mencionar o Grande Sertão: Veredas, que acredito ser um dos projetos mais marcantes da sua carreira na televisão. E no cinema, qual seria esse papel divisor de águas da tua filmografia?
Acho que o Bufo e Spallanzani (2001), pelo qual ganhei o Kikito em Gramado, e no qual tive a oportunidade de lidar com a câmera de uma forma cinematográfica muito clara, apostando na economia dos gestos e, ao mesmo tempo, deixando a alma plena com aquele detetive, com aquele personagem. Lembrando, já que você tocou nisso, que do Rubem Fonseca fiz também Lúcia McCartney no teatro, em 1987, e fui co-produtor dessa peça.
Você é um grande ator de cinema e teatro, mas todo mundo te conhece por causa da televisão…
Com certeza. E não tenho problema algum com isso. Não há nenhum desconforto da minha parte.
Mas você não sente que, se não tivesse feito tanta novela, poderia ter feito mais cinema ou mais teatro?
Às vezes sinto falta de não ter feito mais cinema, confesso. Mas fiz, em toda a minha carreira, 32 filmes. Puxa, é um número de respeito, não? Pra mim, tá muito bom. Quantos outros atores por aí, que fazem só cinema, e que às vezes não chegam a 18, 20 longas diferentes. Então, posso dizer que estou feliz. Tá de bom tamanho. E repito: jamais me desgostou ser chamado de ‘ator de televisão’. O que é uma atitude até mesmo preconceituosa. Afinal, somos todos atores. A ferramenta do ator é a interpretação, não importa onde.
Mas chega a te incomodar esse menosprezo pelo trabalho na televisão?
De forma alguma. Afinal, o público, que é com quem me importo de verdade, não vai dizer isso.
Bom, vamos falar sobre algo que muito gente espera: e o Se Eu Fosse Você 3, será que um dia acontece?
Não, acredito que não. Já passaram vários argumentos por nós, storylines, mas nunca me apresentaram um roteiro completo, com início, meio e fim, sobre um terceiro filme. A primeira ideia que chegamos a trabalhar era muito boa, com ela grávida e ele sentindo os sintomas. Era muito engraçado. E parte do momento em que a filha anuncia a gravidez dela. Se decidissem começar desse ponto, até é possível, quem sabe não acontece?
Em uma outra oportunidade, anos atrás, conversei com a Gloria Pires e lhe fiz a mesma pergunta. Ela me pareceu mais entusiasmada com a possibilidade…
Ah, tem muita gente que conta com isso. Os distribuidores querem, a Fox quer. Eu nunca digo “dessa água não bebo”, mas, posso afirmar, que, da minha parte, acabou. É até uma questão de idade, também. Já excedeu o meu tempo. Me compreende? Não para a Glorinha, de forma alguma. Mas em poucos meses estarei fazendo 70 anos. E sou um homem atento a isso. Não quero ter que fazer mais o garotão da novela das sete. Isso seria mentiroso. É esse tipo de comportamento que busco, adequado a como estou me sentindo neste momento.
Bom, para encerrarmos, você pode falar um pouco mais sobre esse novo filme, com o Luiz Villaça? Qual será o título?
45 do Segundo Tempo. Faço o dono de um restaurante, que está sempre rodeado pelos seus melhores amigos. E o filme começa quando eles se encontram em crises vocacionais. Inclusive, um destes amigos é um padre, também passando por um conflito pessoal. E eles querem reconhecer, no passado, como podem voltar a se estimularem. Aí, lá atrás, irão reencontrar aquela menina com a qual tanto sonharam, que hoje é uma mulher madura. E a pergunta do filme é: será que reconstituir o passado ajuda ou atrapalha? O meu personagem tá muito por baixo, o casamento falhou, tudo tem dado mal e até com o cachorro dele a situação tá complicada. Mas é comédia, viu? (risos)
(Entrevista feita ao vivo em Punta Del Este, Uruguai, em fevereiro de 2018)
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