A animação produzida no Brasil é uma das mais elogiadas e premiadas internacionalmente. Basta considerar os recentes feitos de O Menino e o Mundo (2013), filme de Alê Abreu indicado ao Oscar de Melhor Animação. Ainda assim, nem tudo são glórias, e apesar do que parece a produção animada nacional para o cinema é complexa, possui poucos investidores e um pequeno e frágil histórico nos cinemas do país. Nesse cenário, o animador carioca Rodrigo Gava se destaca com um currículo impressionante, marcado por distinções em festivais como o Anima Mundi e a realização de dois dos longas-metragens animados mais vistos em telas brasileiras.
Em competição no Cine PE 2016 com As Aventuras do Pequeno Colombo (2015), o realizador concedeu uma entrevista exclusiva ao Papo de Cinema, na qual revela detalhes curiosos da produção protagonizada pelos pequenos Cristóvão Colombo, Leonardo Da Vinci e Mona Lisa. Na conversa, Gava ainda falou das dificuldades encontradas durante a realização do projeto, que levou mais de 8 anos para ficar pronto, e discorreu sobre o momento promissor da animação brasileira em níveis de produção e distribuição internacionais. Confira!
Como você se sente ao apresentar As Aventuras do Pequeno Colombo durante o Cine PE?
Para nós é um orgulho muito grande estar aqui, porque este festival é muito tradicional e importante no circuito nacional de cinema. Tenho muita satisfação em apresentar aqui o As Aventuras do Pequeno Colombo.
Você possui um histórico na animação que contempla a realização de longas-metragens e prêmios em festivais importantes, como o Anima Mundi. Como se deu sua introdução nesse universo?
Entrei na animação há 14 anos, quando comecei fazendo animação para televisão com o (programa) Xuxa no Mundo da Imaginação. Desde então pude vivenciar toda a evolução que ocorreu de lá para cá nesse universo, que começou com algumas produtoras indo para o mercado internacional para buscar a realização de séries televisivas, algo que começou a dar certo. Então a associação DPI TV teve um papel fundamental nesse período, com a internacionalização desses projetos. Isso fez com que estúdios nacionais passassem a fechar negócio com produtoras internacionais, o que tornou o produto da animação brasileira muito qualificado. Tanto é que estas animações, quando começaram a ser exibidas no Brasil, foram líderes de audiência em seus canais. Então foi ótimo acompanhar toda essa curva de evolução da animação no país. Fui diretor da Labo Cine, que foi um dos maiores estúdios de animação em 2010. Lá fizemos dois longas-metragens, Xuxinha e Guto Contra os Monstros do Espaço (2005) e Turma da Mônica: Uma Aventura no Tempo (2007), que foram sucesso de bilheteria numa época em que não existiam muitos estúdios de animação, apenas alguns pequenos fazendo publicidade. Foi a primeira vez que trabalhei em um estúdio grande, com 60 animadores. Hoje, vários outros estúdios que existem e que são muito bons foram criados por animadores que saíram de lá.
E foi nesse cenário que surgiu a Gava Produções?
Sim. Com todo esse aprendizado que tivemos nesse estúdio, quando a Labo Cine fechou percebemos que não poderíamos deixar aquilo acabar, que o produto era muito bom e que existia mercado. Então demos continuidade com a Gava Produções.
Como você se envolveu com o projeto de As Aventuras do Pequeno Colombo?
O início de tudo surgiu com o roteirista, o Pedro Ernesto Stilpen, que é um cara genial. Ele trouxe essa ideia para nós na época em que ainda éramos da Labo Cine, eu e Clewerson Saremba, que também assina a concepção do projeto. Quando o Stilpen apresentou essa história ficamos loucos, porque era uma trama que envolvia Cristóvão Colombo, Leonardo da Vinci e Mona Lisa numa ficção, mas toda conectada com fatos históricos. Na época até brincávamos com paralelos com o filme O Código Da Vinci (2006), que surgiu no mesmo período em que recebemos o roteiro.
E quais foram os primeiros passos para produzir o longa-metragem?
Foram anos trabalhando o roteiro, os personagens, criando o design da produção. O próprio desenho dos personagens sofreu muitas alterações, porque inicialmente nós levamos mais para o conceito visual da Disney, e quando levamos para o mercado internacional ele teve muita rejeição por conta dessa semelhança. Parecia que estávamos tentando imitar a Disney e não era essa nossa intenção. Então trouxemos o projeto de volta e decidimos colocar a nossa cara e a nossa assinatura para torná-lo diferenciado.
Na apresentação do filme no Cine PE, você e seu produtor, Marco Altberg, comentaram sobre o impasse que as animações nacionais encontram com produtoras e exibidoras frente às atenções com blockbusters norte-americanos. Como você avalia este cenário?
Nós temos uma situação bem complexa, porque historicamente os filmes de animação nacional não fizeram sucesso. Tanto é que o recorde de bilheteria ainda está com Xuxinha e Guto Contra os Monstros do Espaço (2005) e Turma da Mônica: Uma Aventura no Tempo (2007), que fizeram 600 mil espectadores cada, aproximadamente. Quando uma distribuidora analisa isso, ela considera apenas o aspecto financeiro; ela não quer saber se o filme é artístico e bonito pra caramba, ela quer saber se o filme vai dar retorno. Como ela vê o histórico, acha que não há retorno, por conta disso não investe. Quando você não tem o investimento devido, nunca consegue inverter essa situação e assim, nunca vai fazer um filme de sucesso. Você acaba desenvolvendo um projeto com baixo orçamento para competir com filmes de orçamento altíssimo. A gente já mostrou que tem capacidade de produzir filmes para competir de igual para igual com esses blockbusters norte-americanos, o problema é justamente esse investimento que lá acontece e aqui não. Assim, acabamos ficando para trás, tendo que cortar etapas que são cruciais para o desenvolvimento de projeto, inclusive na contratação de profissionais essenciais para a realização. Então acabamos no impasse de que o filme não dá certo porque não tem investimento e não tem investimento porque o filme não dá certo. É necessário, em algum momento, que alguém esteja disposto a arriscar para apostar num filme de animação nacional, para que este seja feito da maneira correta do começo ao fim e então quebrar essa situação. Nas animações para séries de televisão a gente já vê que isso aconteceu, a partir do momento que as TVs foram obrigadas a exibir conteúdo nacional. Aí eles tiveram que investir e isso foi ótimo, porque as animações nacionais deram muito certo.
Quanto tempo levou da concepção do roteiro à finalização de As Aventuras do Pequeno Colombo?
Acho que a gente pode dividir isso em duas etapas, a primeira seria a pré-produção, toda a parte de captação de recursos, de trabalhar o roteiro, algo que durou bastante tempo. Queríamos começar o filme apenas quando tivéssemos financiamento suficiente para seguir até o fim. Então foi um trabalho árduo, a primeira fagulha se deu quando ganhamos o edital do BNDES lá em 2008, 2009, que mostrou que outros investidores poderiam investir porque já tínhamos algo segurado. Mesmo assim, foi um trabalho lento, entramos com o Fundo Setorial do Audiovisual, a Globo Filmes entrou junto, TeleCine, Rio Filme, vários grupos entraram. Até isso acontecer, nada evoluiu no projeto a não ser o roteiro, e por um lado isso foi muito bom para trabalharmos bastante com ele.
Houveram muitos tratamentos e versões até definirem o roteiro perfeito?
A última versão do roteiro é a de número 30 (risos). Quando estávamos lá pela versão 27 ou 28 e achamos que estava bom, contratamos o animador Ennio Torresan, que é uma fera da Dreamworks, e mandamos para ele fazer uma consultoria de roteiro. Então ele pode estruturar todo o nosso roteiro para que ele pudesse ter uma pegada internacional e eliminar várias possíveis falhas e problemas de continuidade. Quando ele terminou, reescrevemos o roteiro e chegamos a versão final que é esta apresentada, que nos deixou bastante satisfeitos. Depois chegamos à segunda parte, a produção, quando contratamos uma equipe e o estúdio para fazer a animação e dirigimos toda a produção junto com eles – o que levou mais três anos.
Esse processo é longo, geralmente muito maior que a produção em live action, certo?
Pois é, esse é um outro problema da animação no que tange o investimento, porque é alto e bem mais lento que o live action. Então isso também sofre uma resistência dos investidores na hora de apostar, porque o dinheiro que ele investe hoje só vai começar a ter um retorno três ou quatro anos depois, isso se o filme der certo. Então é bastante desafiador investir em animação.
Há uma previsão de lançamento para As Aventuras do Pequeno Colombo?
Ainda não, porque isso está na mão da distribuidora, que é a Paris Filmes. Eles estão analisando o melhor momento para isso. Até achamos que seria lançado antes, porque o filme está pronto há algum tempo – foi exibido no Anima Mundi do ano passado. Mas não tenho muito domínio sobre essa parte porque isso fica mais com o Marco (Altberg), que é da produção.
Quais são seus próximos projetos?
Acabamos de entregar uma série chamada Tronquinho e Pão de Queijo para o canal Gloob, que está em exibição. Estamos vendo também se faremos uma segunda temporada ou uma continuação para As Aventuras do Pequeno Colombo e temos outros projetos também em desenvolvimento e buscando financiamento. Agora começa tudo de novo (risos).
O próprio As Aventuras do Pequeno Colombo tem personagens, universo e estrutura que permitem uma serialização. Vocês pensam nisso?
Sim, a ideia é essa, de trabalhar primeiro o lançamento do longa-metragem e depois consideramos seguir com este projeto, porque essa história e esses personagens permitem muita continuidade.
Ao fim da entrevista, o ator Jonas Bloch, passando pelo local onde o Papo de Cinema conversava com o diretor Rodrigo Gava, declarou que acha um absurdo a carência e o descaso de espaços para exibir a animação As Aventuras do Pequeno Colombo e parabenizou o cineasta pela realização, que considerou muito bonita. Os fãs já estão por aí, agora resta esperar pelo lançamento desta aventura nos cinemas.
(Entrevista feita ao vivo em Recife durante o Cine PE 2016)