A cineasta Emília Silveira tem uma importante bagagem como diretora e roteirista de programas musicais, eventos e transmissões ao vivo. Por mais de 20 anos, trabalhou na TV Globo. Hoje, segundo ela, não se interessa mais por simplesmente contar histórias, como outrora, mas busca “criar atmosferas”. Silêncio no Estúdio, documentário sobre a apresentadora Edna Savaget, é o segundo filme que ela lança neste ano. Durante o recente Festival do Rio, estreou Callado, sobre o escritor Antônio Callado. Emília gentilmente nos atendeu para este Papo de Cinema, em meio às gravações de seu mais novo projeto, chamado Nós Que Vivemos com HIV, realização “com perfil mais psicológico, centrado na população soropositiva”, ao qual serão ouvidos cerca de 30 depoimentos. A respeito de Silêncio no Estúdio, falamos acerca do processo de construção do longa-metragem e a respeito do que a move em direção às trajetórias de figuras proeminentes. Confira
De onde surgiu o seu interesse pela Edna Savaget?
Há muito tempo, a Luciana, filha dela, queria fazer um filme sobre a mãe. Fui, então, convidada pelas coprodutoras, Globo Filmes e Globonews, para assumir a direção. No início, eu já achava a Edna incrível, mas não tinha o compromisso semelhante ao dos meus filmes autorais. Todavia, na medida em que mergulhei na biografia dela, fui me apaixonando completamente. Edna foi pioneira na televisão, tinha uma visão vanguardista, combatia a versão da mulher infantilizada. O que me encanta é o humano sofrido por trás daquele ídolo da televisão. Do ponto de vista prático, a primeira coisa que perguntei era se havia imagens, material para trabalhar. O Leopoldo, viúvo da Edna, tem um arquivo de fotos e gravações incrível.
Como foi o processo de triagem do material de arquivo disponível?
Além de vasto, nos deparamos com um material original, não produzido, gravado e mantido exclusivamente pela família durante anos. Então, era necessário desenterrar toda essa história de vida e, por conseguinte, essa emoção. Ficamos quase dois anos assistindo e organizando o arquivo. A Patrícia, minha assistente de direção, ia para a casa do Leopoldo todos os dias a fim de assistir aos VHS e demais materiais disponíveis. A própria Luciana, que trabalha na Globonews, fez uma grande catalogagem de fotos. E foi por esse conteúdo que começamos.
Você encontrou alguma resistência ou teve restrições no processo de produção do filme?
Não tive restrições. A Luciana teve uma confiança absurda. Aliás, a única coisa que pedi, de antemão, foi autonomia e liberdade. Nossos coprodutores queriam um filme que não fosse meramente familiar ou chapa-branca. Tivemos o apoio da Modo Operante, da Susanna Lira, pois eu não poderia ter dois longas na minha produtora, pois ela é pequena. Eles fizeram a parte executiva e nós a artística. As parcerias deram muito certo. Ouvi comentários de pessoas que disseram que fui até o limite da invasão de privacidade. Digo que pude inserir todas as minhas dúvidas sobre a personagem. Não tenho, obviamente, a pretensão de compreender a Edna totalmente, até porque isso é impossível. Mas utilizei as minhas teorias e ideias sobre ela. As questões afetivas, a doença, o casamento e o trabalho.
Qual das passagens da trajetória de Edna mais te chama a atenção?
Para mim, a passagem mais feliz, como montagem, é aquela sequência que aborda a bebida, o fato do marido ser contra, dela falar uma coisa e ele outra. Gosto muito dessa alegria dela, que transparece. Gosto, também, das passagens dos amigos na casa em Angra dos Reis, da presença do Sebastião Tapajós. O filme tem umas pérolas, signos da personalidade dela. Foi o que tentamos evidenciar. Esse é um documentário nos moldes tradicionais, sem pretensão de ser vanguardista, que conta a histórica carinhosamente, mas indo fundo em determinadas situações. Fiquei muito feliz com o resultado, especialmente com a confiança da família.
Na sua carreira cinematográfica, predominam os documentários biográficos. Quais os principais desafios desse formato?
Primeiro, eu não queira virar especialista em filme de ditadura após o Setenta (2014). Achei que estava fazendo um filme sobre o Antônio Callado, com o Callado (2017), mas vi que acabei realizado algo sobre o Brasil, acerca do nosso desencanto atual. O principal desafio desse tipo de filme é o recorte, porque não quero informar meramente a história da pessoa. Através daquela experiência de vida, busco mostrar ao público quem foi o biografado, em que mundo ele vivia, e que questões estavam impostas na sua vida. Como jornalista, contei muitas vidas do começo ao fim. Hoje, quero trazer para os meus filmes uma atmosfera.
(Entrevista concedida por telefone, direto do Rio de Janeiro, em dezembro de 2017)
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