De atuação destacada nas telonas, e fora delas, especialmente por conta de um engajamento bonito em movimentos importantes à correção de certas disparidades sociais, Sidney Santiago Kuanza interpreta um personagem controverso e oscilante em Sequestro Relâmpago (2018). De início, é dos bandidos o mais ponderado, censurando exageros do parceiro ocasional de crime, tratando de acalmar a vítima para evitar o pior. Todavia, ele vai se transformando ao longo da trama, sutilmente deixando aflorar uma brutalidade que parecia absolutamente controlada. O próprio Sidney, na pequena entrevista que você confere a seguir, pontua esse papel como um divisor de águas em sua carreira, exatamente por se tratar de uma figura violenta, irascível, bem diferente da maioria de seus trabalhos anteriores, pelos quais foi relacionado a uma imagem dócil. Conversamos com Sidney Santiago Kuanza, sempre simpático e disposto a refletir profundamente sobre as questões postas, durante a 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde o longa-metragem de Tata Amaral fez sua première brasileira. O resultado desse Papo de Cinema para lá de agradável você confere a seguir.
Como foi trabalhar com a restrição imposta pela circunstância, já que boa parte do filme se passa dentro de um carro?
Certamente é uma restrição. Tivemos muita sorte porque eu, o Daniel (Rocha) e a Marina (Ruy Barbosa) possuímos um diapasão parecido, precisamos estar bastante aquecidos para fazer a cena. Então, a todo o momento parávamos para aquecer o físico e o espiritual. Muitas vezes era uma questão muscular, de tônus, de levantar, fazer flexão e correr. Foi intenso. Tudo isso visou manter a tensão e a intenção de que qualquer coisa poderia acontecer em cena.
Vocês leram um roteiro inteiro, ou seja, sabiam previamente dos dobramentos da história, ou foram tendo aos poucos a ciência do que aconteceria?
Foi por etapas. No meu caso, por exemplo, sou um ator que faz testes para os filmes. Fiz alguns, então passei pelo processo de preparação sabendo parcialmente da trama. Faltando três dias para a gente começar a rodar, aí recebi o roteiro. O filme teve preparação da Fátima Toledo e do Luciano Rizzi. Eles acharam importante sabermos parcialmente do que se tratava.
As filmagens aconteceram em ordem cronológica?
Houve tentativas nesse sentido. Acredito que grande parte das cenas, sim. Digo assim porque essa entrevista é uma oportunidade, além de refletir sobre trabalho, para relembrar certas coisas, até porque já faz um tempo que filmamos. Mas existiu a preocupação de que fôssemos encampando dia a dia. Lembro que a cena final foi rodada nas nossas últimas diárias. Embora tudo se baseie em fatos, tivermos liberdade poética para criar. Trabalhamos a partir dos estímulos que fomos tendo, sabendo já das personalidades e compondo em cima disso.
O filme traz à tona o machismo, afinal são dois homens acossando uma mulher, com ameaças de violência, inclusive sexual. Para você, qual a importância de debater esse tipo de coisa no cinema?
Para mim foi um pouco difícil, porque na minha história no cinema sempre fiz os mocinhos, os meninos bons. Sem dúvida, esse personagem é um momento de amadurecimento, de deixar de fazer meninos e fazer homens daqui para frente. Na vida pessoal tenho uma ligação muito forte com os movimentos negro, da luta pela terra e o feminista. Sou influenciado pelo feminismo negro há muitos anos. Portanto, foi bem difícil estar nesse lugar. Mas acho bastante importante mostrar isso num país como o Brasil, que tem um alto índice de estupro, violências e violações. O filme deflagra como o corpo da mulher ainda é vulnerável por conta de um sistema machista. Mesmo que, a priori, o meu personagem seja o mais manso, acaba se revelando voraz, ou seja, todos os homens aprendem e podem exercer esse comportamento predatório e criminoso.
(Entrevista realizada ao vivo, em São Paulo, em outubro de 2018)
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