Sailing Band (2017) não era para ser um longa-metragem, muito menos foi concebido visando a exibição em tela grande. Denis Nielsen, roteirista experiente (trabalhou, entre outras coisas, em 3%, 2016, série original da Netflix), achou que a história dos músicos reunidos no Caribe para uma turnê pelas ilhas dava um bom gancho para uma série televisiva. Fato é que, durante o processo, inclusive o posterior de montagem, descobriu-se um longa em meio ao registro dos dois meses que Denis passou na companhia da galera do Sound Citizens. Nesta entrevista, ele comenta sobre a trajetória repleta de desdobramentos inesperados e a respeito do processo que o levou a modificar drasticamente a natureza do material captado. Denis fala com muito desprendimento de Sailing Band, sem afetações ou quaisquer sintomas de preciosismo. Parece, evidentemente, feliz com o resultado, com o desfecho de uma aventura vivida num dos lugares mais paradisíacos do mundo – embora, muito da graça do filme venha justamente da desconstrução desse imaginário popular acerca da localidade –, na companhia de um pessoal cujo amor pela música está acima de planejamentos ou das rotas previamente estabelecidas. Confira este bate-papo exclusivo com Denis Nielsen.
Qual sua proximidade com os integrantes da Sound Citizens? Pergunto isso, pois você, e consequentemente a câmera, parece uma presença natural, não intrusiva.
Na verdade, eu não conhecia todos os integrantes, conhecia apenas o Bruno, o baixista. Antes não éramos propriamente amigos. Estudávamos na mesma escola, mas nem era na mesma classe. Tínhamos amigos em comum, então fiquei sabendo da história dele, disso de fazer parte de uma banda que se reunia no Caribe. Aí me aproximei, ele contou tudo e achei que seria um puta mote para uma série de televisão, com cada capítulo se passando numa ilha diferente. Foi a primeira coisa que pensei. Sobre passar despercebido, tentei realmente isso. Fiquei dois meses com eles por lá. Utilizei os momentos de maior naturalidade. Então, foi minha intenção “desaparecer”, virar um deles, deixar a câmera meio invisível, suscetível às situações mais interessantes.
Você é também roteirista. Sailing Band foi construído mais durante os processos de filmagem e montagem ou obedeceu a uma lógica preconcebida pelo texto?
Legal você perguntar isso. Sou roteirista, não documentarista (risos). Com a ideia de fazer um piloto para a televisão, fui para o Caribe, mas não tinha controle sobre o que acontecia. O pessoal fazia o que queria e acabou que o projeto de banda itinerante deu errado. O filme se construiu inteiramente na montagem, se tornando o registro de algo que não aconteceu. Enquanto gravava, eu ficava aflito, pois não tinha uma história. Não voltei exatamente com o material que queria, mas decidi montar, mesmo assim, meio que para não “morrer” com o que trouxe. Então, aproveitando a experiência como roteirista, estruturei o material, mesmo sem contar o que eu queria, a trajetória deles, disso de pegarem um barco e sair em turnê pelo Caribe. Na minha cabeça, viajando um pouco, a coisa tinha perfil meio canal Off, sabe? Cheguei a falar com umas produtoras previamente, mas como não tinha algo para apresentar, decidi ir para lá e gravar imagens para vender um piloto.
Sobressai em Sailing Band um curioso tom amador, de ser um registro feito por amigos e para amigos. Essa natureza era intencional e, portanto, fruto de construção ou foi natural?
Foi uma coisa bem natural. Fui por conta própria, apenas para vender uma ideia de série. Tive zero orçamento, fui com equipamento arranjado e sem equipe. Tendo me correspondido antes com o pessoal da banda, recebi material em vídeo deles, saquei de antemão que a pegada era menos visual e muito mais no sentido do “vamos fazer acontecer”. Por mais que as coisas lá tenham dado errado, esse tom amador da captação funciona para esse projeto, pois tem a ver essencialmente com os personagens, que vão nesse sentido de não planejar as coisas direito e ir fazendo. Até utilizo no documentário diversas imagens que eles enviaram, feitas com GoPro. Na edição, achei que isso tinha muito a ver com a ideia do “faça você mesmo” e meio que desliguei do senso estético, exatamente em prol de contar a história.
Gradativamente o humor sobressai, com as legendas bem humoradas e outros elementos gráficos. E isso contribui para a espontaneidade vista. Como surgiu essa veia cômica?
Diversos momentos, na hora da captação, eu sentia como preciosos, engraçados, mas teve muita coisa surgida na montagem, também. Há uma cena que se deu completamente na montagem. Eu entrevisto um cara antes do show e ele está sendo super honesto. Logo em seguida, corto para ele comendo marmita numa obra. Aquilo foi uma sucessão natural, pois procurei fazer uma quebra no discurso da banda, confrontando-o com a realidade. Por exemplo, escolhi fechar o filme com aqueles depoimentos específicos, porque achei que isso tem muito a ver com os caras, de não dar certo, já que eles sonham alto. A realidade é bem diferente. O próprio Caribe que você vê é desglamourizado, meio sujo (risos). Esse era o Caribe em que aquela situação acontecia. Portanto, o humor surgiu mais na montagem.
Gostaria que você falasse um pouco do Sascha, que tem até um mini talk show entrecortando a trama principal, e ensaia em diversas vezes “roubar” o filme.
Não o conhecia. Sascha é amigo do Bruno. Quando cheguei, ele já estava lá. Ele foi para o Caribe como amigo, sem função. Como estava na casa, meio que dependendo da galera, a banda o colocou como roadie. Sascha é o grande contraponto da banda. No fim do dia, quando desligava a câmera, era com ele que eu conversava. O Sascha sabia que provavelmente aquilo não daria certo. Quando eu apontava a câmera para ele surgiam as pérolas. Há coisas do Sascha mais interessantes do que da banda (risos). Não acho que ele ensaia roubar o filme, acho que ele o rouba completamente (risos). No fundo, sem o Sascha eu não teria um filme. Talvez tivesse um curta, mas nem tão engraçado.
E a estreia como documentarista?
Fazer um filme assim foi, de certa maneira, um tapa na cara do Denis roteirista, do cara que planeja tudo antes de gravar. O Denis documentarista sofreu, porque não havia história, nada estava estruturado, as coisas planejadas davam errado, então foi um puta processo de aprendizado. Fico feliz de chegarmos às salas de cinema. A Paris Filmes foi uma parceria essencial para isso. Na minha cabeça, o filme combinava com plataformas digitais. Mas o pessoal da Paris veio com a ideia de lançar no cinema e eu achei o máximo. Para mim, tudo está sendo mais do que imaginei. Nem sonhava que isso tudo fosse acabar na tela do cinema.
(Entrevista concedida por telefone, direto de São Paulo, em janeiro de 2018)