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Rosa Tirana :: “O filme nasceu para o mundo a partir do Cinefantasy”, revela o diretor Rogerio Sagui

Publicado por
Robledo Milani

Um dos destaques do Cinefantasy 2022 é a Mostra Fantlatam, que exibiu títulos em parceria com a Alianza Latinoamericana de Festivales de Cine Fantástico. E entre as atrações selecionadas esteve Rosa Tirana (2021), de Rogerio Sagui. Nascido no sudoeste da Bahia, o cineasta ganhou visibilidade primeiro com o curta As Memórias de um Quilombo Vivo (2019), para logo em seguida estrear no formato longa-metragem. Atualmente morando no Rio de Janeiro, onde coordena as gravações da próxima novela das 18h da Rede Globo – curiosamente batizada como Mar do Sertão – o diretor conversou com exclusividade com o Papo de Cinema sobre como nasceu a história da menina Rosa em suas andanças pelo interior do país, como ele vê o cinema fantástico e qual a importância do Cinefantasy para a carreira do seu filme. Confira!

 

Como nasceu a história do filme Rosa Tirana?
Cara, a inspiração foi um devaneio. Estava em um outro projeto, na pré-produção. Em uma madrugada, meio dormindo, meio sonhando, me veio essa menina caminhando pelo sertão com um oratório em mãos. Ela tava procurando por alguma coisa, fazia perguntas, mas não conseguia ouvi-la. Eu meio que acordei no susto, pensando: “cara, que bonito isso”. Naquela época morava ainda na Bahia, em um sobrado, e lembro que estava na parte de cima. Tive que descer para procurar um papel e escrever isso que tinha sonhado. Alguma coisa me dizia que o nome dela era Rosa. Começou assim: “A menina Rosa estava fazendo uma travessia pelo sertão, à procura de…”. Eu não sabia ainda. Como não encontrei resposta, fechei o caderno, coloquei numa gaveta e voltei para o meu projeto anterior. Mas isso seguia me chamando, “tenho que escrever essa história”. Quando pensei “é agora”, os demais personagens me vieram, sabia o que ela estava procurando, tudo veio aos poucos, e assim o Rosa Tirana nasceu.

O diretor Rogerio Sagui

Quando essa história lhe ocorreu pela primeira vez, sabia que teria que ser um longa?
Não tinha a menor ideia. Aos poucos fui percebendo que seria uma obra audiovisual. Na primeira versão, surgiu como um curta. Mas continuei escrevendo, até ser um média. Mais à frente, em outros tratamentos, o longa foi ganhando forma. O Zé Dumont foi um grande incentivador para isso. Ele que me disse: “isso não cabe como curta ou média, é um longa”. Bom, se o falou, é porque sabe das coisas, né? Então, nos tratamentos finais, foi nesse sentido. Era uma coisa que mexia comigo, sempre tive uma ligação forte com o sertão. Ficava olhando por horas aquelas paisagens secas, porém belíssimas. Conseguia ver uma ternura, mesmo sendo um ambiente tão inóspito.

 

Vamos falar do elenco. Desde o começo você queria o José Dumont?
Quando finalizei o primeiro tratamento, me veio essa ideia: quero o Zé Dumont. Estava claro na minha cabeça. Mas não tinha ideia de como falar com ele. Fui procurar na internet, e acabei encontrando uma produtora que é sobrinha dele, a Kátia Dumont. Através dela mandei o roteiro, que me disse: “fica tranquilo que vou entregar para o meu tio”. Nem criei esperanças, pensei com os meus botões: “vai entregar é nunca” (risos) “e se entregar, certo que ele não vai dar elegância”. Dois dias depois, meu telefone tocou: “oi, tudo bem, aqui é o José Dumont”. Eu não acreditei. Minha filha mais velha, que estava comigo no momento, me disse depois que comecei a pular, dava soco no ar, de tão feliz que fiquei. Foi um gol de placa. Tipo, estava falando com o meu ídolo. Fiquei sem palavras. Ainda bem que ele tinha lido e gostado, então começou a falar tudo que tinha achado. Tanto que estava envolvido com outros dois trabalhos, cancelou ambos e foi lá pra minha cidade para discutirmos juntos como seriam as filmagens.

 

Então o que convenceu o foi o texto, pois ele leu o roteiro antes mesmo de te conhecer?
Exatamente. Nem sabia quem eu era quando leu a história. Depois, me dizia: “isso tá maravilhoso, lindo demais, vai ser um sucesso”. E eu todo inseguro, pensando comigo mesmo: “será que esse filme vai estar à altura do grande José Dumont?”. Mas me deu tanto apoio que comecei a acreditar também. Tanto que foi o primeiro nome do elenco que escolhemos. Tentei contato com ele em 2015, mas na época, ele tava fazendo Velho Chico (2016), e só em 2018 é que consegui retomar o convite.

José Dumont, em cena de ‘Rosa Tirana’

Nem todo mundo no elenco é ator profissional, certo?
Tem de todos os tipos. Tem muito ator que nunca tinha feito cinema, por exemplo, mas que veio do teatro. A menina que a faz a Rosa, a Kiarah Rocha, nunca tinha feito nada. A escolha dela foi interessante. Tínhamos uma lista de umas oito meninas, mais ou menos, para fazer teste, quando fui buscar minhas filhas, na escola. Ela estudava no mesmo colégio. Quando a vi, foi imediato: “é ela, é a Rosa”. Sentei do lado dela, timidamente, fiz o convite, e ela prontamente disse: “quero sim”. Claro, fui falar com os pais dela, mostrar que era algo sério, e me disseram: “não, nunca fez nada, não é pra ela isso aí”. Tive que quase implorar, pedindo para que deixassem ela tentar. Deu tão certo que, durante as filmagens, nunca precisei pedir para repetir uma cena. Sempre acertava de primeira. O José Dumont ficou abismado, chegou a dizer: “essa menina é muito talentosa, é a próxima Dira Paes”.

 

Como o Rosa Tirana acabou se envolvendo com o Cinefantasy?
Bom, demorou um pouco até chegar no Eduardo Santana e na Mônica Trigo, esse casal maravilhoso que comanda o Cinefantasy. Antes disso, o filme havia sido selecionado para a Mostra de Tiradentes, onde teve uma exibição muito bonita. Na ocasião, um amigo me disse: “esse filme foi feito para o Cinefantasy”. Fiquei meio na dúvida, achei que nem seria aceito, mas mandei mesmo assim e acabou selecionado. Foi durante essa projeção no Cinefantasy que senti virar a chave em mim. Até o fato de hoje estar trabalhando na Rede Globo e fazendo uma novela, agradeço ao Cinefantasy. Foi esse festival que abriu as portas para mim e para o meu filme. Foi onde teve mais visibilidade, o acesso foi em nível internacional. Um produtor que nem estava no Brasil, mas que assistiu ao Rosa Tirana pela exibição online, gostou e entrou em contato comigo e começamos a desenvolver uma relação de trabalho juntos. Tudo graças ao Eduardo e à Mônica.

 

Cinefantasy foi decisivo para a carreira do filme, portanto?
Sem dúvida nenhuma. Recebi mais de vinte convites para outros festivais a partir da exibição no Cinefantasy. Nós fomos premiados no festival, e até no exterior – ganhamos um prêmio de distribuição na Argentina, para você ter ideia. Tiradentes foi muito bom, foi a nossa estreia, mas após a exibição no Cinefantasy ocorreu um boom! Parece que, enfim, tinham descoberto o nosso filme. Essa visibilidade veio daí, o filme nasceu para o mundo a partir do Cinefantasy.

 

Festivais de cinema fantástico geralmente privilegiam obras de terror e suspense, e o teu filme é mais lúdico. Qual é a tua relação com o cinema fantástico e como foi ver o Rosa Tirana como parte desse universo?
Primeiro, fui descobrindo aos poucos. Vi muitos filmes de suspense e de terror no Cinefantasy, bem como você falou. Tanto que me perguntei: “será que estamos no festival errado?” (risos) Mas aos poucos perecebi que não, o conceito da curadoria era mais aberto, e o Rosa Tirana, sim, podia estar ali. A gente podia se adaptar a essa pegada de suspense e de terror. Isso vem através do olhar da menina. Tem cenas que aterrorizam, ainda que de uma forma lúdica, quase poética. Me relacionei bem com essa definição. O cinema fantástico fala comigo, é algo que sempre gostei de ver, e que quero continuar fazendo. Esse olhar da fábula, do medo através de metáforas, com subjetividade. Foi uma grande descoberta. Posso estar no Cinefantasy com um filme como o meu.

Kiarah Rocha em cena de ‘Rosa Tirana’

Rosa Tirana permanece inédito no circuito comercial. Quais são os próximos passos?
Também através do Cinefantasy, várias distribuidoras entraram em contato conosco. Fechei com uma do Rio de Janeiro, a Forte Filmes, porque tinha um plano parecido com o que quero para o filme, o jeito de circular, de distribuir. Ela tá em negociações com algumas plataformas, então está em boas mãos. Confio nesse trabalho que estão desenvolvendo. Espero que até o final desse ano o Rosa Tirana esteja disponível e ao alcance dos espectadores. Primeiro nos cinemas, e depois em streaming e televisão.

 

Mesmo nesse cenário pós-pandemia, o cinema segue com seu lugar consagrado?
O cinema é um lugar mágico. Todo realizador quer ver seu filme naquela sala escura, na telona. É um ritual de passagem. Faz parte do nosso imaginário. Fizemos um lançamento improvisado na minha cidade, montamos um cinema às pressas, no espaço cultural, e foi emocionante. Ficaram aplaudindo por mais de dez minutos após o término, chorei muito. Mas os festivais por onde fomos selecionados foram todos online, então não tive esse prazer ainda. Não consegui ver meu filme numa sala de verdade, a primeira vez vai ser agora, no Cinefantasy 2022, pela Fantlatam. Estou muito empolgado! A recepção foi tão boa por onde passou até agora, que chega de outra forma. É um movimento solitário o do realizador enquanto espera ser aceito, saber onde tua obra vai ser exibida. Então, agora estou mais tranquilo. Mas a emoção segue a mesma.

 

Tem diferença ser exibido numa Mostra de Tiradentes, por exemplo, que é um festival aberto, e num Cinefantasy, que fala com um público direcionado?
Sim. Querendo ou não, o público do Cinefantasy está pré-disposto, está ali pois gosta desse tipo de filme. São experiências distintas, mas ambas positivas. Em Tiradentes, por exemplo, batemos recorde de visualizações. A plataforma nos ligou para dizer que estavam sobrecarregados, não estavam conseguindo exibir de tanta gente acessando! Foi bem legal ter esse impacto logo de início.

Cena de ‘Rosa Tirana’

Qual conselho você daria para cineastas que estão hoje na mesma situação que estava três anos atrás? Como participar do Cinefantasy pode colaborar com a carreira de quem está começando?
Primeiro, tem que fazer. Independente se tem grana ou não. Tem um sonho, tem uma história? Tem que fazer. Vai levar um ano ou dois, não interessa. Siga firme nesse propósito. E depois, tem que procurar o festival certo. Se for parar em uma mostra que não tem a cara do seu filme, pode ser fatal. As críticas, a maneira como irão receber a sessão, tudo é diferente. Então, só está acontecendo isso com o Rosa Tirana e com a minha carreira graças ao filme ter estado no festival certo e na hora certa. Mesmo no desespero pandêmico pelo qual estávamos atravessando, conseguimos chegar aonde queríamos.

(Entrevista feita via zoom em sete de junho de 2022)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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