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O cineasta italiano Daniele Luchetti é o convidado de honra da 11ª 8½ Festa do Cinema Italiano, evento que acontece em diversas cidades brasileiras entre 27 de junho a 03 de julho. No Brasil para conversar em quatro ocasiões com as plateias de Rio de Janeiro e São Paulo (a agenda dele você confere clicando aqui), o realizador está lançando por aqui o seu mais novo filme: Segredos (2023). Nele, Pietro, professor de uma escola na periferia de Roma, é muito querido pelos alunos. Depois de mais um ano letivo, o mestre engata um relacionamento intenso com Teresa, sua brilhante ex-aluna dez anos mais nova. Ela é uma mulher genial que adora testar os limites de Pietro. Em certa ocasião, Teresa propõe que os dois confessem seus segredos mais obscuros, fazendo com que o rumo da relação mude completamente. É um thriller que discute as dúvidas de dois amantes que, num momento de necessidade de repactuar o relacionamento, o fizeram trocando confidências escabrosas. O Papo de Cinema conversou remotamente com Daniele Luchetti para saber sobre a concepção do filme bem como a respeito das expectativas dele ao reencontrar o público brasileiro, agora na 11ª 8½ Festa do Cinema Italiano. Confira com exclusividade.

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Quais foram os aspectos que mais te interessaram no livro ao ponto de você decidir fazer o filme?
Precisei de quase um ano para compreender o que havia me atraído tanto no livro. Eu realmente não entendia o motivo. Hoje compreendo que há uma série de razões para esse interesse. Primeiro, explorar esse personagem que tem, digamos assim, uma masculinidade tóxica. Segundo, a diferença entre a faceta pública e a privada. Nas conversas com o autor, expus a ele que não estava conseguindo encontrar realmente o foco, aquilo que me atraía à história. E ele disse que achava que a tensão poderia me atrair. Na hora concordei com ele: “é sobre isso que desejo falar”. Trata-se de um filme sobre um relacionamento com elementos de suspense, algo muito cinematográfico.

Todo relacionamento é um pacto. O do filme é selado por segredos potencialmente destrutivos. Isso também te atraiu?
No idioma italiano, a palavra confidenza pode ser utilizada quando entramos num espaço ou numa relação na qual nos revelamos e, por confiança, nos colocamos em vulnerabilidade, nos entregamos ao outro. Não sei se no Brasil há um equivalente com a mesma conotação. Mas, certamente isso tudo também me atraiu como cineasta.

Me parece que você faz um esforço muito grande para não julgar os personagens. Isso faz realmente parte de sua abordagem, essa vontade de não sentenciar os personagens?
Há uma diferença muito grande entre o cinema europeu, o latino e o norte-americano. O norte-americano acredita na existência apenas dos bons e maus. Europeus e latinos acreditam no ser humano, nessa entidade que pode ser má ou boa. Como professor, nas aulas sempre peço para meus alunos fazerem exercícios de direção e atuação. Para os atores e atrizes solicito não uma performance, mas para estarem em cena. Aos diretores e diretoras, pergunto quantas dimensões eles enxergam nesses personagens. Reduzir a bons e maus é quase infantil.

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O livro é escrito por um homem, o filme dirigido por um homem e o protagonismo é masculino. Você fez um trabalho com a Federica Rosselini, a intérprete da principal personagem feminina, para ela não ser apenas “o perigo”?
No cinema, temos tantas histórias de personagens femininas vistas como figuras negativas, que isso se tornou um lugar-comum. Quando conheci Federica, conversava com ela sobre o fato de que não precisávamos assinalar isso, pois o público a tomaria imediatamente desse jeito por conta do inconsciente coletivo. Precisamos trabalhar muito pouco a personagem feminina, pois Federica tem um semblante, uma presença e uma atitude muito marcantes. Trabalhamos, sim, a forma como os demais personagens a encaravam. A atriz precisou ser bastante sutil porque tem naturalmente uma presença muito forte.

Saber quais foram os segredos trocados entre os personagens não é importante, pois relevante é a tensão que eles criam. No entanto, você já foi muito questionado a respeito da natureza desses segredos?
Em geral, o público entende isto de que conhecer os segredos realmente não é importante, até porque a trama pode aludir aos nossos próprios segredos, às nossas zonas mais obscuras. Ao mesmo tempo, há uma parcela dos espectadores que ficam procurando pistas para tentar desvendar os mistérios. Uma vez um rapaz me disse que era claro que o Pietro estava envolvido com a morte de Janis Joplin (risos). A pessoa tem certeza que o segredo é esse (risos).

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Qual a sua expectativa para seus encontros com o público brasileiro na 8½ Festa do Cinema Italiano?
Claro, estou curioso para saber do público brasileiro qual filme eu fiz. A gente apenas descobre isso no relacionamento com a plateia. Nas viagens que já realizei com o filme para outros países, em geral, a recepção tem sido muito parecida com a dele na Itália. Espero que no Brasil encontre algo diferente. Recentemente, tive uma frustração com o público japonês, pois as pessoas não fazem as perguntas diretamente após a sessão. Elas escrevem num papel e o mediador lê depois, aliás, sem muita emoção. Como as pessoas ficam morrendo de medo de serem identificadas, todo mundo fica meio quieto. Então, a relação ficou meio fria. Espero que no Brasil seja bem diferente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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