Raphaël Personnaz é provavelmente o grande destaque da delegação internacional do Festival Varilux de Cinema Francês 2024, pois foi anteriormente indicado ao César e ao Lumiere Awards, os dois principais prêmios do cinema francês. Protagonista de Bolero: A Melodia Eterna (2023), ele interpreta ninguém menos do que Maurice Ravel, compositor importantíssimo e reconhecido mundialmente por ter sido o autor de Bolero, obra criada em 1928 para acompanhar um balé e que se tornou extremamente popular dali em diante.
Raphaël Personnaz é o tipo de entrevistado ideal: atento às perguntas e criterioso na elaboração das respostas. Por isso a conversa que você acompanha com exclusividade logo abaixo, apesar de breve, nos diz muito a respeito de como o astro conseguiu “entrar na pele” de Ravel, expressando as suas angústias, dificuldades, repressões e a genialidade. Confira o Papo de Cinema sobre Bolero: A Melodia Eterna.
Quando você leu o roteiro, quais pontos te atraíram imediatamente?
Ao ler o roteiro, o que me agradou de cara foi a sensação de estar diante de um amigo. Além da genialidade óbvia de Maurice Ravel, havia ali um refinamento que me instigava, um modo de falar que eu achava interessante e uma gentileza implícita no comportamento do personagem. Além de Ravel, em si, fiquei interessado pelo brilho próprio daquela época incrível repleta de exposições universais e grandes artistas. Voltando ao personagem, Ravel tinha uma dimensão misteriosa e discreta. Outro ponto era a relação dele com a mãe.
Além disso, deve ser instigante para um ator compor um personagem tão complexo, um homem reprimido que sublima as suas pulsões sexuais e as transferem para o trabalho, neste caso à arte…
Realmente, Ravel era um homem que aparentemente enfrentava uma série de impeditivos para amar, inclusive do ponto de vista físico. Curioso que nas correspondências dele encontramos muitos momentos de cancelamentos de encontros, diversas desculpas para não socializar. Temos a impressão de que ele efetivamente supera todas essas dificuldades por meio da música, que Ravel coloca toda a sua vida na música e na arte. E isso chega a ser uma contradição, pois alguns especialistas citam a obra de Ravel como uma das mais sensuais e sexuais que já existiram. Há suspeitas de que ele tenha morrido virgem, que possa ter sido assexuado. Ravel teve a vida quase de um monge.
E como foi o processo de construção do personagem? Você fez muita pesquisa histórica ou preferiu ter certo distanciamento de algumas coisas para melhor interpretar esse gênio?
Mergulhei numa grande pesquisa de arquivos, li algumas biografias e pesquisei outras obras a respeito de Ravel, como quadrinhos e pinturas. Aliás, sobre as pinturas, é importante citar que nelas Ravel tem sempre posturas muito semelhantes. Em alguns vídeos que circulam pelo YouTube, percebemos que ele tinha uma postura levemente dândi ao tocar o piano (Nota da redação: neste momento, Raphaël pegou o próprio celular e mostrou uma dessas imagens verídicas de Maurice Ravel). Utilizei também isso como referência.
Realmente, a semelhança é impressionante…
Voltando ao processo, quis realmente fazer uma pesquisa muito extensa. Estudei piano por cerca de um ano. Como Ravel era magérrimo, tive de emagrecer cerca de 10 quilos. Ravel era também baixinho, mas aí não pude cortar meus pés para ficar na mesma altura (risos). Trata-se de um trabalho de investigação esse o de ir em busca de um personagem. Encontrei uma gravação rara de Ravel e parecia que eu tinha achado um tesouro. Já os meus familiares e amigos não aguentavam mais eu tocando piano e falando de Ravel (risos).
Há uma cena que me parece essencial no filme, que é a do desagrado de Ravel com o seu Bolero utilizado no balé. Ele não gosta porque é incapaz de compreender a força da expressão física, a sensualidade. Pelo fato de ser um homem reprimido, ele não alcança a carnalidade daquilo, certo?
Concordo totalmente com você. Inclusive no ensaio, falou-se primeiramente que a apresentação seria numa fábrica e o Ravel se depara com um bordel. Para ele foi difícil de processar. Ele odiou a primeira apresentação. Quase todos ao redor amaram, mas ele deu razão ao único espectador que, assim como ele, tinha odiado. Acredito que essa resposta era uma maneira de se distanciar dessa obra que ele não dominava tanto. Vale lembrar que Ravel teve apenas três meses para compô-la. Ele não teve tempo de adornar. de lapidar. Na minha opinião, o Bolero pode representar muitas coisas, como a morte e o sexo, e diante dele Ravel se viu num espelho capaz de refletir a profundidade de sua alma. Talvez ele precisasse de um tempo para se acostumar à própria alma.