Produtora de cinema, cineasta, curadora e apresentadora de televisão. Renata de Almeida é tudo isso e muito mais. Neste momento, no entanto, ela responde por sua maior responsabilidade, como diretora-geral da 39° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o maior evento cinematográfico do país. A programação, que começou no dia 21 de outubro e segue até 04 de novembro, trouxe mais de 300 filmes de todo o mundo, apontando para um trabalho que começou a mais de um ano – e não tem data para acabar. Pensando nisso, fomos conversar com a mulher por trás de todo esse imenso trabalho, que falou sobre como é feita a seleção, a escolha dos homenageados e muito mais. Confira!
Quais as novidades da 39° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo?
Estamos trabalhando muito, mas felizes. O que a Mostra de São Paulo prometeu e acredito que entregou em 2015 foi uma seleção muito bacana, que revelou uma mostra forte, intensa e bastante diversificada. Havia um temor – eu mesmo cheguei a achar em alguns momentos – que neste ano tudo seria menor, que teríamos que abrir mão de muitas coisas, mas no final deu tudo certo.
Esse temor foi devido a crise econômica e política do país?
Tudo isso e mais um pouco (risos). O orçamento, por exemplo, demorou para ser definido, tivemos que atrasar um pouco a produção, até termos certeza de que tamanho a mostra poderia ter. Muita coisa que havíamos pensado tivemos que deixar de stand by, outras precisaria ter tido mais antecedência. A homenagem à The Film Foundation, por exemplo, estamos há dois anos trabalhando em contato com eles. Tem que saber tudo antes, tem que ser muito organizado para que funcione do modo como esperamos.
Quanto tempo antes vocês começam a preparar cada nova edição da Mostra?
Ficamos o ano inteiro em função da Mostra! Tem coisas que levam mais do que um ano! É preciso muito planejamento, organização em cada detalhes. Para se ter uma ideia, antes da edição do ano passado eu já sabia que o pôster de 2015 seria do Martin Scorsese! Ao mesmo tempo, tem muita coisa que tem que ser em cima da hora, pois a Mostra não pode ser desconectada da realidade, tem que ter um olhar jornalístico, estar atenta às últimas tendências, às novidades de cada temporada, e isso tudo precisa ser decidido e providenciado com rapidez.
Como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é vista no exterior?
É bem conceituada, as pessoas no mercado sabem que ela existe e reconhecem sua importância. Essa imagem foi algo construído com tempo e com muito trabalho. Não adiante irmos para qualquer lugar do mundo apenas se achando que somos o melhor, que sou o bom… Tem que mostrar trabalho, constância, e isso é algo que vem com o tempo, não é de um ano para outro. Essa confiança que desfrutamos hoje internacionalmente é única no país, e uma forte comprovação do que temos feito nestes 39 anos com qualidade, preocupação. A Mostra não é um evento oportunista, é algo real, concreto e que segue em frente.
Qual a maior dificuldade enfrentada na edição deste ano?
Fechar o orçamento! Já demonstramos em todos esses anos que sabemos fazer, mas tem que estar dentro das nossas capacidades. Não podemos prometer algo que não será entregue. Então, é um jogo de limites, sempre saber até onde podemos ir e o que fazer para ir mais longe na próxima vez.
Como você percebe junto a público a tradição da Mostra como evento popular?
A Mostra vem crescendo, revertendo para o público tudo que ela ganhou de patrocínio, imediatamente investindo em mais qualidade e inovações. No começo, até a 13° edição, por exemplo, era tudo com legenda em inglês, ou sem legenda nenhuma… no máximo em espanhol! Mas o público não reclamava, e era o apoio que precisávamos naquele momento para seguirmos em frente! Hoje tem vários convidados, aulas magnas, oficinais… tudo volta para o espectador! A mostra vai crescendo, uma grande novidade que inserimos na programação nos últimos anos foi a competição Novos Diretores, pois isso afirma nossa preocupação em descobrir talentos, de acordo com a tendência mundial de revelar novos nomes.
Como são definidos quem serão os homenageados a cada ano?
Gosto meu! (risos) É tudo uma combinação de vários elementos. Ano passado, por exemplo, tinha o Foco Espanha, e por isso providenciamos uma retrospectiva do Almodóvar! O foco deste ano é o Cinema Nórdico! O resgate da The Film Foundation é demonstrar nossa preocupação com importância da história do cinema! Em 25 anos de atividades, eles restauraram 700 filmes em conjunto com varias cinematecas de todo o mundo, resgatando muitos arquivos que haviam sido dados como perdidos. O Martin Scorsese é uma unanimidade de crítica e de público, e com sua fama e poder ele decidiu ajudar o trabalho dos outros! Isso é incrível!
Mas qual a maior preocupação ao eleger um ou outro nome?
Mostrar a diversidade do cinema do mundo inteiro, preservar a história! A opção da The Film Foundation foi pensada porque ela representava algo que a gente queria falar. No ano passado, a Cinemateca Brasileira passava por uma crise, uma coisa gravíssima. E sem um trabalho de preservação no Brasil se perderia muitas coisas! Foi uma situação nossa, aqui em casa! Então, quando programamos uma retrospectiva, devemos pensar no que queremos falar. Você tenta propor uma reflexão, instigar.
Por quê apostar no Foco Nórdico?
Foco no cinema nórdico é também porque eu, pessoalmente, acho que é uma das cinematografias mais interessantes do mundo, que tem conquistado vários prêmios dos principais festivais, mas também queria proporcionar um painel sobre formação de público, pois são países que estão entre os melhores nos rankings internacionais de educação. Além disso, foi possível propor encontros de produção, colocar crianças e adolescentes diante deste novo formato de cinema, que é tão raro por aqui.
Há outros prêmios na programação deste ano, não?
A Mostra também fala um pouco sobre aspectos que a gente quer chamar atenção. O Prêmio Humanidade foi criado para reconhecer um cinema mais humanista, resgatando nomes com carreira reconhecida, e se possuem com filme novo é melhor ainda. Como o italiano Ermanno Olmi, do clássico A Árvore dos Tamancos (1975), que tivemos o prazer de apresentar na segunda Mostra de SP. E agora ele está de volta com esse olhar sobre guerra e o medo em Os Campos Voltarão (2014), então era uma oportunidade que não poderia ser desperdiçada. Além dele temos o chileno Patricio Guzmán, também com filme novo, O Botão de Pérola (2015), que representa um forte trabalho humanista e é um dos grandes documentaristas da América Latina. Já o Mojica, nosso querido Zé do Caixão, ficaria estranho reconhecê-lo com o Prêmio Humanidade, e por isso pensamos nele para o Prêmio Leon Cakoff, que é uma homenagem a toda a sua carreira. E ele merece, sei que ficou muito feliz com a nossa lembrança, foi o Paulo Sacramento que falou com ele. Surgiu essa vontade de criar o Troféu com o nome do Cakoff há quatro anos, logo após a morte dele, que foi um grande baque para todos nós, então é também um modo de lembrá-lo.
Quais os principais destaques da programação em 2015?
Ah, isso é tarefa sua, dos jornalistas e críticos de cinema, e do público. Não posso apontar um ou outro, pois todos foram escolhidos com muito cuidado. Claro, tem os premiados, vamos apresentar o vencedor de Cannes (Dheepan: O Refúgio, 2015) e de Veneza (Desde Allá, 2015), entre tantos outros, então são títulos que naturalmente se destacam. A mostra é muito feita de surpresas, um filme inesperado pode fazer muito sucesso, outros são revelados pelo público, que escolhe os seus favoritos. Tenho as minhas apostas, mas muitas vezes elas nem acontecem, outro longa que acaba se destacando. Cinema é uma união, da obra e da pessoa que está assistindo, então o modo de um encarar aquela manifestação artística pode ser muito diferente da minha.
E o que a Mostra irá apresentar de novidade no Cinema Nacional?
Todos os títulos são inéditos em São Paulo, essa é a nossa preocupação principal. A Mostra Brasil traz um panorama grande do que aconteceu no cinema brasileiro no último ano. Tem muita coisa bacana, mas cinema é algo demorado, um trabalho que vai sendo plantado ao longo dos meses e anos. A seleção está bacana, com muita coisa interessante. O Brasil é um país do tamanho de um continente, ainda mais perto de outros países da América Latina. E procuramos identificar isso na nossa programação. Creio que esta seleção nacional representa o maior grupo dentro da mostra em 2015. Agora resta ao espectador ir atrás e descobrir os seus melhores.
(Entrevista feita ao vivo em São Paulo em 20 de outubro de 2015)
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