Luiz Fernando Goulart é o que podemos chamar de “bicho cinematográfico” por excelência, pertencente a uma velha guarda que ajudou a remanejar a produção brasileira nos anos 60. Começou sua carreira como assistente de direção de alguns filmes essenciais do Cinema Novo, tais como Cinco Vezes Favela (1961), de vários diretores; Ganga Zumba (1963) e A Grande Cidade (1965), de Cacá Diegues. Além disso, foi diretor de produção de Todas as Mulheres do Mundo (1996), de Domingos Oliveira; A Opinião Pública (1967), de Arnaldo Jabor; e Garota de Ipanema (1967), de Leon Hirszman. Definitivamente não é pouca coisa. Como diretor, esteve à frente Marilia e Marina (1976), A Rainha do Rádio (1979), Tropclip (1984), Angola, Cantos de Guerra e Liberdade (1987) e Mestre Bimba, a Capoeira Iluminada (2004). Agora, Luiz Fernando volta às telonas com Querido Embaixador (2018), mesclando documentário e dramatização, abordando a importante atuação diplomático-humanitária de Luiz Martins de Souza Dantas, o embaixador brasileiro na França durante a Segunda Guerra Mundial. Confira este Papo de Cinema que tivemos com o realizador, por telefone, na iminência da estreia do filme.
Como a história de Luiz Martins de Souza Dantas chegou até você?
O Charles Chaplin dizia que o maior cineasta é o acaso. Esse projeto chegou a mim exatamente por acaso. Estava jantando com uma grande amiga, a qual não via há tempos. Ela perguntou se eu sabia quem era o Souza Dantas. Diante da minha falta de conhecimento, me incitou a descobri-lo. Fui para casa e, claro, não dormi. Logo, me deparei com a existência do livro Quixote Nas Trevas: O Embaixador Souza Dantas e os Refugiados do Nazismo. Já pela manhã, corri pelas livrarias para encontra-lo. Descobri que o Souza Dantas fez mais pelos judeus do que o Oskar Schindler, alemão que ficou famoso por conta de A Lista de Schindler (1993). Dantas arriscou mais a própria vida, pois foi contra as ordens do governo Vargas, que proibia literalmente a concessão de vistos a judeus, fazendo isso na França ocupada, diante do governo colaboracionista. Ele dava vistos em bares, capôs de automóveis, para quem precisasse se livrar da morte. Em sua defesa, quando questionado pelas autoridades cariocas, ele disse que fez o que qualquer compatriota faria, ou seja, via o brasileiro como um povo de braços abertos para o mundo.
Como se deu o processo de pesquisa, vide que você recorre a diversos materiais de arquivo e depoimentos?
Parti obviamente do livro, que já era fruto de uma pesquisa bastante profunda. Mas fiquei praticamente dois anos procurando material diariamente na internet. Depois, contratamos um excelente pesquisador histórico, que já havia trabalhado comigo, o Antônio Venâncio. Há coisas inéditas, especialmente as de arquivos particulares. Quanto aos depoentes, tem de tudo. Desde uma amiga minha, que revelou conhecer o Souza Dantas, até gente que encontrei no caminho. Quando cheguei à Paris, entrei num clube ao qual o embaixador ia todos os dias. As pessoas não sabiam quem ele era, exceto um senhor presente. Cheguei a Marcos Azambuja, também embaixador do Brasil em Paris. As coisas foram acontecendo. E algumas pessoas estavam nominadas no livro. Incrível, pois descobri que o economista que salvou Nova York da falência escapou da França e, por conseguinte, da morte por causa do Souza Dantas.
Por que apostar num formato híbrido, intercalando documentário e dramatização?
Acredito que hoje em dia há uma liberdade de linguagem que permite basicamente tudo, desde que a história seja contada. Senti que apenas com o documentário seria impossível, pois não tínhamos muitas imagens do Souza Dantas. Seus registros são basicamente coletivos, pouco individuais. Parti para isso do ficcional, mas mantendo a estrutura documental, até para não ter um custo absurdo. Precisamos ser realistas. Tenho absoluta certa de que se tivesse muito dinheiro para fazer esse filme não estaria tão contente com o resultado. Fiquei muito feliz quando me convidaram para fazer uma masterclass na Universidade da Flórida, e os estudantes demonstraram curiosidade, especialmente, sobre essa junção de documentário e ficção.
Por que a opção pelo português como língua, inclusive, dos personagens estrangeiros?
Preferi fazer isso, pois, na realidade, os filmes, desde o início do cinema, têm as linguagens de quem os faz. Achei natural proceder assim, mesmo porque estava trabalhando com atores brasileiros. Foi uma solução boa, a de não tentar fazer alguém falar um francês que não dominava.
Você é um profissional experiente no cinema. Como percebe nosso atual momento cinematográfico?
Percebo como um momento fértil. Minha mulher é interprete de conferências e ela diz que sua profissão está morrendo. Digo que a minha “morreu” em 1954, quando inauguraram a televisão (risos). O que mais se ouvia era isso. No entanto, todos encontraram uma forma de sobreviver. Hoje, não penso estritamente em cinema, mas em audiovisual. Há tantas possibilidades e janelas. Gostaria de ter vivido isso aos 18 anos. Convidaram-me recentemente para fazer um reality show. Mas, aos 18 anos, certamente, desprezaria isso. É tudo muito vivo. Vão se criando novos formatos, equipamentos e possibilidades. Pensando no cinema, em si, como sala de exibição, está difícil no mundo tudo. Mas, isso de sair de casa por um prazer vai continuar. Espero que o cinema se reinvente a partir daí. Nada morre, tudo se transforma.
(Entrevista realizada por telefone, direto do Rio de Janeiro, em julho de 2018)
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