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O documentário Ressaca teve sua première brasileira no Cine Ceará 2019, evento do qual saiu com o troféu Mucuripe de Melhor Som. Foi na manhã seguinte a essa estreia que conversamos com os cineastas Patrizia Landi, brasileira, e Vincent Rimbaux, francês. Portanto, neste brevíssimo papo de cinema que segue não estão contempladas coisas muito importantes que aconteceram de lá para cá, entre elas os prêmios de Melhor Documentário e Melhor Direção em Documentário no Festival do Rio 2019 e, principalmente, a vitória do Emmy Internacional 2020 na categoria Arts Programming. Ressaca observa o corpo artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, um dos símbolos culturais do Brasil, paralisado por uma desesperadora grave crise financeira. Com salários atrasados, sem quaisquer perspectivas animadoras, bailarinos, cantores, músicos e demais funcionários enfrentam diariamente uma situação dramática. Então, confira agora a nossa entrevista exclusiva com Patrizia Landi e Vincent Rimbaux sobre o laureado documentário que chega nesta quinta-feira, 28, a vários canais de VoD.

 

Estamos num momento de quase criminalização do artista. Desenhar um panorama amplo, no sentido inclusive de mostrar uma cadeia inteira sendo desmantelada, era essencial para vocês?
Patrícia:
Olhamos para essa situação com muita tristeza. Estamos vendo que cada vez mais o acesso à cultura vai ser restrito a uma elite. Se o governo não fomenta, ele simplesmente está elitizando o acesso. Tínhamos no Teatro Municipal os eventos de domingo, abertos à população, com espetáculos a R$ 1 e isso apenas é possível quando há uma política pública que ampara esse tipo de acesso. O que vivemos hoje é um cenário de terror. É muito triste, as pessoas que tinham esse acesso o perderam. E os artistas vão deixar de produzir. A partir do momento que você não consegue remuneração com a arte, precisa buscar outro emprego, não tem jeito. O que estamos vivendo no Brasil é um terreno árido. Se pensarmos, por exemplo, no audiovisual, veremos em breve filmes beneficiados com uma verba antiga. Daqui para adiante, o que teremos nos cinemas? O que vai ser de quem sobrevive fazendo audiovisual?

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Patrícia e Vincent comemorando os prêmios do Festival do Rio. Foto/divulgação

 

Na construção do documentário, há algum valor específico que vocês veem no fato dele ser codirigido por um estrangeiro, por alguém que, a despeito da intimidade com a cidade, tem outra perspectiva?
P:
Acho que sim. O olhar do Vincent para esse colapso é o de um francês que olha para essa situação com um horror maior. Nós, de certa forma, formos levados a nos acostumar com os altos e baixos do Brasil depois da democratização. O olhar de espanto do Vincent talvez eu não teria. Foi realmente complementar. Eu faço uma ponte, porque sou brasileira, os personagens são brasileiros, então tem algo ali que fura um distanciamento que poderia existir.  
Vincent:
Não sei se o fato de ser estrangeiro ou não influencia, mas talvez, principalmente, a sensibilidade de cada um. As fronteiras, isso de ser de outro país, não tem tanta importância. Acredito que o principal é o nosso olhar.


Como foi se aproximar desses personagens? De que modo aconteceu essa abordagem?

V:
É interessante que, como há muitas pessoas envolvidas, elas de certa forma representam um microcosmo da sociedade brasileira. Há aqueles que ganharam mais dinheiro, os da classe média e os bastante humildes. Queríamos mesmo bailarinos, mas também observar gente mais humilde, embora não soubéssemos de antemão que seria o João. Fomos procurando, falando com as pessoas e chegamos a ele. O Felipe, o primeiro bailarino, foi quem nos deu a ideia de fazer esse filme. Era sintomático o fato dele ter de trabalhar à parte como motorista de Uber. É interessante que a esposa dela também é bailarina, então eram dois sem receber salários, com um filho para criar.

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Vocês mencionaram em outro momento que tiveram dificuldades de acesso ao Teatro Municipal. De que maneira isso influenciou o resultado do filme?
V:
Foi muito difícil, sempre uma luta para conseguir todas as autorizações. Esbarrávamos às vezes em questões sindicais. Tivemos de enfrentar muita burocracia. Dentro do teatro era algo delicado, porque eles estavam muito á flor da pele. Eles não eram unanimemente de acordo. Mas, nos aceitaram, pelo menos a maioria, porque havia um desejo de que a história fosse contada para ver se mudava alguma coisa.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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