François Civil está tendo um ano e tanto. Após chamar a atenção na comédia romântica Amor à Segunda Vista, exibida há pouco nos cinemas, e estar ao lado de nomes como Omar Sy, Mathieu Kassovitz e Alexis Michalik no thriller submarino Alerta Lobo, já disponível no catálogo da Netflix, ele está de volta às telas no drama Quem Você Pensa Que Sou, e novamente em boa companhia: ninguém menos do que a oscarizada Juliette Binoche. No filme dirigido por Safy Nebbou, os dois vivem uma marcante história de amor – mesmo sem nunca terem se conhecido fisicamente. Em passagem pelo Rio de Janeiro para promover o lançamento desse filme, que fez parte da seleção do Festival Varilux de Cinema Francês 2019, Civil conversou com exclusividade com o Papo de Cinema, e aproveitou também para falar sobre sua carreira e as escolhas que movem o seu trabalho. Confira!
Olá, François. Ao assistir ao filme, conforme a trama ia passando, fui ficando preocupado: o seu personagem é muito comentado, mas só aparece depois da metade da trama. Como foi enfrentar esse desafio?
Isso foi uma das coisas que me interessou nesse projeto. Pois senti o mesmo que você enquanto lia o roteiro, o que me deixou intrigado. Mas antes disso, quando participava do processo de casting, sem saber se seria escolhido ou não, haviam me dito muito pouco a respeito. Conhecia o diretor Safy Nebbou, sabia que a Juliette Binoche seria a protagonista, e na sala onde estava não havia mais nada, apenas eu, uma cadeira e a câmera. Lembro de estar bem consciente do que estava acontecendo ali, de como o Safy acompanhava tudo aquilo, de olhos fechados, só ouvindo. Pensava: “que raios ele está fazendo?”. Achei que não teria chances, afinal, ele não estava prestando atenção em mim. Mas depois, quando tive a oportunidade de ler o roteiro até o final, é que compreendi o que ele estava buscando.
Você está o tempo todo no filme, mesmo sem se fazer presente…
Exatamente. Esse era o maior desafio. Um ator, afinal, é o seu corpo e sua voz. Em Quem Você Pensa Que Sou, no entanto, na maior parte do tempo sou apenas uma voz, e quando finalmente apareço, não passo de um corpo. Foi complicado criar esse tipo de relacionamento com ela, através apenas da voz e de ligações telefônicas, e mesmo assim estimular uma cumplicidade que vai crescendo com o desenrolar da história.
Quem Você Pensa Que Sou tem similaridades com outro filme recente seu, a comédia romântica Amor à Segunda Vista, pois também é uma história de amor em que os dois protagonistas não estão juntos na maior parte do tempo. Você se sente atraído por este tipo de enredo?
(risos) Eu não saberia dizer. Para nós, atores, é diferente de como se dá para os espectadores. Veja bem, nós fazemos um filme, e somente um ano, dois anos depois é que ele chegará aos cinemas. Nunca sabemos ao certo se os filmes que vamos fazendo serão exibidos próximos ou não uns dos outros. É difícil, portanto, refletir a respeito de algo que fiz um ano e meio atrás. Então, não posso dizer com precisão se esse tipo de história tem um apelo maior comigo, mas concordo que seja uma curiosa coincidência. É um ponto de vista externo, e é importante pensar sobre aquilo que não nos ocorre de imediato.
Este não é o primeiro filme no qual você trabalha com Juliette Binoche. Como é tê-la como parceira de cena?
Ela é maravilhosa. É tão incrível, tanto como atriz, como também como pessoa. Interpretei o filho dela dez anos atrás, em Elles (2011), e mesmo tendo poucas cenas juntos naquela vez, foi o suficiente para ficar encantado com tamanho talento. O que ela consegue fazer é inacreditável. Agora, quando fiquei sabendo que teria a oportunidade de atuar como o amante dela, no começo foi um pouco estranho, mas também excitante. Por orientação de Safy, algo que se mostrou bastante acertado, eu e Binoche não nos encontramos nenhuma vez antes das filmagens. Mesmo as ligações por telefone, que aparecem no filme, as tivemos respeitando a continuidade da história. Até fui no set enquanto ela estava trabalhando, mas me escondia para que não me visse. O cara do som me mantinha separado dela, e assim foi por duas semanas, enquanto gravávamos todas essas conversas. Assim foi possível que essa relação, mesmo falsa, encontrasse terreno para crescer. Ao menos até que tivéssemos que fazer a primeira cena juntos, quando eles, enfim, se encontram. Logo depois dessa, já filmamos a cena de amor. Pra mim, ainda sendo um ator jovem, ter a oportunidade de fazer algo com tamanho desprendimento, nu na mesma cama que uma estrela como Juliette Binoche, foi realmente muito intimidante.
Quem Você Pensa Que Sou também tem um olhar bastante crítico sobre relações estabelecidas através das redes sociais. Como você lida com estas ferramentas?
Tenho uma relação um tanto distante. Tenho uma conta no instagram, por exemplo, mas me preocupo em não expor demais minha vida pessoal. São, basicamente, fotos que tiro, pois este é um passatempo que tenho – gosto de fotografar. Gosto de máquinas profissionais, de fotografia mesmo, do filme, não dessas imediatas com smartphones. É um processo mais complicado, longo, mas prazeroso. Acho que muita coisa pode acontecer quando você assiste a um filme como esse. Vidas podem ser destruídas se você não souber como lidar com o que está ao nosso alcance. Ou seja, as redes sociais podem ser boas, se soubermos como usá-las. É importante encontrar um balanço. É fácil odiar quando você está escondido por trás de uma tela. Há um sentimento de impunidade. E há casos piores, quando a pessoa cria identidades falsas, mente e engana. É preciso ter cuidado.
Você não acha que este filme exagera um pouco na intensidade dessa relação? Ou acredita mesmo ser possível que uma paixão como essa possa existir entre duas pessoas que nunca chegaram a se conhecer na vida real?
Acho que é muito possível, sim. Conheço pessoas, aliás, que caíram nesse tipo de armadilha. Eu mesmo já passei por situações complicadas, como quando alguém do telemarketing liga para alterar teu plano de telefonia e a voz da pessoa é tão bonita que você quer seguir conversando com ela, por exemplo. Cair de amores por uma voz pode acontecer, sim. É romântico, intenso, e muito real.
Que tipo de comentários sobre os tempos em que estamos vivendo um filme como esse pretende fazer?
Não sei se é exatamente um comentário, ou uma mensagem direta, mas esta é uma história que reflete o mundo de hoje. E levanta questionamentos a respeito da nossa sanidade e como nos conectamos, uns com os outros. Estes dois filmes, Quem Você Pensa Que Sou e Amor à Segunda Vista, de um modo ou de outro, fala de assuntos muito próximos: você precisa cuidar daqueles que estão ao seu redor. Porque, caso contrário, é você mesmo que pode acabar se perdendo. Além disso, penso que Quem Você Pensa Que Sou é um filme que se preocupa em fazer um retrato de uma mulher, e como elas podem ficar isoladas em nossa sociedade. Há uma abordagem muito interessante a esse respeito também.
Antes foi Amor à Segunda Vista, agora Quem Você Pensa Que Sou, os dois sendo lançado nos cinemas em um intervalo curto de tempo. Este é o ano de François Civil?
É muita exposição, não é mesmo? E há um terceiro, chamado Alerta Lobo, que talvez seja o maior deles – e que já está disponível no Brasil, na Netflix. Que bom que este parece que está sendo o meu ano, mas espero que o próximo também seja, e que assim continue por um bom tempo (risos). Parece ser muita coisa, tudo ao mesmo tempo, mas não foi inesperado, há tempos sabia que esses três filmes seriam exibidos quase que ao mesmo tempo, então tive como me preparar. Veja bem, comecei minha carreira aos 15 anos, agora tenho quase 30. Passei a maior parte da minha vida nesse jogo, atrás de trabalho. Foram anos difíceis no começo, e agora parece que está, finalmente, acontecendo. Mas não é motivo para ficar relaxado e, sim, para redobrar a atenção. Tem sido bom, são filmes diferentes, bons de se assistir e que gostei de ter participado. Tenho orgulho de todo esse caminho que percorri até aqui.
Você já trabalhou em inglês, em produções de maior alcance internacional. Há intenção de seguir nessa linha?
Quem sabe o próximo não seja em português? (risos) Mas, sério, adoraria se isso acontecesse. É sempre um desafio atuar em uma outra língua que não é a sua. Quando estamos fazendo um filme, nos preocupamos em contar da melhor maneira possível aquela pequena história com a qual estamos envolvidos, buscando a maior audiência possível. Estar aqui no Brasil foi um exemplo disso, desse compromisso. Torcemos para que possam tocar espectadores daqui assim como comoveram os franceses. Portanto, com certeza gostaria de receber novos convites para trabalhar no exterior. Mas não apenas em inglês. De onde vierem, serão bem-vindos.
(Entrevista feita ao vivo no Rio de Janeiro em junho de 2019)
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