Diretor e produtor, Greg Barker construiu sua carreira voltado para o exercício do documentário. Nativo da Califórnia, EUA, se formou em Economia pela Universidade George Washington e em Relações Internacionais na Escola de Economia de Londres. Essa formação lhe garantiu um ávido interesse por entender os complexos meandros da vida pelos quatro cantos do planeta. Após ter trabalhado como jornalista em empresas como a CNN, BBC e Reuters, começou a se interessar pelo cinema. Seu primeiro trabalho na área, ainda na televisão, foi Flights of Courage (1996), codirigido por Elizabeth Dobson. Mais de uma década depois, lançava Sergio (2009), produção original da HBO que foi indicada ao Emmy e premiada no Festival de Sundance. De lá pra cá, já realizou mais de uma meia dezena de outros projetos, e agora se prepara para estrear na ficção, justamente com o personagem que havia abordado lá no início da sua carreira: o diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello. Em Sergio (2020), que estreia mundialmente na Netflix no dia 17 de abril, ele conta com Wagner Moura no papel-título. Aproveitando essa oportunidade, o cineasta conversou com com o Papo de Cinema por telefone e falou sobre esse projeto e os cuidados que teve ao revisitar essa história. Confira!
Olá, Greg. Essa não é a primeira vez que você se debruça sobre a vida do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello. Por quê revistar essa história?
Essa é uma questão difícil, que já me ocorreu outras vezes, mas nunca surge uma resposta imediata. É importante que seja dito que não cheguei a conhecer o homem Sergio Vieira de Mello. Tudo o que sei sobre ele, foi através dos outros, do que se escreveu sobre ele, das pesquisas que fiz e das pessoas que entrevistei que tiveram, sim, contato quando ele era vivo. E muita gente o conheceu. Ele era um homem do mundo, uma figura única e um exemplo para todos. Esteve na África, no Timor, no Oriente Médio, na Europa… ou seja, por todos os lugares. O que aconteceu foi que tive a oportunidade de ler o livro O Homem que Queria Salvar o Mundo, da Samantha Power, que oferece uma outra visão sobre ele, e isso me motivou.
O que nessa trajetória lhe causou tanto impacto?
Todos aqueles que o conheceram ficaram impactados com o modo complexo que ele tinha de ver o mundo, ao mesmo tempo bastante prático, mas sem deixar de ser também idealista. E essa é uma rara combinação. Ainda mais hoje, com o mundo tão dividido, a possibilidade de um cara ser capaz disso e, mesmo assim, buscar soluções práticas para cada um desses conflitos, é incrível. Imagino que tenha sido uma existência muito complicada, mas também inspiradora. Queria que a história dele fosse mais conhecida, e foi isso que me atraiu nesse novo projeto.
Além do óbvio de que o Sergio de 2009 era um documentário e o Sergio de 2020 é uma obra de ficção, quais as principais diferenças entre os dois filmes?
O que eu queria era poder explorar a vida dessa pessoa de uma maneira mais lírica, a partir das pessoas que foram afetadas por ele. E também buscar esse olhar no casal, nessas duas pessoas que acabam se conectando uma com a outra em um momento tão crítico. Ou seja, um filme é mais sobre o trabalho dele, enquanto que o segundo é mais pessoal, tem uma pegada emocional. O primeiro era muito formal, e as reações obtidas com ele foram diferentes das que estou recebendo agora. Este segundo fala sobre o amor a importância de fazer a diferença no mundo, mesmo que seja no mundo de apenas uma pessoa.
Eles são complementares?
Acho que sim, os dois podem funcionar como você aponta, como um complemento um do outro. É um modo de ver as coisas. O segundo surge para preencher certas lacunas que não foram abordadas no filme anterior. Desde o início, a ideia era fazer um longa mais narrativo, poder experimentar algo que, até então, era inédito para mim. Na época em que esse projeto me foi oferecido, havia feito somente documentários, que era o mais natural para o que conhecia. Aliás, o Sergio de 2009 também está na Netflix, as pessoas podem assistir aos dois e fazer qualquer tipo de comparação que acharam cabíveis.
Como foi a escolha do Wagner Moura para viver o protagonista?
Assim que ficou certo que faria esse filme, sempre soube que queria um brasileiro para interpretar o Sergio. Não poderia ser diferente. E qualquer um mais atento sabe que há uma diversidade incrível de bons atores no Brasil, a questão seria apenas decidir por qual deles. Com o Wagner Moura, no entanto, a coisa foi curiosa. Pois ele também estava interessado na historia do Sergio Vieira de Mello, antes mesmo de eu falar com ele. Aconteceu que nos encontramos mutuamente, um meio que atendendo aos desejos do outro (risos). E quando conversei com ele sobre o tipo de filme que estava pensando em fazer, percebi que havia ficado interessado. Ele havia visto meu documentário, o Sergio (2009), e gostava do que havia feito. E teria que ser um filme grande, que passaria pelo Rio de Janeiro e por Los Angeles, além de outros cenários imprescindíveis para a história, e para tudo isso seria importante ter ao meu lado alguém que estivesse de acordo com o que estava me propondo a fazer. Isso foi o que mais nos motivou a trabalharmos juntos, pois queríamos fazer o mesmo tipo de filme, e fomos a partir daí desenhando como seria o nosso Sergio.
Você já o conhecia?
O Wagner Moura é um ator maravilhoso, além de ser também um cara de cinema, que entende como se dão as coisas dentro de um set. Mais do que um ator que precisei dirigir, foi um colega com quem pude dividir minhas dúvidas e construirmos juntos as soluções. Ele mergulhou fundo no personagem, reviu todo o material que pude lhe alcançar, além de ter feito pesquisas por conta própria. Passamos muito tempo explorando quem foi o Sergio Vieira de Mello, lendo e assistindo aos materiais que existem sobre ele, os registros que encontramos. E sempre com muita empatia e, acima de tudo, bastante respeito por essa figura que nós dois admiramos tanto.
Você escolheu um brasileiro para interpretar um brasileiro, mas uma cubana para interpretar uma argentina. Como chegou até o nome de Ana de Armas?
Então, o que posso afirmar é que foi uma busca muito ampla. Falamos com muitas atrizes ótimas, e com certeza haviam outras que teriam criado uma Carolina Larriera incrível. Essa nunca foi uma das nossas maiores dúvidas. Por outro lado, a Ana sempre foi nossa primeira escolha. E isso vem de tempos, antes mesmo dela se tornar tão conhecida. O envolvimento dela com esse filme, para você ter ideia, vem de antes do Entre Facas e Segredos (2019), pelo qual foi indicada ao Globo de Ouro, ou mesmo o novo James Bond, que teve seu lançamento nos cinemas adiado por causa da pandemia do COVID-19. E havia trabalhado antes com o Wagner, no Wasp Network (2019), e ele também falou muito bem dela. É uma atriz incrível, muito pé no chão, sabe de onde veio, e não esquece disso. Sua jornada desde Cuba até o sucesso que está desfrutando agora, não é algo gratuito, tem noção do quanto precisou se esforçar para estar onde se encontra. Tem muita empatia pelo mundo. Por tudo isso, era a escolha perfeita.
Você chegou a buscar atrizes argentinas para o papel da Carolina Larriera?
Conversamos com atrizes das mais variadas nacionalidades, até mesmo brasileiras, e argentinas também, claro. Mas a Ana veio pelo roteiro, foi o que nos conectou, pois sempre falou com muito interesse sobre o olhar que queríamos desenvolver para a personagem. Ela ficou apaixonada. Tentamos ser autênticos com a maioria dos retratados. Se estávamos no Camboja, todos os personagens locais foram interpretados por atores cambojanos, por exemplo. Mas, às vezes, é preciso buscar alternativas, temos que nos adaptar. Em um projeto do tamanho como esse, nem sempre podemos ser tão radicais. É preciso encontrar o meio termo.
Falando na Carolina Larriera, ela ou a família de Sergio Vieira de Mello foram consultados na realização desse filme? Como foi o envolvimento deles?
A Carolina viu o filme no Festival de Sundance, em janeiro desse ano, quando já estava pronto. Foi nessa oportunidade que ela conheceu o Wagner e a Ana, pôde conversar com os dois, e o encontro deles foi incrível. No entanto, este é um trabalho de ficção, e por isso tem sua própria vida. Foi uma honra termos contado com ela na première. Mas não era a aprovação, ou mesmo a benção dela que estávamos buscando – apesar dela ter ficado muito emocionada com o resultado, o que foi um presente a mais para todos nós. Faço documentários a vida toda, e são sempre obras independentes. O cinema, os livros que são escritos, e agora esse filme. Cada um vem de um lugar muito específico, muito emocional.
Que Sergio é esse que os brasileiros irão conhecer através deste filme?
Acho que é um Sérgio que muita gente acredita que pode ter existido, mas não chegou a ter muito contato. Creio que é o mais interessante, pois afinal também era brasileiro, e sempre muito ligado ao seu país. Isso lhe possibilitou um charme especial, sabe? Afinal, não era norte-americano, nem europeu. Era uma característica positiva. Todo mundo gostava dele. Usava esses talentos para causar efeito, mas era também uma imagem para alcançar seus objetivos, quando, no seu íntimo, não era nada aquilo. Ele dominava esse talento. Por isso, penso que os espectadores brasileiros podem se inspirar com a história dele. Era uma cara que sempre demonstrou muito respeito por suas origens, lembrava de onde veio, e fazia as coisas como ninguém mais. Se ainda estivesse vivo, certamente seguiria numa posição de destaque. Estaria à frente dessa crise que estamos enfrentando mundialmente, liderando o combate à pandemia. Com ele não havia espaço para política e nem para divisões radicais. Foi uma pessoa incrível, e o mundo se beneficiaria se houvessem muitos outros iguais a ele.
(Entrevista feita em abril de 2020)